Em 2025, a comunidade científica comemora os 100 anos da publicação do artigo de Werner Heisenberg que marcou o nascimento da mecânica quântica moderna. Desde então, essa teoria — que descreve o comportamento da matéria e da radiação em escalas atômicas e subatômicas — é considerada por muitos físicos e físicas como a mais bem-sucedida da história da ciência. Para nomes como Steven Weinberg, a mecânica quântica representa o maior avanço desde Newton. Apesar disso, sua recepção nem sempre foi simples, especialmente fora dos grandes centros europeus e norte-americanos. No Brasil, por exemplo, o físico austríaco Francisco Xavier Roser já apontava em 1946 a dificuldade em explicar os fenômenos quânticos, mesmo sendo possível calculá-los com precisão. Isso é o que discute artigo da nova edição da revista Ciência & Cultura, que tem como tema o Ano Internacional da Ciência e Tecnologias Quânticas.
A mecânica quântica permite prever com grande precisão os resultados de inúmeros experimentos. No entanto, muitos físicos ainda se inquietam com o fato de que, apesar dos cálculos funcionarem, os significados físicos por trás da teoria continuam sendo objeto de debate. Já nos anos 1920 e 1930, cientistas como Einstein e Schrödinger questionavam a natureza probabilística da teoria e sua relação com uma visão de mundo mais determinista. Para eles, e para outros físicos menos conhecidos, a mecânica quântica parecia ser um castelo construído sobre “areia movediça”: uma estrutura funcional, mas de fundamentos conceituais instáveis. “Para a grande maioria dos físicos e físicas, a mecânica quântica é uma teoria fundamental, permitindo a descrição matemática precisa e acurada de uma enorme quantidade de fenômenos atômicos e subatômicos”, pontuam Antonio Augusto Passos Videira, professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Rafael Velloso, doutor em filosofia pela (UERJ).
Essa pergunta ainda ressoa, mesmo um século depois. Em artigo recente, o físico norte-americano Sean Carroll compara a mecânica quântica a um castelo belo, mas cuja base pode ser incerta. Ele se admira da rapidez com que a comunidade científica aceitou essa teoria, mas reconhece que sua estrutura foi, em grande parte, construída por tentativa e erro. O sentimento de que a mecânica quântica, apesar de seus sucessos, carece de um significado profundo é compartilhado por diversos cientistas, antigos e contemporâneos, que ainda buscam uma resposta satisfatória para o que, de fato, a teoria descreve.
Mesmo autores como Hans Thirring, que ainda alimentavam esperanças de retorno à física clássica, viam com desconforto o rumo tomado pela nova teoria. A substituição de uma física baseada em campos e leis bem definidas por outra que trabalha com probabilidades e funções matemáticas abstratas foi sentida por muitos como uma perda de sentido. Para figuras como Einstein e Goudsmit, a ausência de um “significado físico” para as equações era inaceitável — por mais que os resultados experimentais fossem corretos. A crítica principal é que a teoria explica “como”, mas não “por quê”.
Cem anos depois, a mecânica quântica está por trás de inovações tecnológicas que vão dos lasers aos computadores quânticos. Ainda assim, permanece sem um consenso sobre seu real significado. A pergunta “o que a teoria quântica realmente significa?” continua aberta. Para alguns, talvez não seja mais necessário respondê-la — o uso prático da teoria em diversas tecnologias seria suficiente. Para outros, especialmente os que valorizam o entendimento conceitual da ciência, essa lacuna é um incômodo que ainda precisa ser enfrentado. A mecânica quântica, portanto, continua a fascinar não apenas por seus feitos, mas também por seus mistérios. “Por fim, passados 100 anos desde a construção da mecânica quântica e 63 anos desde a citação acima, cabe-nos refletir sobre os rumos que a teoria quântica tomou nesse período”, afirmam os autores.
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