Marielle Franco e a SBPC: afinidades eletivas

Artigo de Luiz Antônio Cunha, professor da UFRJ e coordenador do GT Estado Laico da SBPC

Artigo de Luiz Antônio Cunha, professor da UFRJ e coordenador do GT Estado Laico da SBPC

Este não é “mais um” artigo sobre a militante dos Direitos Humanos e vereadora carioca assassinada em 14/03/2018, nem sua destacada atuação contra a violência policial e em defesa dos direitos das mulheres e dos afrodescendentes nas favelas do Rio de Janeiro. Tudo o que se escrever sobre sua atividade é pouco diante do muito que se diz para desqualificar a política como um todo, a ponto de virar, para tanta gente, sinônimo de egoísmo, corrupção e dissimulação. Pois Marielle Franco demonstrou, na prática, que a política é uma louvável atividade em prol da coletividade, especialmente quando orientada em favor dos mais discriminados.

As posições de Marielle eram afins com as da SBPC, tanto na luta contra as discriminações, quanto pela liberdade de pensamento e de crítica – a hipótese primeira é que ela foi executada por denunciar a violência policial contra as populações pobres da cidade. Ela também entendia a laicidade do Estado como uma dimensão dos Direitos Humanos, distinguindo-se, assim, da maioria dos parlamentares brasileiros, que se curvam, por oportunismo ou por covardia, diante da ofensiva das bancadas religiosas contra a liberdade de pensamento e de expressão.

A SBPC criou o Grupo de Trabalho Estado Laico, que promove eventos nas Reuniões Anuais e produz materiais sobre essa questão. E Marielle produziu, junto com o Observatório da Laicidade na Educação, um pequeno texto, uma “cartilha”, intitulada “Laicidade, o que é?”, redigida em linguagem acessível ao grande público, com inspirada ilustração. Divulgada em texto digital e impresso, a “cartilha” divulga a importância da laicidade do Estado para a democracia, uma conexão dissolvida pela inciência e pela polissemia. Lá se lê que o Estado Laico não é católico, nem evangélico, nem espírita, nem do candomblé, nem ateu – é aquele que garante que possamos ser tudo isso ou nada disso. Além das ideias gerais sobre o tema, ela lista cinco erros do Estado não laico – o brasileiro, no caso: (i) a concordata com o Vaticano; (ii) o ensino religioso nas escolas públicas; (iii) os privilégios tributários para as igrejas; (iv) as restrições religiosas na saúde, inclusive a criminalização do aborto; e (v) o voto de cabresto religioso.

O texto da “cartilha” termina com um apelo bastante atual: “não deixe que ninguém use qualquer religião para disseminar o ódio e a exclusão!” Os assassinos de Marielle Franco calaram uma voz laica na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro e impediram a ascensão de uma promissora figura no campo da política. Tomara que as evocações ao seu nome – presente! – não se esqueçam de que a distinção entre política e religião foi um dos vetores de seu pensamento e de sua prática.

Baixe a “cartilha” aqui: http://www.edulaica.net.br/uploads/arquivo/CARTILHA_O_QUE_E_LAICIDADE.pdf

Sobre o autor:

Luiz Antonio Cunha é professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Tem experiência nas áreas de Sociologia e de História, principalmente nos seguintes temas: política educacional, educação brasileira, ensino técnico, história da educação e ensino superior. Desde 2006, a laicidade do Estado constitui seu objeto principal de pesquisa. Em agosto de 2014 recebeu o título de Professor Emérito da UFRJ, por decisão do seu Conselho Universitário.