Anúncios recentes de que o programa de monitoramento do Cerrado brasileiro estaria com recursos garantidos até abril de 2022 levantaram um alerta entre cientistas e ambientalistas. Aliados ao corte de 35,1 milhões de reais no valor previsto para o Ministério do Meio Ambiente, anunciado essa semana, podem comprometer o monitoramento de um dos biomas mais importantes do país: o cerrado. Não só do ponto de vista ambiental e social, mas também da economia, já que a agricultura do cerrado é uma atividade econômica com forte peso na balança comercial brasileira.
O alerta é de pesquisadores e especialistas reunidos no webinário “O monitoramento ambiental do Cerrado brasileiro”. Realizado nesta quarta-feira (26/1) pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o encontro virtual foi moderado pelo vice-presidente da SBPC, Paulo Artaxo, e contou com participação de Cláudio Almeida, coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia e demais Biomas Brasileiros do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE); Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas; Ane Alencar, pesquisadora do IPAM e do MapBiomas e a ecóloga Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB).
Segundo maior bioma do Brasil e da América do Sul, ocupando 22% do território nacional e se estendendo por doze estados, o cerrado tem implicações nas três maiores bacias hidrográficas do continente sul americano (Amazônia/Tocantins, São Francisco e Prata) e uma enorme biodiversidade de plantas e animais, alguns endêmicos, ou seja, que só ocorrem nessa região.
Em sua apresentação, Claudio Almeida destacou que, do lado econômico, 45% da superfície agrícola brasileira está dentro do cerrado, incluindo 35% do rebanho, e a maior parte das commodities agrícolas é produzida em território nacional.
“Monitorar esse espaço é mais que necessário, é estratégico para o país que não pode abrir mão de conhecer a região e acompanhar o que acontece muito de perto”, afirmou o pesquisador do INPE.
E, apesar de sua relevância, o cerrado é um dos ecossistemas mais impactados pelas mudanças do uso do solo brasileiro, lembrou Paulo Artaxo. Segundo Almeida, até 2021 o cerrado já havia perdido quase um milhão de quilômetros quadrados por desmatamento – o equivalente a 54% da área da vegetação original – a um ritmo de oito mil quilômetros quadrados suprimidos por ano. “É um percentual de desmatamento mais significativo que o registrado na Amazônia”, comparou.
Tasso Azevedo e Ane Alencar falaram do MapBiomas, uma plataforma de monitoramento colaborativo das mudanças de uso da terra. Ane Alencar relatou que, com base no Mapbiomas, foi possível observar um expressivo avanço da agricultura nos últimos anos, o que causou grande perda da cobertura vegetal nativa. Segundo ela, das áreas protegidas do cerrado, metade está nas áreas de conservação e terras indígenas. “Não falta alerta, mas falta ação”, completou Azevedo, referindo-se à redução das estruturas governamentais de fiscalização e controle do desmatamento.
Mercedes Bustamante acrescentou que, além da biodiversidade de plantas e animais e da importância para a agricultura e a economia do país, o cerrado abriga uma ampla diversidade social, com 636 comunidades tradicionais (quilombolas, agroextrativistas, pesqueiras) espalhadas por 108 municípios. “É importante olhar para esses territórios e considerar o monitoramento na possibilidade de atender as demandas desses grupos que hoje estão em condições de maior vulnerabilidade social”, disse a ecóloga.
Bustamante reiterou os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na conferência do clima (COP-26) frente aos grandes desafios globais – equilíbrio entre conservação, produção de alimentos e demandas de uso de água e energia. Ela lembrou que, na questão agrícola, há uma via de mão dupla: “Temos na agricultura, na conversão para agropecuária e nas queimadas uma fonte importante de gases de efeito estufa e, por outro lado, a mudança do clima tem impacto direto na temperatura e disponibilidade de água no cerrado, que são determinantes para o sucesso da agricultura e da pecuária”.
E concluiu: “A sustentabilidade no cerrado hoje não é mais uma opção, mas um imperativo se quisermos enfrentar esse contexto de mudanças climáticas nas próximas décadas”.
Jornal da Ciência