Mais de 677 mil pessoas morreram na pandemia de covid-19 no Brasil, de acordo com dados consórcio de veículos de imprensa. Pelo menos metade dessas mortes ocorridas em hospitais poderiam ter sido evitadas minimizando problemas no sistema de saúde, que envolvem o acesso e a disponibilidade de recursos, além das grandes disparidades entre regiões do país, segundo o último relatório da Equipe de Resposta à Covid-19 do Imperial College London, do Reino Unido. Porém, a situação é ainda muito mais complexa, segundo os participantes do painel “Quem é Responsável pelas Mortes Decorrentes da Covid-19 no Brasil”, realizado durante a 74ª Reunião Anual da SBPC nesta quarta-feira (27), às 13h.
Coordenado por Lucile Maria Floeter-Winter, professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), o painel contou com a participação de Lígia Bahia, professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Naomar de Almeida Filho, professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e Deisy Ventura, professora de Ética da Faculdade de Saúde Pública (FSP) coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Global e Sustentabilidade da USP.
“Se o Brasil tivesse tomado todas as medidas corretas e no tempo certo, teríamos meio milhão de mortes a menos. Por causa disso, a sociedade brasileira pagou um alto preço”, afirmou Almeida Filho. Para o pesquisador, uma pandemia é um evento singular e complexo que afeta não só corpos humanos, mas também o tecido social, as relações econômicas, os meios de comunicação e a política. “Não se pode descrever a pandemia apenas pelo vírus ou pelos sinais clínicos do que veio a se chamar covid-19. Nem é uma série de indicadores epidemiológicos e curvas epidêmicas, e também não é só um processo de disseminação e contágio”. Almeida Filho ainda apontou que para um problema complexo, como a pandemia, não há uma solução simples. Porém, por outro lado, também propiciam uma oportunidade para novas formas de pensar e agir. “Por ser um evento crítico, ele impõe a necessidade de um pensamento integrador e transdisciplinar”, pontuou.
Para Bahia, o fato de ainda hoje estarmos convivendo com a covid-19 demonstra um fracasso das medidas sanitárias tomadas pelo País. “Se os erros tivessem sido evitados e o Brasil pudesse ter contado com vacinas para covid-19 em quantidade suficiente e disponíveis em tempo oportuno, uma parcela dos óbitos observados em 2021 poderia ter sido evitada”, afirmou a pesquisadora. Bahia também apontou que as medidas não farmacológicas (como ações de organização de assistência à saúde, vigilância epidemiológica, ambulatorial e hospitalar, incluindo profissionais, leitos e equipamentos de UTI) são essenciais e poderiam ter reduzido os óbitos em excesso no Brasil.
Ventura fez um alerta sobre o pedido de arquivamento de sete investigações abertas a partir da apuração feita pela CPI da Covid, encerrada em outubro do ano passado, feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF). “O Supremo Tribunal Federal deveria ter determinado que o governo federal tomasse um conjunto importante de medidas durante a pandemia”, enfatizou. A pesquisadora apontou que um governante não pode prescindir do papel legal atribuído pela Constituição Federal e por toda legislação sanitária brasileira, tampouco o Ministério da Saúde pode praticar atos que coloquem em risco a saúde da população brasileira. “Se entendermos que esse tipo de conduta, de omitir-se em relação a obrigações legais e praticar atos que explicitamente atentam contra a saúde da população, é admissível, estamos transformando os governantes em pessoas que podem dispor da vida das pessoas impunemente – mesmo quando existem obrigações legais claras em relação ao que deveriam fazer”, enfatizou.
Os participantes concordaram que a discussão é fundamental, tanto porque a pandemia de covid-19 ainda não terminou, quanto pelo grande risco de novas pandemias ocorrerem. “Essa pandemia não é a última. É importante a verdade, a justiça e a memória, porque na memória fica a maneira de como vamos enfrentar as próximas, para não cometermos os mesmos erros”, pontuou Floeter-Winter.
Assista ao painel na íntegra:
https://www.youtube.com/watch?v=1BTih-C7HFM
Chris Bueno – Jornal da Ciência