Mídia: das promessas às desilusões com a internet

Em painel do segundo dia deste ciclo de novembro da 72ª Reunião Anual da SBPC, especialistas debatem os caminhos para a mídia no Brasil diante do cenário de substituição do tradicional oligopólio nacional por grandes transnacionais de tecnologia

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Os desafios da mídia em um cenário dominado pelas chamadas “Big Tech”, as gigantes transnacionais de tecnologia, com forte influência política, foi tema de debate no segundo dia do ciclo de novembro da 72ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

O painel “Meios de Comunicação e Democracia no Brasil”, realizado nesta quarta-feira, 4, foi conduzido por Elias Machado Gonçalves, coordenador do Laboratório de Pesquisas Aplicadas em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Participaram como expositores e debatedores o jornalista Luís Nassif, do Jornal GGN; a jornalista Renata Mielli, secretária-geral do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé; o cientista político Leonardo Avritzer, professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Talles Lopes, cientista social, produtor cultural e cofundador da rede Fora do Eixo e da Mídia Ninja.

Abrindo o painel, o jornalista Luiz Nassif situou o papel da mídia no contexto histórico de um processo de acumulação do capital e concentração de renda, típicos do capitalismo brasileiro. Desde seus primórdios, segundo Nassif, a mídia foi sempre o grande agente articulador destas forças de poder, pautando as discussões da sociedade na direção que interessava a eles. Tudo muda na virada do milênio, com o avanço da internet e mais recentemente das redes sociais, em que o modelo de negócio da mídia tradicional foi colocado em xeque mundialmente e há o que ele chama de “desestruturação do mercado de opinião”.

“Agora está tudo tão pulverizado que do acúmulo de opiniões sobressai o caos”, afirmou o jornalista. Para ele, neste momento o país está à deriva e a mídia não consegue dar uma contribuição para colocar ordem no caos. “Vai se reconstituir de alguma maneira, mas hoje, desse acúmulo de bolhas se criou um inferno, e não há referenciais das instituições, nem homens, nem mulheres públicos que possam se constituir em vozes de conciliação e apontar rumos.”

Leonardo Avritzer destacou o papel dos meios de comunicação para a própria existência da democracia: “Não existe democracia sem pluralismo na comunicação pública”, reiterou. Segundo o cientista político, o Brasil, apesar de mirar a democracia, desenvolveu um sistema de comunicação social pautado por interesses econômicos e baseado em monopólios, o que resulta em informação distorcida, criada na interseção entre o mercado e o Estado.

Para Avritzer, a dissolução dos antigos monopólios não vai significar uma democratização, porque não segue a agenda democrática da Constituição de 1988, e sim está dominada por impérios religiosos (como a TV Record) e de plataformas de conteúdo em áreas como esportes e entretenimento (como a Netflix).

Avançando na questão da substituição do monopólio nacional por empresas de tecnologia transnacional, Renata Mielli apontou o fenômeno como resultado de uma terceira fase da expansão da internet nos meios de comunicação. Ela disse que tinha expectativas positivas com o advento da internet na primeira década do século, quando vozes que nunca antes tiveram espaço na mídia tradicional ganharam um canal através de inúmeros blogs e sites.

“Mas a partir de 2013, diante da dinâmica econômica das novas plataformas e redes sociais, as pessoas deixaram a internet para usar apenas determinadas aplicações (como Facebook, Instagram, Whatsapp, Twitter), se confinando nestes ambientes murados, privados, monopolizados, que possuem regras muito próprias para distribuição de conteúdos no seu interior, regras essas que a meu ver têm contribuído com a deterioração do debate público”, afirmou a jornalista.

Talles Lopes falou da experiência da Mídia Ninja que começou a atuar como imprensa alternativa na terceira fase da internet descrita por Renata Mielli, em um momento no qual se vislumbrava uma grande possibilidade de criação de uma mídia de massa verdadeiramente democrática, com espaço de comunicação aberto através da internet para todos.

“Ali (em 2013), falava-se da possibilidade do cidadão multimídia, que com o desenvolvimento de tecnologias, a chegada do smartphone, passava a ser um produtor de conteúdo”. Hoje, porém, admitiu Lopes, a mídia de massa se transformou em “massa de mídia” e no grande caos mencionado por Luiz Nassif.

Para Lopes, o desafio que se coloca agora ultrapassa a democratização da mídia que parece não ter sido concretizada, e atinge a defesa da democracia em si. “Acho que temos que ousar pensar na elaboração de novos sistemas políticos que vão além desse modelo liberal democrático que nos pautou até agora.”

Assista ao painel na íntegra, no canal da SBPC no Youtube.

Jornal da Ciência