Por que o céu é azul? Qual a origem da vida? Onde o sangue é produzido? Por que o oceano é importante? Perguntas movem o conhecimento. Logo, o progresso da humanidade é, em grande parte, pautado por dúvidas e descobertas. E mesmo que homens e mulheres tenham sede de conhecimento, a maioria das perguntas nem sempre foi formulada ou respondida por qualquer pessoa. Basta refletir quais ou quantas mulheres ganharam o imaginário das pessoas como Albert Einstein e Galileu Galilei, grandes cientistas. São inúmeras as mulheres descobridoras ofuscadas, como a paleontóloga Mary Anning ou a geneticista Nettie Stevens. E mesmo Marie Curie, premiada duas vezes com o Prêmio Nobel, ainda continua desconhecida por muitos!
É crescente o discurso sobre a necessidade de inserir mais mulheres e meninas na ciência, em especial a ciência oceânica, mas pouco se esclarece o principal motivo para isso. A diversidade de gênero aliada à maior pluralidade de formação e experiências gera multiplicidade e criatividade na proposição de perguntas e na solução inovadora de problemas, resultando em maior produtividade dentro e fora da Universidade. Essa diversidade contribui para a inteligência coletiva de um grupo de pesquisa e fornece novos contextos para a compreensão da relevância social da própria pesquisa. Em outras palavras, na fórmula do desenvolvimento, inovação e sucesso na ciência, a diversidade de gênero é elemento fundamental.
Contra diferentes estereótipos e a fim de encontrar respostas para qualquer incógnita em torno do Planeta e do Universo, “Maries” têm ocupado diferentes espaços – para além do ambiente familiar. E se em um passado recente mulheres eram impedidas de estudar, votar ou mesmo trabalhar fora de casa, hoje elas podem explorar as estrelas, vislumbrar através de microscópios, compreender linhas de programação, atingir o espaço ou as maiores profundidades do oceano.
“Maries” são movidas por curiosidade, imaginação e inteligência, além de muita persistência, autoconfiança e amor. Mas também dependem do estímulo da igualdade de gênero e do fortalecimento das mulheres nas áreas científicas – necessidades hoje impostas pela sociedade e por organizações internacionais e nacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), o Global Research Council e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
No Brasil, as mulheres cientistas correspondem a cerca de 40 a 50% (no contexto mundial, elas representam cerca de 30%, podendo variar com o país e a área científica), com destaque para maior atuação em áreas como Biologia e Medicina. Essa aparente equidade de gênero na ciência brasileira mascara a realidade ainda desigual se considerarmos as diferentes áreas do conhecimento, o avanço na carreira e a ocupação das posições de liderança. Por exemplo, nas Ciências Exatas e da Terra e Engenharias, o desequilíbrio é evidenciado ainda na graduação e se mantém no doutorado, onde a participação feminina oscila em média entre 20 e 30%. Na Academia Brasileira de Ciências (ABC), uma das mais antigas associações de cientistas no País, dos atuais 563 cientistas titulares, apenas 95 são mulheres.
No universo uspiano, as mulheres graduandas e pós-graduandas superam os homens (> 50%), mas quando passam a docentes ou atingem cargos de gestão (chefias, diretorias, coordenações) correspondem a 39% e 27% do total, respectivamente. Esses números decrescem drasticamente quando se trata do cargo mais alto da Universidade, no qual as mulheres representam 0,28% do total, já que apenas uma ocupou a Reitoria na história da USP.
E se engana quem acha que os desafios são apenas em áreas que envolvem números, como os cursos de computação. A Oceanografia exige um mergulho duplo pelas mulheres, pois envolve algumas peculiaridades como a atividade embarcada, na qual historicamente sempre houve a predominância de homens. Para se ter uma ideia, somente a partir da década de 60 a participação feminina em expedições científicas para coleta de dados passou a ser liberada. Nessa mesma década, Marta Vannucci (professora aposentada da USP), uma das precursoras da Oceanografia no País e a primeira mulher a se tornar membro titular da ABC, ocuparia o cargo de diretoria no IO-USP. No futuro, Marta expôs que conciliar a vida de esposa, mãe e cientista era uma realidade difícil.
Atualmente, na área da Oceanografia, o público feminino representa 38% dos cientistas no mundo. Dentre os alunos de graduação no País, observa-se uma mudança gradual, em que um curso predominantemente masculino foi, aos poucos, atraindo mais mulheres, contando hoje com cerca de 60% dos ingressantes em Oceanografia na USP. Em 2020, Kathy Sullivan, uma ex-astronauta da Nasa foi a primeira pessoa a conhecer as duas grandes fronteiras: as profundezas do oceano e a imensidão do espaço, mostrando que as mulheres podem e devem explorar o que quiserem.
A fim de incentivar e alavancar a inserção de meninas e a retenção de mulheres na ciência, há inúmeras iniciativas e projetos que foram implementados nos últimos anos no Brasil, como, por exemplo: Astrominas (IAG-USP), Maré de Ciência (Unifesp), Meninas com Ciência (UFRJ) Parent in Science (UFRGS), Liga de Iniciação de Mulheres na Ciência (IEMA), Liga das Mulheres pelo Oceano, Bate-Papo com Netuno, além de muitos outros com grande adesão, empatia e sucesso. Uma dessas iniciativas, o Mergulho na Ciência USP (IO-USP), é um trabalho de formiguinha que traz meninas do ensino fundamental para vivenciar a experiência de estar em uma universidade e conhecer dezenas de temas das áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (da sigla em inglês, STEM). Este projeto, coordenado pela professora Camila Negrão Signori, teve o reconhecimento do Programa HeforShe da ONU, ao ser inserido no Impact Report de 2019 como uma das ações de sucesso para combater a desigualdade de gênero.
Aliando-se às iniciativas das universidades, ações igualmente importantes surgem na esfera de sociedades, organizações e agências de fomento à pesquisa. Além de mesas-redondas e palestras, em 2020 houve dois eventos focados nas mulheres cientistas brasileiras, o 1o Simpósio Brasileiro Mulheres em STEM, organizado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), e o 1o Encontro da Pós-Graduação da USP: Elas fazem ciência.
Premiações dedicadas exclusivamente às mulheres, como o Prêmio para Mulheres Brasileiras em Química (da Sociedade Brasileira de Química, Fapesp e empresas) e o Prêmio Caroline Bori Ciência e Mulher (da SBPC), além do tímido aumento de mulheres vencedoras do Prêmio Nobel, com apenas 6% do total de premiados, são iniciativas relevantes para destacar, inspirar e reconhecer a atuação das cientistas.
A criação de editais de fomento à pesquisa e de portarias que regem a Universidade, respectivamente, visando ao desenvolvimento de projetos com liderança feminina e à melhoria das condições de trabalho da mulher pesquisadora e professora são outras importantes estratégias que vêm sendo aos poucos implementadas. Além disso, foi estabelecida uma data oficial (11 de fevereiro) que celebre as mulheres e meninas na ciência, nacional e internacionalmente, assim como a criação da ONU Mulheres na esfera global em 2010 e do Escritório USP Mulheres em 2016, com o objetivo de propor e apoiar iniciativas e projetos voltados à igualdade de gênero.
No âmbito cultural, as iniciativas que contemplam a inserção de exemplos femininos na ciência, como a publicação de livros por grandes editoras, a realização de peças de teatro que mostram a trajetória de mulheres cientistas (Cia. Delas de Teatro) e a criação de personagens cientistas no contexto do Donas da Rua (da famosa Turma da Mônica), alcançam uma outra dimensão, ao mexer com o imaginário de crianças e famílias brasileiras e extrapolar totalmente os muros das universidades.
Sobretudo, a inserção bem-sucedida das mulheres e meninas na ciência é alicerçada pelo apoio e respeito de homens (e mulheres!) em qualquer ambiente, como escolar, universitário e familiar. Afinal, a ciência e todo o universo fascinante que a permeia, como os mistérios do oceano, podem e devem ser desvendados por quem desejar, acreditar e se dedicar.