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Dando início à semana em que a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) sedia a Reunião Regional da SBPC (de 19 a 21 de fevereiro), a secretária-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e coordenadora geral do evento, Claudia Linhares Sales, ministrou a aula magna da pós-graduação campus de Goiabeiras, em Vitória, com o tema “Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento nacional: onde estamos?”. Sua fala foi seguida por um debate do qual participaram Celso Alberto Saibel Santos, diretor técnico-científico da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes), e Vinícius Soares, presidente da Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG). O reitor da Ufes, Eustáquio Vinícius Ribeiro de Castro, também esteve presente na sessão.
Em sua apresentação aos estudantes da Ufes, Linhares Sales traçou um panorama histórico da ciência brasileira, desde os primeiros registros de observações astronômicas feitas pelos indígenas na região do Maranhão pré-descobrimento, passando pela chegada dos holandeses no século XVII e a criação do primeiro observatório astronômico do país, em Recife, a chegada da família real no século XIX, até a fundação de uma série de instituições, como a Biblioteca Nacional, a Academia Real Militar, o Jardim Botânico, o Observatório Nacional, o Colégio Pedro II, Escola da Farmácia de Ouro Preto, Associação Philomática, no Pará.
Citando cientistas que colabaram para a estruturação e o desenvolvimento do conhecimento científico brasileiro – José Bonifácio, Otto de Alencar, Henrique Morize , Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Cesar Lattes, Mauricio e Marilia Peixoto -, a professora também lembrou célebres colaborações internacionais, como o naturalista Fritz Muller, em Santa Catarina, e sua parceria com Charles Darwin; ou a observação do eclipse solar em Sobral, em 1919, onde uma expedição britânica registou imagens do fenômeno que comprovaram a Teoria da Relatividade Geral de Einstein.
Chegando ao século XX, Linhares Sales falou sobre o processo de institucionalização da ciência brasileira, na esteira da transformação global no pós-segunda guerra mundial, período da “Big Science”, e no qual a fundação da SBPC, em 1948, foi um marco. Seguiu-se então a criação das principais agências de fomento, Capes e CNPq, os institutos de Matemática e de Pesquisas Amazônicas (Impa e Inpa), até a Fapesp, na década de 1960 e a interiorização das fundações de amparo, culminando com a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (hoje, MCTI), em 1985.
“Somos novos, ainda estamos aprendendo a trilhar os caminhos, mas temos que aprender de acordo com nossa realidade. Não temos nem um século dessa ciência sistematizada”, observou.
Em sua fala, Linhares Sales enfatizou a importância da SBPC para o desenvolvimento da ciência brasileira e o papel da entidade como protagonista na defesa da democracia e da valorização do conhecimento científico no país. “A SBPC teve um papel fundamental durante a ditadura militar, sendo um dos raros espaços de expressão e resistência da comunidade acadêmica. Também foi determinante no período da redemocratização, participando ativamente da Constituinte de 1988 para garantir a inclusão de um capítulo sobre ciência na Constituição Federal, entre outras sugestões”, destacou.
Linhares Sales também mencionou os desafios atuais da ciência brasileira, como o orçamento reduzido para pesquisa e desenvolvimento, a necessidade de uma estratégia nacional clara para a ciência, tecnologia e inovação (CT&I) e a urgência de investimento na formação e fixação de pesquisadores no país. “Não há nação desenvolvida sem uma ciência forte. O Brasil precisa definir prioridades e garantir investimentos contínuos”, afirmou. Ela também mencionou a 5ª Conferência Nacional de CT&I, realizada em agosto de 2024, e a necessidade de transformar suas diretrizes em políticas concretas. “O Livro Violeta, resultado dessa conferência e que está para ser divulgado, precisa ser uma base sólida para construção de uma estratégia nacional coerente.”
Ciência e Inovação: desafios e perspectivas
Ao destacar os avanços da UFES na pós-graduação, o reitor Eustáquio Vinícius Ribeiro de Castro enfatizou a busca constante de aproximar o conhecimento produzido na universidade das necessidades da sociedade. “Ciência nós já fazemos há muito tempo no país, mas o modelo adotado não era o mais adequado. Agora, estamos investindo mais em inovação, pois um país pobre como o nosso precisa alinhar a produção acadêmica com as demandas da sociedade”, ressaltou.
A pró-reitora de Planejamento e Desenvolvimento Institucional da UFES e conselheira da SBPC, Cristina Engel de Alvarez, reforçou a importância de transformações nos programas de pós-graduação para atender melhor às novas exigências acadêmicas e sociais.
Celso Alberto Saibel Santos, da Fapes, ressaltou a importância de um sistema de financiamento científico estável e previsível para garantir a adaptação da pesquisa às transformações aceleradas do mundo contemporâneo. “Não estamos totalmente preparados para como as coisas vão ficar daqui para frente. Precisamos montar modelos eficientes e úteis, baseados em dados confiáveis. Quando trabalhamos com desinformação, acontece exatamente o contrário: partimos de premissas falsas que beneficiam apenas uma minoria”, afirmou. Ele também mencionou que as bolsas da Fapes estão atualmente com valores superiores aos das bolsas do CNPq e Capes, num esforço da Fundação de estimular a permanência de pesquisadores no estado.
Mobilização política pela ciência
Durante o debate, Vinícius Soares, da ANPG, fez um apelo para que a comunidade acadêmica se mobilize politicamente em defesa da ciência e da educação. “O cientista brasileiro é, antes de tudo, um forte. Apesar de todas as dificuldades, continuamos produzindo ciência de alta qualidade. Mas precisamos de condições estruturais para desenvolver nosso potencial”, afirmou. Ele também convocou os participantes para o “Mutirão da Pós”, uma mobilização que ocorrerá nesta terça-feira, 18 de fevereiro, para pressionar o Congresso Nacional por mais recursos para a Capes e o CNPq.
A Reunião Regional da SBPC no Espírito Santo acontece de 19 a 21 de fevereiro, no campus de Goiabeiras da Ufes, em Vitória. Com o tema “Clima e Oceano: a urgência de construir um futuro sustentável”, o evento reunirá especialistas, pesquisadores, professores e o público em geral para discutir a crise climática e a gestão responsável dos oceanos além de contar com uma série de atividades científicas “mão na massa” para crianças, jovens e adultos. Todas as atividades são gratuitas e abertas ao público. Confira a programação completa no site do evento: https://rr.sbpcnet.org.br/espiritosanto.
Daniela Klebis, Jornal da Ciência