A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Barbosa de Oliveira Santos, participou na manhã da última sexta-feira (10/02) de um encontro com representantes de sociedades científicas de São Paulo. Organizado pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), o evento teve como objetivo apresentar os projetos da Pasta ministerial para a reconstrução do setor após anos de desmonte e as prioridades do Governo Federal nos 100 primeiros dias de gestão.
Santos iniciou sua fala destacando a situação do País deixada pelo governo anterior, de Jair Bolsonaro. A ministra apontou o aumento no número de crianças que não conseguem ler ao concluir o ensino fundamental, que, segundo relatou, passou de 50% para 70% nos últimos três anos. Ela também destacou as 3 bilhões de doses de vacinas contra a covid-19 que foram perdidas por falhas na gestão, além dos 34 milhões de brasileiros que não receberam vacinas conta a covid, a poliomielite e o sarampo. “A ciência precisa voltar a ser foco do País”, afirmou.
Entre as medidas mais urgentes, afirmou que a prioridade é a recomposição orçamentária do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação), o que envolve também a recomposição integral dos recursos do FNDCT (Fundo Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico). “A nossa expectativa é que o governo envie um crédito suplementar para a aprovação do Congresso Nacional, para recuperar os R$ 4,2 bilhões do Fundo”, explicou.
A ministra também defendeu a renovação dos quadros técnicos dos institutos de pesquisa, com maior presença de pessoas capacitadas nos cargos de chefia. Para isso, reforçou dois nomes anunciados na última semana: a pesquisadora Márcia Barbosa, que será a Secretária de Políticas e Programas Estratégicos, e o ex-senador Inácio Arruda, que assumirá a Secretaria de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social.
Bolsas do CNPq e da Capes devem ter reajustes anunciados nesta semana
Uma das demandas mais urgentes que as sociedades científicas vêm trazendo aos gestores governamentais é o reajuste nos valores das bolsas oferecidas pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), que não ocorre há mais de 10 anos.
Para o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, apesar de ser evidente que o novo governo é extremamente democrático e aberto às demandas da sociedade, a situação de desmonte científico do País exige, de fato, maior agilidade:
“Estamos vendo com muito bons olhos a sua vinda ao governo, ministra. Entretanto, identificamos certo atraso com demandas já apontadas, como é o caso do reajuste nas bolsas de pesquisa, que estava previsto para a primeira quinzena de janeiro”, alertou.
Santos respondeu que o aumento das bolsas deve ser anunciado ainda na primeira quinzena de fevereiro. “A proposta dos reajustes já foi aprovada na Casa Civil, ou seja, internamente, e está aguardando a agenda do presidente Lula para ser sancionada. O próprio presidente é quem deseja fazer esse anúncio.”
Outro ponto questionado pelo presidente da SBPC foi sobre a composição de quadros técnicos de instituições do Ministério, como a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), que possuem vagas a serem preenchidas.
Santos alegou que novos nomes serão anunciados em breve e já existem pessoas selecionadas. “Estamos trabalhando na construção da equipe. Não anunciamos ainda, mas três vagas da Finep já têm os profissionais escolhidos”, justificou.
Ainda sobre a composição da equipe ministerial, Janine Ribeiro questionou a ministra sobre uma informação repassadas às sociedades científicas de que um cargo importante seria entregue a um partido político. A ministra confirmou que há indicações políticas, mas que o MCTI está avaliando o perfil da pessoa indicada.
Gestão será caracterizada por parcerias interministeriais
Para a ministra de CT&I, uma das principais características de sua gestão é o trabalho interministerial, ou seja, o contato direto com outros ministérios e seus respectivos órgãos, de modo a proporcionar a retomada da ciência no País. “Precisamos de políticas públicas integradas para transformar o conhecimento em riqueza”, afirmou.
Entre as ações está uma parceria com o Ministério da Saúde para a criação de um hub, uma empresa ou central tecnológica, destinada à produção de insumos farmacêuticos. Santos, inclusive, destacou que a dependência do País com tecnologias internacionais é um atraso ao seu desenvolvimento científico e tecnológico: “Estamos olhando indicadores para definirmos estratégias e objetivos que visam diminuir essa dependência brasileira.”
Além da parceria com o Ministério da Saúde, estão planejadas parcerias com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e com o BNDES, com o objetivo de viabilizar complexos industriais nas áreas da Saúde, Informação e Comunicação Digital, Energia, Alimentos e Defesa.
Alguns resultados dessas parcerias já serão vistos a curto prazo, como a criação de um grupo de trabalho juntamente à Petrobras para fomentar petróleo e gás, com foco na transição energética.
Outra iniciativa é a reabertura do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada, mais conhecido como Ceitec S.A, uma estatal vinculada ao MCTI. A Ceitec foi a única fabricante de semicondutores do País, como os chips usados em cartões de crédito e nas linhas de celulares. A empresa foi extinta em junho de 2021 pelo Governo Bolsonaro.
“A nova Ceitec se insere nessa agenda de reindustrialização. É inconcebível que a gente desmonte aquilo que é estratégico para o mundo e que está concentrado em pouquíssimos países”, defendeu a ministra.
Retorno dos projetos de cooperação internacional
Enquanto explicava sobre a agenda do presidente Lula, que influencia diretamente o calendário de anúncios do MCTI, a ministra Luciana Santos detalhou as viagens internacionais a serem realizadas nos próximos dias, visando os projetos científicos de cooperação internacional.
“Neste momento, estamos trabalhando na visita oficial que o presidente Lula fará à China no mês de março, quando devem ser anunciadas a construção e o lançamento dos satélites CBERS-6 e CBERS-5. Além disso, o Brasil e a China devem assinar importantes instrumentos de cooperação nesta área”, justificou Santos.
Outros acordos devem ser firmados em breve, como uma parceria com a Argentina, que busca retomar a construção do Reator Multipropósito Brasileiro, outra iniciativa dedicada à autonomia tecnológica do País.
Um sistema nacional de CT&I
Encerrando sua fala, a ministra afirmou que haverá o relançamento da Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), que visa debater com toda a comunidade científica e outros setores da sociedade as diretrizes para a construção do Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação – a 4ª última CNCTI foi realizada em 2010. Para isso, vai mobilizar a SBPC, as demais sociedades científicas, além de universidades e institutos de pesquisa.
“Quero renovar meu compromisso com o diálogo e a construção de uma agenda com a participação de todos os atores que compõem o nosso Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação”, concluiu.
O encontro da ministra com as sociedades científicas paulistanas ocorreu no Centro Universitário Maria Antonia, da Universidade de São Paulo (USP). O professor Carlos Gilberto Carlotti Junior, reitor da USP, reforçou a importância do espaço no desenvolvimento científico da cidade e afirmou que as entidades da região estão disponíveis para auxiliar o Governo Federal:
“Existe um sentimento muito bom em relação à sua entrada no Governo Federal, ministra. A USP se coloca à disposição para interagir com o Ministério e auxiliar no que for preciso”, pontuou.
A presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Helena Nader, participou do evento e saudou a primeira ministra na pasta da CT&I, ressaltando a importância de incentivar a maior participação das mulheres nos cargos de liderança das instituições científicas do País. “Precisamos reconhecer mais as meninas e meninas cientistas”, disse.
O evento também contou com a presença de demais entidades, como a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), o Confap (Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa) e a ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos), entre outras organizações e representantes da academia.
Leia o discurso da ministra na íntegra: A retomada do diálogo com a comunidade científica brasileira
Rafael Revadam – Jornal da Ciência