É chocante que, no novo governo – de direita – formado na França após as eleições antecipadas de junho/julho, o Ministério do Ensino Superior e Pesquisa tenha sido entregue a um político negacionista. Sim, embora o deputado Patrick Hetzel tenha um doutorado (em ciências da gestão), ele se manifestou, durante a pandemia, mais precisamente em 2 de abril de 2020, numa carta aberta ao Presidente Macron, em favor da hidroxocloroquina e do zinco no tratamento da covid-19. Além disso, questionou a política de vacinação de seu País.
A SBPC costuma se concentrar na discussão da política científica brasileira, mas eu não posso deixar de me preocupar com o rebaixamento do valor atribuído à ciência em outros países. Vivemos aqui, no passado quadriênio presidencial, uma ofensiva do Governo Federal – em especial, mas não só, do Ministério da Saúde – contra a vacinação e a ciência, o que custou a vida de centenas de milhares de pessoas, para além da média mundial. Denunciamos vezes sem conta o negacionismo, que não é mera questão de opinião, é tema de vida ou morte (mais morte, na verdade) para multidões. Por isso mesmo que é preocupante que um país que foi chave no avanço do ensino superior e da pesquisa desde o século XVIII agora tenha, na direção das políticas científicas, alguém que é contrário a questões fundamentais da ciência.
Esta preocupação aumenta ainda mais, dada a pouca reação – pelo menos por enquanto – da mídia francesa a esse descaso ou mesmo provocação à ciência e à comunidade acadêmica. O Brasil passou por isso e nossa comunidade, apesar de ser menor que a francesa, se manifestou com veemência, ao longo de quatro anos, em favor da ciência e da educação superior de qualidade. O que ora percebemos é que o problema não é apenas brasileiro, mas mundial. Exige, de todos nós, coragem e veemência.
Renato Janine Ribeiro, ex-bolsista do governo francês, ex-aluno e ex-presidente da Aliança Francesa de S. Paulo, presidente da SBPC