“Nossa, parece uma lâmpada”. “Imagina se explode tudo?”. “Se soprar, fica maior?”. Essa foi a reação de um grupo curioso de crianças entre cinco e dez anos que assistia atenta a uma apresentação sobre vidros feita por pesquisadores do Departamento de Química da UFMG, uma das cerca de 80 atividades que integraram a programação do Dia da Ciência, celebrado neste sábado, 6 de julho, no Centro de Referência da Juventude, na região central de Belo Horizonte. Durante a atividade, as crianças aprenderam, bem de perto, que, com imaginação e técnica, o vidro pode ser transformado em qualquer coisa, como foi demonstrando o expositor, passo a passo.
O Dia da Ciência foi marcado pela diversidade do público e das atividades. A contadora Vanda Dalfiore levou os filhos Rafael, de cinco anos, e Gabriel, de nove. “Apesar de eu não ser da área, acho importante trazer as crianças para conhecer um pouco mais do universo da ciência. Elas ficaram bem interessadas”. Prova disso é que, enquanto a mãe dava entrevista, Rafael e Gabriel já saem correndo com o pai em busca da próxima atração. Querem ver os robôs, os insetos, e o que mais for possível.
Uma das atrações que mais chamaram a atenção do público foi o espaço destinado à matemática. O Museu da Matemática, o Programa de Educação Tutorial (PET) da Matemática e o projeto Visitas levaram ao Centro de Referência da Juventude jogos, desafios e labirintos que despertaram o interesse de crianças e adultos.
“Aqui eles podem ver que a matemática não é nenhum bicho de sete cabeças, você pode usar a lógica para se divertir”, explica o estudante Matheus Henrique Mendes Pereira, do sexto período. Matheus conta que participar de um evento como esse é também um aprendizado para ele: “Para nós, que somos estudantes, é uma experiência extracurricular, que nos tira da bolha acadêmica. É muito importante ter contato com esse público externo”.
A professora da Escola de Belas Artes da UFMG Laura Paola Ferreira levou o sobrinho Cauã, de 9 anos, e uma amiga de Vitória, no Espírito Santo, para o Dia da Ciência. Laura, na verdade, estava lá como uma das expositoras de um projeto da EBA que pretende estimular o aprendizado de artes e a discussão sobre identidades usando máscaras, mas deu um pulinho com Cauã no estande da matemática.
Ela acha que é importante conhecer também outras áreas da universidade e trazer pessoas de fora da academia para entender os trabalhos que são desenvolvidos lá dentro. “É uma forma de a sociedade conhecer a potência da pesquisa. A ciência e a tecnologia são muito importantes para o Brasil”.
Ela está em tudo
“Coitado do meu avô, ele tem um sítio assim”, afirmou uma criança ao ver uma maquete cheia de barbeiros e descobrir que eles transmitem doenças. Enquanto isso, outra criança se interessa por um caramujo que está em um aquário de vidro e se assusta quando descobre que o “bichinho” está vivo. Os dois casos podem parecer preocupações inocentes de crianças, mas são um exemplo de como a educação científica é importante e deve começar cedo.
Afinal, conhecer os transmissores de doenças, como se reproduzem e como contaminam os seres humanos é importante para prevenir doenças como o mal de Chagas e a esquistossomose. Para a mestranda da Fiocruz Amanda Domingues de Araújo, apresentações como essas são uma “questão de educação sanitária”. Por isso, foi com entusiasmo e disposição que ela tirou várias dúvidas do público sobre vermes, doenças e ciclos de transmissão.
Uma das participantes mais interessadas era a médica Jaisa Santana. Ela fez várias perguntas aos monitores e afirma que o Dia da Ciência contribuiu para sua formação dos pontos de vista pessoal e profissional: “Vi palestras sobre trânsito, política, beleza… Gostei principalmente da parte de parasitas. Nunca tinha visto esses seres ao vivo e não sabia muita coisa sobre o assunto. Aqui aprendi sobre profilaxia, formas de contágio”, disse.
Outro projeto que marcou presença no Dia da Ciência foi o Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (Prep). Uma sala foi instalada no Centro de Referência da Juventude para oferecer informação, exames, atendimento médico e psicossocial para a população jovem com foco na prevenção e controle da Aids.
O professor da Faculdade de Medicina da UFMG Unaí Tupinambás destaca que o projeto é voltado para um grupo da população que normalmente é invisível para o SUS: “São jovens, de 15 a 19 anos, homossexuais e trans que geralmente não têm acolhida adequada no Sistema Único de Saúde e não frequentam a unidade básica de saúde pelos mais diversos motivos. Nessa parcela da população, a prevalência da doença tem crescido 8% ao ano”, informou.
Paladares felizes
O Dia da Ciência também agradou a paladares. O Grupo de Estudos em Frutíferas Exóticas e Nativas do Instituto de Ciências Agrárias da UFMG trouxe de Montes Claros iguarias como suco de coquinho azedo, doce de buriti e licor de pequi. O público pôde degustar os sabores do Norte de Minas e aprender mais sobre essas espécies que atualmente estão ameaçadas de desaparecimento.
“Muitas pessoas desconhecem os sabores e até a existência das frutas do cerrado como a macaúba, o pequi e o coquinho azedo. O evento é uma forma de darmos um retorno do nosso trabalho para a sociedade. Ao mesmo tempo, os questionamentos do público, as sugestões que eles trazem, retroalimentam nosso trabalho. É uma via de mão dupla”, comemora o professor do ICA Paulo Sérgio Nascimento Lopes.
E por que em plena era da internet a gente fala que escrever em maiúsculas é escrever em caixa alta? Quem passou pelo estande da Escola de Design da Universidade Estadual de Minas Gerais (Uemg) pode deduzir a resposta ao ver com os próprios olhos as caixas com letras tipográficas que explicam a origem dessa expressão. A explicação é simples e remonta à primeira prensa tipográfica criada pelo alemão Gutemberg, no século 15: na caixa tipográfica, as letras grandes eram organizadas na parte de cima e as menores, nos compartimentos de baixo.
O professor da Uemg Cláudio Santos Rodrigues contou aos participantes outra coisa interessante: “Como a tipografia caiu em desuso, muita gente não sabe que as primeiras impressões brasileiras foram feitas aqui em Minas Gerais, em Ouro Preto e Mariana. Foi a Igreja que trouxe essa tecnologia para cá”, disse ele, que destacou o interesse do público durante o evento: “Eles fizeram muitas perguntas, principalmente as crianças.”
No Dia da Ciência, também dava para aferir a saúde dos músculos e das articulações. O Laboratório de Análise de Movimento da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG levou testes que ajudam a entender como corpo humano se comporta, seja a partir dos ângulos do tornozelo, da forma de pisar ou do equilíbrio. Quem passava por lá, saia com um relatório em mãos que podia, inclusive, indicar se aquela pessoa tinha a necessidade de procurar um fisioterapeuta.
Os estudantes Cleisson Botelho, de 20 anos, e Miriã Oliveira, de 19, passaram por lá e fizeram todos os testes. Para eles, tão importante quanto saber como estavam seus movimentos, foi conhecer um pouco mais da área em que pretendem ingressar profissionalmente. Miriã sonha em ser fisioterapeuta, enquanto Cleisson deve escolher Educação Física. “Gostamos muito dessa área que estuda o corpo humano. Foi bem legal fazer os testes e conhecer mais sobre esse universo”.
A família Costa também passou pelo espaço do LAM. O pai, José Geremias, a mãe Selma e o filho Samuel conversaram bastante com os monitores para esclarecer algumas dúvidas. Selma tem um problema na perna e usa um andador: “Achei tudo muito fantástico, a parte sobre os ácaros, por exemplo, me mostrou mais sobre esses seres pequenos que vivem nas nossas casas. Mas o que achei mais interessante foi essa parte da fisioterapia. Conversei com eles e vou procurá-los depois na Universidade, pois acho que podem ajudar no meu caso”, contou.
José Geremias ficou encantado com evento: “Acho esse universo da ciência um sonho. Antigamente, a gente não tinha acesso à ciência desse jeito, agora ela está muito mais acessível. Isso me comove”.
A assistente social boliviana Vilma Huanca, de 45 anos, que mora em Ibirité, na Região Metropolitana de BH, saiu cedo de casa para conhecer as atividades do Dia da Ciência: “Fiquei curiosa quando uma amiga me falou que ia ter um evento de ciência. Eu vi apresentações de química, vi um trabalho sobre mulheres cientistas, achei tudo muito interessante. Gosto também da área de agricultura, queria saber mais sobre os agrotóxicos”.
O analista de sistemas Hugo Assunção foi acompanhado da esposa e dos filhos. Eles saíram de uma festa junina diretamente para o Dia da Ciência: “As atividades interativas me chamaram muito a atenção. Meu menino gosta muito de engenharia, robótica e eletrônica, então eu o trouxe para conhecer esse universo mais de perto. Ele curtiu bastante os estandes com essa temática”, garantiu.
Ao alcance de todos
“Estou bastante satisfeito. Gostei de ver a diversidade do público, muitas famílias, jovens em grupos de amigos, pessoas de todas as faixas etárias”, avaliou o diretor de Divulgação Científica da UFMG, professor Yurij Castelfranchi. “Ao sair da nossa zona de conforto, dos lugares tradicionais da universidade, a nossa visibilidade muda e nosso alcance aumenta nos diversos grupos sociais. Tivemos aqui oficinas de robótica, blocos de percussão, quadrinhos, poemas… É uma série de atividades que mostra que a ciência tem tudo a ver com a gente”.
Ele afirma, no entanto, que a UFMG ainda irá analisar os dados de um questionário distribuído aos participantes para avaliar melhor a percepção do público sobre o evento. “No ano passado, a satisfação foi altíssima. Todo mundo adorou o Dia da Ciência. Por isso, neste ano, o evento foi ainda maior”, afirma.
Castelfranchi acrescenta: “É importante destacar que a divulgação científica é também um ato político. Ao mostrar o que a gente faz, ao mostrar o nosso entusiasmo, e o quanto a ciência tem a ver com a sociedade, nós mostramos a relevância da pesquisa neste momento em que as universidades e a escola pública são criticadas. É uma mensagem também para mostrar que o recurso da ciência não pode ser cortado”
O presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, também fez uma avaliação positiva do Dia da Ciência “A UFMG e as demais instituições mineiras trouxeram muita coisa interessante para o público. Muitos jovens participaram. Cada vez mais, temos que promover eventos como esse. Nosso momento político, econômico e social é muito difícil. Nesse contexto, valorizar a ciência e a universidade pública tem um impacto muito importante para o país e também individualmente, para a carreira dos jovens”, defendeu Moreira.
Ildeu Moreira acrescentou que as universidades e demais instituições de pesquisa precisam do apoio público da população. “Um país que quer ser soberano tem de apostar na ciência e na tecnologia. A China já teve um PIB do tamanho do Brasil e agora compete com os Estados Unidos pelo primeiro lugar porque apostou em educação e ciência. O Brasil está ficando para trás. Cortar recursos neste momento é um tiro no pé, uma catástrofe anunciada”.
O Dia da Ciência já foi realizado em Salvador, na Bahia, no dia 2 de julho, e tem atividades marcadas para este domingo em outras cidades brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Natal. Em agosto, as entidades científicas e as universidades farão um ato no Congresso Nacional para sensibilizar os parlamentares sobre a importância dos investimentos públicos na pesquisa brasileira.