Após demanda da comunidade científica, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) decidiu revisar a Portaria n° 1.122, de 19 de março de 2020, que estabeleceu as linhas prioritárias de ação da pasta. A nova portaria, n° 1.329, publicada no Diário Oficial da União dessa segunda-feira, 30 de março, inclui desta forma os projetos de pesquisa básica, humanidades e ciências sociais: “São também considerados prioritários, diante de sua característica essencial e transversal, os projetos de pesquisa básica, humanidades e ciências sociais que contribuam para o desenvolvimento das Áreas de Tecnologias Prioritárias do MCTIC”, descreve a norma.
Esta mudança, incluída na nova Portaria, datada do dia 27/3, responde à carta encaminhada ao ministro Marcos Pontes por um conjunto de entidades científicas preocupadas com o foco exclusivo nas áreas tecnológicas e de inovação explicitado na portaria anterior. Na nota enviada pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), mais de 80 entidades científicas e 60 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) reclamaram a ausência de diálogo com a comunidade e, especialmente, a omissão do apoio à ciência básica no documento original.
Outra mudança promovida pelo MCTIC na nova portaria, no Art. 8º, é que as linhas prioritárias passam a ter “caráter orientativo” para os órgãos do MCTIC. Isto altera a situação colocada na portaria anterior na qual se dizia que “Os órgãos do MCTIC (…) têm a obrigação de…” No caso da Finep e CNPq, as agências “deverão promover, no que couber, ajustes e adequações necessários nas respectivas linhas de financiamento e de fomento, para incorporar, em seus programas e ações, as prioridades estabelecidas na presente Portaria.” A expressão “no que couber” foi acrescentada na nova portaria. Uma alteração similar foi feita para as unidades vinculadas ao MCTI.
Sobre a nova portaria, o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu Moreira, comentou que houve um avanço significativo à medida em que o MCTIC acolheu uma demanda da comunidade científica e flexibilizou a portaria em determinados pontos. “Temos que, no entanto, analisar com mais cuidado a nova portaria. E é preciso acompanhar como as mudanças assegurarão, na prática, que não haverá restrições à ciência básica, e às ciências sociais e humanas em particular. Às vezes se confunde o estabelecimento de prioridades e estratégias, que é um direito e um dever dos governantes – e devemos entender isto -, com o funcionamento básico do sistema da ciência e tecnologia que está na base e é vital para o desenvolvimento sustentável e para a inovação. Reconhecemos a atitude de abertura do MCTIC para com as demandas da comunidade científica neste caso, mas é fundamental que o Ministério dialogue mais conosco e com outros setores envolvidos em questões como essa, de preferência antecipadamente à definição de políticas mais gerais para a CT&I”, afirmou.
O presidente da ABC, Luiz Davidovich, também chama atenção para a condição da inclusão das ciências sociais e humanas e das ciências básicas em geral como prioritárias, desde que “contribuam para o desenvolvimento das áreas definidas nos incisos I a V do caput”, conforme a norma. “Esses incisos definem as áreas prioritárias, as mesmas da portaria anterior. É natural e desejável que o MCTIC defina prioridades. Mas é preciso cuidar da base dessa estrutura. Resta, assim, a preocupação sobre como serão tratadas pesquisas que podem não ter uma aplicação imediata nas áreas prioritárias, mas constituem uma base fundamental do sistema científico nacional – pesquisas em matemática que têm estimulado estudantes a fazer ciência e projetado o País no cenário internacional; cooperações internacionais nas áreas de física e astronomia; estudos sobre história, filosofia, direito, linguística, entre outros”, ressalta.
Segundo Davidovich, a nova portaria não deixa claro se essas áreas todas estariam relacionadas aos projetos prioritários. “Eu acredito que são, indiretamente, na medida em que contribuem para a formação dos futuros cientistas e engenheiros, para a compreensão do país onde serão realizados os projetos prioritários e também por ser a ciência básica, frequentemente, fonte de inovações disruptivas, mas será que aqueles que aplicarão as diretrizes dessa Portaria entenderão isso? O MCTIC deveria deixar claro como essas definições afetarão as decisões relativas ao apoio à ciência básica, às humanidades e às ciências sociais”, diz.
O pesquisador ressalta ainda que universidades de alta qualidade, como Harvard e outras, obrigam seus alunos a terem uma formação transversal, seguindo cursos em área diferentes da especialidade. “É importante ter essa transversalidade nas universidades brasileiras, e isso só funciona se tivermos profissionais competentes não apenas nas áreas prioritárias, mas também em ciências básicas, humanidades e ciências sociais.”
Jornal da Ciência