O governo federal desenvolveu um plano de ação interministerial para consolidar internamente as recomendações da Convenção Minamata, que estabelece a eliminação gradual de mercúrio em processos industriais e artesanais, e cumprir com os prazos estabelecidos no acordo. O Brasil assinou em outubro último a proposta internacional, da Organização Mundial da Saúde (OMS), que estabelece metas para banir o uso do metal altamente tóxico em até 15 anos.
Até o momento, estima-se que mais de 100 países tenham aderido ao acordo, incluindo o Brasil. A validade do acordo em cada país ainda depende da ratificação do Legislativo.
O nome da Convenção Minamata é uma alusão à cidade japonesa que registrou há cerca de 50 anos o pior desastre ambiental provocado pelo mercúrio, causando um surto de envenenamento pela contaminação de frutos do mar em águas altamente tóxicas.
Desenvolvido pelos ministérios do Meio Ambiente (MMA) e de Minas e Energia, o plano brasileiro sobre o mercúrio foi criado, dentre outras atribuições, para inventariar as emissões atmosféricas e liberações (para a água e o solo) das fontes antropogênicas de mercúrio, contemplando os setores industrial, de comércio, usos clínicos (amálgama dentário) e em produtos como, por exemplo, termômetros e lâmpadas. Aliás, essa é uma das principais recomendações da Convenção no acordo. A primeira é conhecer as fontes do mercúrio e como elas emitem.
Validação
A validade da Convenção no Brasil ainda depende da ratificação do Congresso Nacional. São necessárias 50 ratificações para o protocolo entrar em vigor no mundo. A diretora do departamento de Qualidade Ambiental na Indústria do Ministério do Meio Ambiente, Letícia Carvalho, prevê que a Convenção entrará em vigor nos próximos três anos.
Em entrevista ao Jornal da Ciência, Letícia disse que o plano nacional sobre o mercúrio está sob a análise do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e do fundo Global Environmental Facility (GEF). “Nossa meta é aprová-lo até o fim deste ano”, diz.
Para fazer frente às demandas da Convenção, o plano nacional conta com US$ 4 milhões, dos quais US$ 3 milhões devem ser desembolsados pelo MMA e US$ 1 milhão pelo GEF, órgão que vem antecipando recursos para países que querem começar a adotar as medidas de banimento ao metal altamente tóxico.
Perda de visão
O professor Givago Souza, do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará (UFPA), que faz parte de um grupo de trabalho que investiga os efeitos do mercúrio há 15 anos, diz que um dos principais sintomas da exposição ao mercúrio é a perda de visão. Ele estuda os efeitos do produto tanto em pessoas ocupadas na indústria do mercúrio, de segmentos como termômetro e lâmpada, quanto às expostas ao metal altamente tóxico jorrado no meio ambiente, principalmente na região amazônica. Segundo o especialista, o mercúrio interfere no sistema nervoso.
“Ao fazer o estudo no Brasil, identificamos pessoas com os mesmos sintomas de intoxicação das vítimas do acidente no Japão”, conta.
De acordo com Souza, as pessoas mais vulneráveis à intoxicação do mercúrio são aquelas que têm contato com peixes intoxicados e as que trabalham em empresas que lidam com o produto. Ou seja, pessoas que de alguma forma entram em contato com o metal, principalmente através do seu vapor, como o liberado pela lâmpada, e dentistas ao fazerem a amalgama da substância usada na restauração do dente tem mercúrio. “Caso a lâmpada esteja quebrada a pessoa pode entrar em contato com o vapor do mercúrio”, exemplifica.
O produto, no caso do tratamento dentário, atinge também a pessoa que faz obturação por ficar com resquícios dele no dente por muitos anos. “De certa forma essa pessoa é intoxicada, ainda que seja de forma lenta e baixa”, alerta Souza. “Mas os dentistas têm mais risco do que os pacientes, porque o contato com o mercúrio é diário.” Por enquanto, o especialista não tem um estudo sobre a relação do número de dentes obturados com o número de pessoas intoxicadas. O mercúrio no Brasil é também usado em vacinas (para rubéolas, por exemplo) para crianças, o que já está em desuso nos Estados Unidos e Europa há alguns anos.
Garimpos são os desafios do país
Apesar de não haver mineradora de mercúrio alocada no Brasil, o maior desafio do país é banir o uso desse metal tóxico na extração informal de ouro na Amazônia. A diretora do Departamento de Qualidade Ambiental na Indústria do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Letícia Carvalho, explica que o garimpo é uma atividade difusa, pulverizada e com acentuado percentual de informalidade socioambiental. “Esse é definitivamente o maior desafio do Brasil”, diz.
Mesmo que a Convenção Minamata não faça recomendação específica para a eliminação ou redução do uso do mercúrio nos garimpos, o acordo internacional estabelece o fim de mineradoras produtoras desse metal em até 15 anos, em países nos quais o acordo seja validado. Segundo informações do Grupo de Trabalho sobre Mercúrio, desenvolvido pela Comissão Nacional de Segurança Química (CONASQ) do MMA, o Brasil vem implementando ações de controle do metal tóxico nos garimpos. Como exemplo, cita que o Ministério de Minas e Energia está executando um projeto para a formalização socioambiental dos garimpeiros e suas cooperativas, com intuito de incentivar “o uso ambientalmente correto do mercúrio”.
Licenciamento ambiental
Além disso, o MMA informa que o controle do uso do metal tóxico pode ser, também, pelo licenciamento ambiental, considerando que essa é uma atividade que requer essa autorização de órgão estadual ou municipal, a depender da extensão dos possíveis impactos na natureza, de acordo com o Decreto nº 97.507/1989.
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) é responsável pelo controle da produção e comercialização de mercúrio metálico, conforme decreto nº 97.634/1989. De acordo com o MMA, o Ibama está elaborando normas para autorização ambiental e cadastramento de importadores, produtores, comerciantes e usuários de mercúrio.
O professor Givago Souza, do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade Federal do Pará (UFPA), concorda que o maior problema para banir o mercúrio no território nacional é o uso do metal tóxico nos garimpos, principalmente nas comunidades ribeirinhas na Amazônia. Isso porque parte do mercúrio que contamina as populações é proveniente da exploração do ouro. Ou seja, o produto vai para os rios e é ingerido pelos peixes. Outra parte do mercúrio “parece” jorrar do próprio solo amazônico, diante da presença de indústrias hidrelétricas, fator intensificado pelo desmatamento. Isto é, o solo não consegue absorver o mercúrio que acaba indo para os rios.
No que se refere ao setor industrial, o estudioso da UFPA vê mais facilidade em banir o uso do mercúrio do que nos garimpos, considerando que o governo tem mais controle na quantidade utilizada do metal tóxico e as próprias indústrias têm evitado o uso do mercúrio. Por exemplo, diz Souza, a própria odontologia já usa resinas que não utilizam mercúrio. “No termômetro, ainda não conheço nenhuma alternativa que possa substituir o mercúrio”, explica. “Mas no fundo, qualquer líquido pode ser usado no lugar do metal tóxico, embora o mercúrio seja a melhor opção para tal uso.”
(Viviane Monteiro/ Jornal da Ciência)