Mentorias do Prêmio Carolina Bori promovem trocas transformadoras entre gerações de cientistas

Etapa da premiação foi implementada nesta 6ª edição, que contemplou a categoria Meninas na Ciência

54323573259_b172daf4d4_c(1)O 6º Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher, entregue em fevereiro de 2025 pela SBPC, celebrou as Meninas na Ciência, reconhecendo estudantes do Ensino Médio e da Graduação por seus projetos promissores e pelo potencial em trilhar uma carreira científica de sucesso. A premiação incluiu valores entre 7 e 10 mil reais, uma visita ao Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, e apresentação de seus trabalhos na 77ª Reunião Anual da SBPC, que acontecerá de 13 a 19 de julho, na Universidade Federal Rural de Pernambuco, em Recife.

Além desses reconhecimentos, uma nova etapa foi implementada este ano: o ciclo de mentorias, com encontros individuais entre as vencedoras e pesquisadoras de referência em suas áreas, e uma sessão coletiva com especialistas convidados do Instituto Serrapilheira e da Agência Bori. A proposta foi oferecer, além do reconhecimento simbólico e material, um acompanhamento formativo e inspirador para as jovens cientistas, fortalecendo suas trajetórias acadêmicas e ampliando horizontes.

As mentorias ocorreram em encontros online, concebidos como diálogos abertos e acolhedores. Como explica a presidente eleita da SBPC, Francilene Garcia, que coordenou a premiação, a ideia era que as mentoras compartilhassem decisões marcantes de suas trajetórias — como a escolha pela pós-graduação, vivências no exterior e aprendizados ao longo da carreira. As vencedoras, por sua vez, apresentaram suas dúvidas, planos e inquietações em um ambiente de escuta, orientação e incentivo.

A estudante Ana Elisa Brechane da Silva, estudante da Escola Estadual Prof.ª Maria das Dores Ferreira da Rocha, de Santa Rita d ́Oeste (SP) e vencedora na categoria Ensino Médio, área de Biológicas, relatou que a experiência foi “incrível” e que a mentoria ocorreu em um momento ideal. “Estou escolhendo uma carreira profissional e as orientações dadas pela mentora fizeram a diferença nessa fase tão decisiva da minha vida. Além de esclarecer os caminhos e dúvidas sobre a carreira profissional, ela orientou e ofereceu oportunidades riquíssimas para essa escolha”, disse. Para a estudante, as sessões individuais e coletivas contribuíram para esclarecer caminhos profissionais, ampliar o repertório sobre o “mundo científico” e mostrar que as jovens cientistas “não estão sozinhas”.

Roseli de Deus Lopes, professora titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EP-USP), e mentora de Ana Elisa, também avaliou a experiência como positiva e defendeu a continuidade da iniciativa. Ela destacou que o Ensino Médio é uma etapa crítica para a definição de escolhas que moldam o futuro, e que o contato direto com pesquisadoras pode fazer toda a diferença. “A escolha de um curso pode mudar totalmente a vida delas, bem como onde fazer esse curso. Acho que quanto mais informações elas puderem ter, quanto mais trocas a gente puder proporcionar a essas jovens, melhor – para elas e também muito melhor para o nosso país, porque vamos ter pessoas talentosas, seguindo trilhas de muito sucesso”, afirmou.

Na graduação, Angélica Azevedo e Silva, estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) e vencedora na área de Humanidades, participou de mentorias com Irlys Alencar Firmo Barreiraprofessora-titular da Universidade Federal do Ceará (UFC), além das especialistas da Agência Bori e do Instituto Serrapilheira. Angélica conta que houve uma conexão especial com sua mentora, ao discutirem temas como urbanismo, sociologia e a atuação de Angélica com comunidades quilombolas. “Pensamos nos próximos passos da minha trajetória, sempre elevando a história e a cultura no planejamento territorial”, explicou a estudante.  Ela também ressaltou a sessão com a Agência Bori, as conversas sobre como divulgar o trabalho e a importância de adaptar a comunicação conforme o público. “Todas as mentorias foram produtivas e importantes para trilharmos as próximas etapas.”

A professora Irlys Barreira destacou o entusiasmo e o empenho da jovem pesquisadora. Na conversa, elas abordaram a relação entre memória, patrimônio e o significado do trabalho de Angélica para o território onde atua. “Discutimos as potencialidades da pesquisa e trocamos referências. Foi uma interlocução muito rica”, comentou. Para a professora, o caráter interdisciplinar da mentoria foi um dos pontos altos, e a experiência reforçou sua crença de que ensinar e aprender são processos de troca permanentes. “Agradeço a SBPC pela oportunidade, pois penso que também aprendemos com a experiência.”

A doutoranda Beatriz Oliveira Santos, estudante do curso de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo e vencedora da área de Biológicas e Saúde, considerou que a mentoria com a antropóloga Haydée Glória Cruz Caruso, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), teve papel fundamental para ampliar as possibilidades de articulação de sua pesquisa com políticas públicas. “Foi muito importante para entender os caminhos possíveis junto ao governo, com outras instituições, e os diferentes produtos que podem surgir da investigação”, explicou. Segundo ela, a escuta atenta da mentora e sua experiência acumulada permitiram uma conversa rica e motivadora. “Fiquei encantada também com a fala da Agência Bori sobre divulgação científica. Quero procurar cursos com eles.”

Haydée Caruso também destacou a potência do encontro e a afinidade entre suas trajetórias, ainda que oriundas de campos distintos. “Mesmo sendo de áreas diferentes, trabalhamos com o tema do sistema prisional. Foi bonito poder aprender com ela, entender os caminhos acadêmicos que ela tem desenvolvido até o momento. E poder compartilhar da minha experiência. Falamos de intercâmbios acadêmicos, projetos de futuro e conexões entre saúde e ciências sociais, e isso foi muito rico”, relatou.

Entre as premiadas do Ensino Médio, a jovem Isadora Abreu, estudante do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA) e vencedora na categoria Ensino Médio/Humanidades, também ressaltou a importância das mentorias para o amadurecimento de sua trajetória. “Foram muito necessárias para minha carreira científica e para meus planos futuros. Guardei tudo o que me foi passado e pretendo seguir tudo o que me foi passado”, afirmou. Ela também elogiou o conteúdo das mentorias coletivas, que abordaram temas como comunicação científica, ainda pouco acessíveis a estudantes em início de carreira.

Sua mentora, Sayonara de Amorim Gonçalves Leal, professora do Departamento de Sociologia da UnB, sublinhou o impacto positivo do encontro. Para ela, essa etapa dentro do prêmio ajuda a confirmar e fortalecer vocações científicas em um momento delicado de transição para a vida adulta. “A Isadora demonstrou maturidade investigativa e intenção de seguir para o mestrado. Se tiver acesso aos meios adequados de fomento, pode ir muito longe. Acho que essa iniciativa é muito boa para isso, para motivar essas vocações para a pesquisa e ajudá-las a irem ainda mais longe”, avaliou.

Já a psicóloga Deisy das Graças de Souza, professora titular da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), foi mentora de Millena Xavier Martins, estudante do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa (UFV), que venceu com um projeto, na área de Exatas, sobre inteligência artificial aplicada à triagem do autismo. Para professora, a SBPC acertou ao investir em ações estruturantes, que fortalecem não apenas as vencedoras, mas toda a ciência brasileira. “A concepção de mentoria adotada aqui está em total sintonia com a visão de Carolina Bori sobre a formação científica desde cedo e em ambientes favoráveis ao aprendizado”, declarou. Ela ressaltou que Millena já demonstra clareza sobre sua trajetória futura e que, inclusive, já foi aceita por universidades norte-americanas. “Esse não é um ponto de chegada: é mais um degrau para voos mais altos.”

As sessões coletivas, promovidas com diretoras do Instituto Serrapilheira e da Agência Bori, respectivamente, Cristina Caldas e Ana Paula Morales, também desempenharam papel essencial, tratando de temas como o risco na pesquisa científica e a comunicação com diferentes públicos. A Agência Bori apresentou estratégias de divulgação científica, enquanto o Instituto Serrapilheira promoveu um diálogo franco sobre ousadia, falhas e critérios para apoiar projetos de alto risco.

Ana Paula Morales compartilhou a experiência da Agência Bori, serviço de comunicação que também leva o nome da primeira presidente mulher da SBPC, e que tem como proposta central promover a interação entre a academia e a imprensa no Brasil. Na sessão coletiva com as vencedoras do prêmio, ela falou sobre como pesquisas inéditas podem ganhar visibilidade ao serem levadas à imprensa, independentemente da área do conhecimento. Em entrevista ao Jornal da Ciência, a jornalista destacou o papel fundamental das mentorias para o estreitamento de laços e formação de uma rede de apoio e colaboração, bem como para o crescimento profissional de cada pesquisadora. “A mentoria se torna um recurso valioso para impulsionar a continuidade e o impacto do trabalho dessas jovens cientistas”, disse.

Na avaliação de Francilene Garcia, com essa nova etapa, de oferecer sessões de mentorias às vencedoras, o Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher reafirma seu papel como política estruturante de valorização de meninas e mulheres na ciência. “Ao articular reconhecimento, incentivo financeiro e formação, a SBPC não apenas celebra trajetórias, mas investe na construção de uma comunidade científica mais diversa, conectada e comprometida com o desenvolvimento do país”, conclui.

Daniela Klebis – Jornal da Ciência