O Brasil é um país rico em sociobiodiversidade. Além dos povos indígenas, são registrados 27 povos e comunidades tradicionais no País. Essa diversidade, porém, ainda enfrenta uma série de lutas e desafios para ter sua existência, seus direitos e seus saberes reconhecidos.
Esse foi o tema da mesa-redonda “Políticas de promoção de igualdade para pessoas negras, indígenas e quilombolas”, realizada nessa segunda-feira, durante a 75ª Reunião Anual (RA) da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A reunião, considerada o maior evento científico da América Latina, acontece de 23 a 29 de julho na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
É fundamental refletir sobre o desafio de valorizar esses povos, as causas da dificuldade dessa valorização e as consequências de sua depreciação. “Pensar numa sociedade com a diversidade que a nossa tem deve ser um exercício público, e o Estado deve assumir e respeitar essa diversidade”, afirmou a educadora e quilombola Givãnia Maria da Silva, fundadora e coordenadora do coletivo nacional de educação da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ).
A abordagem da temática da valorização dos Povos e Comunidades Tradicionais permite também refletir sobre a inserção dessas pessoas nos espaços de produção de conhecimento, como as universidades, atuando na produção científica. “Não dá para pensar em um país cientificamente desenvolvido sem pensar no sujeito e sem considerar os saberes desses sujeitos”, pontuou Iraneide Soares da Silva, professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Cultura e Sociedade da Universidade Estadual do Piauí (UESPI) e presidente da Associação Brasileira de Pesquisadorxs Negrxs (ABPN).
Para isso, os programas de ação afirmativa são cruciais. Paulo Vinicius Baptista da Silva, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) e do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que coordenou a mesa, citou o Encontro Nacional dos Grupos do Programa de Educação Tutorial (ENAPET), que ficou ativo de 1999 até 2010, e o Programa de Bolsas da Fundação Ford, que ofertou bolsas de pós-graduação para candidatos pretos, pardos e indígenas. “Esses programas foram responsáveis por formar as pessoas que começaram a orientar na pós-graduação. Então, quando a gente olha hoje para esses programas, eles foram determinantes para que essas pessoas ocupassem esses espaços”, destacou.
Os mecanismos legislativos são essenciais para que os direitos estabelecidos a esses grupos sejam compreendidos como bases de promoção de políticas públicas em prol das comunidades tradicionais. “Em termos de legislação, nós temos um arcabouço jurídico bastante robusto que, se aplicado, daria conta de lidar com uma série de processos históricos mal-acabados”, afirmou Iraneide da Silva. Ela destacou que a Constituição Brasileira, no seu artigo quinto, dispõe que todas as pessoas são iguais perante a lei, mas também apontou os desafios colocados. “Quando a própria Constituição diz isso, ela está afirmando que vivemos um cenário onde a discriminação ainda é um fator existente”.
Givãnia da Silva concordou que o problema não é a legislação, citando como exemplos o artigo 215 da Constituição de 1988, que assegura a proteção às manifestações culturais indígenas, afro-brasileiras e dos Povos e Comunidades Tradicionais; o Decreto n. 6.177 de 2007, que estabelece a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais, destacando a importância dos conhecimentos tradicionais e sua contribuição para o desenvolvimento sustentável; e Estatuto da Igualdade Racial, instituído pela Lei 12.288 de 2010, destinado a garantir a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação por critérios étnico-raciais. “Não falta legislação no Brasil, o que falta é que a gente faça políticas de promoção da igualdade racial realmente rompendo as estruturas do racismo”, enfatizou.
Segundo Iraneide da Silva, não é possível pensar a política no Brasil sem considerar o sujeito na sua diversidade. “Nós somos um país multirracial e multiétnico, não dá para pensar o país e sua política, não dá para pensar a eliminação da desigualdade, sem perceber exatamente essa pluralidade”, afirma. A pesquisadora pontuou que pessoas pretas ou pardas representavam mais de 70% dos pobres e extremamente pobres no Brasil em 2021, segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Aí a própria democracia é posta em xeque. Não dá para falar em estado democrático em um país extremamente desigual”.
Assista ao evento na íntegra:
https://www.youtube.com/watch?v=E64rjW9zDic
Chris Bueno, especial para o Jornal da Ciência