
Ondas de calor extremo, inundações, secas prolongadas e tempestades violentas estão deixando de ser eventos esporádicos para se tornarem parte da nova realidade imposta pelas mudanças climáticas. E os impactos não se restringem ao meio ambiente: a saúde humana está no centro dessa crise. Esse foi o alerta feito por especialistas durante a mesa-redonda “Saúde e Mudanças Climáticas”, realizada nesta segunda-feira (14/7) na 77ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
A mesa foi coordenada por Marimélia Porcinatto, professora do Departamento de Bioquímica da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e diretora da SBPC, e contou com a participação de Sandra Hacon, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz) e integrante da parceria Fiocruz-Opas/OMS do Centro Colaborador em Saúde Pública e Ambiental da Organização Pan-Americana da Saúde/ Organização Mundial da Saúde; Nelzair Araujo Vianna, pesquisadora em Saúde Pública Fundação Oswaldo Cruz/BA e coordenadora da Câmara Temática de saúde no Painel Salvador de Mudança do Clima; e Silvia Regina Batistizzo de Medeiros, professora dos Programas de Pós-graduação em Bioquímica (UFRN) e RENORBIO (multi-institucional) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Vulnerabilidade e desigualdade social
As mudanças no clima agravam problemas já existentes e criam novas ameaças. O aumento da temperatura e a piora da qualidade do ar elevam os casos de doenças respiratórias e cardiovasculares, como asma e DPOC. Eventos extremos — como enchentes e queimadas — estão associados a ferimentos, mortes e deslocamentos populacionais, além de contribuírem para surtos de doenças infecciosas transmitidas por água contaminada ou vetores como o mosquito Aedes aegypti, vetor da dengue, Zika e chikungunya.
Alterações nos padrões de chuva e longos períodos de seca também comprometem a produção de alimentos e o abastecimento de água, gerando insegurança alimentar e desnutrição. Os efeitos indiretos atingem ainda a saúde mental: ansiedade, depressão e estresse relacionados a desastres naturais e à incerteza do futuro vêm crescendo, especialmente entre os mais jovens.
As populações mais vulneráveis estão entre as mais afetadas. Segundo Sandra Hacon, mulheres, crianças e idosos enfrentam riscos ampliados, agravados por desigualdades sociais. “Não podemos esquecer que as desigualdades têm um enorme impacto associado às mudanças climáticas. Se não enfrentarmos a pobreza e a inequidade de gênero, não conseguiremos superar os desafios do clima”, defendeu. Para ela, a perda de biodiversidade também deve ser encarada como um fator de risco sanitário: “A degradação ambiental está intimamente relacionada à propagação de patógenos. Precisamos de uma vigilância ativa contra futuras pandemias”.
Clima, tecnologia e desequilíbrios ecológicos
A crise climática não é apenas ambiental: é também um fenômeno social e econômico, segundo Nelzair Araujo Vianna. Ela aponta que o modelo de desenvolvimento atual — baseado em crescimento demográfico acelerado, uso intensivo de tecnologia e padrões de consumo insustentáveis — exerce enorme pressão sobre os ecossistemas. “O planeta está sob intensa pressão. Esse desequilíbrio ecológico leva a problemas de saúde física e mental. É preciso repensar nossos modos de vida”, afirmou.
Outro ponto destacado foi o impacto da poluição atmosférica. A professora Silvia Regina Batistizzo de Medeiros, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), apresentou dados preocupantes de sua pesquisa com o reteno, um composto tóxico presente na fumaça de queimadas. Mesmo em níveis abaixo do limite recomendado pela OMS, o poluente foi capaz de causar estresse oxidativo e alterações no DNA de células pulmonares humanas em laboratório. Em apenas 72 horas de exposição, mais de 30% das células morriam ou paravam de se dividir. “Fazer ciência é um ato de resistência”, afirmou Medeiros. “Só conseguimos minimizar os danos se compreendermos os processos por trás deles.”
A necessidade de uma resposta sistêmica foi consenso entre os participantes. As medidas recomendadas vão desde a mitigação das emissões de gases de efeito estufa até a adaptação dos sistemas de saúde e o aprimoramento da vigilância epidemiológica. É fundamental preparar os profissionais e as instituições para lidar com o aumento da complexidade e da demanda causadas pelas mudanças climáticas.
Para Marimélia Porcinatto, essa preparação começa pela formação acadêmica. “Ainda não ensinamos a relação entre mudanças climáticas e saúde. É urgente que esse tema seja incluído desde a graduação, para que os futuros profissionais desenvolvam esse olhar crítico desde o início”, destacou ao encerrar a mesa.
Você pode assistir à Sessão Solene de Abertura aqui:
https://www.youtube.com/watch?v=lDW9rL8bLlI&list=PLVigrCJ_g6LdHBwjMngJUExmnJrPSibUv&index=12&t=2444s
A 77ª Reunião Anual da SBPC está sendo realizada ao longo desta semana, até sábado, 19 de julho, no campus Dois Irmãos, da UFRPE. São mais de 200 atividades totalmente gratuitas e abertas a todo o público, entre conferências, mesas-redondas, exposições e atrações científicas interativas para todas as idades. Confira a programação neste link e participe!
APOIADORES:
A 77ª Reunião Anual da SBPC é uma realização da UFRPE e da SBPC, que tem como sócios institucionais:
* Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ)
* Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)
* Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
* Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação de Maricá (ICTIM)
PATROCÍNIO:
* Banco do Nordeste (BNB)
* Baterias Moura
* Complexo Industrial Portuário Governador Eraldo Gueiros (SUAPE)
* Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)
* Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE)
* Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP)
* Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE)
Chris Bueno – Jornal da Ciência