Da jararaca ao controle da hipertensão
A SBPC homenageou o médico e farmacologista Sério Henrique Ferreira, falecido em 17 de julho de 2016. Presidente da SBPC entre 1995 e 1999 e presidente de honra da entidade, Ferreira era um exemplo da tenacidade do cientista brasileiro, como rememorou sua colega de jornada e ex-aluna, a farmacóloga Regina Pekelmann Markus. “Foi pesquisando a jararaca, a nossa jararaca, que o Sérgio extrai algo que nem os seus professores entendiam direito e daí fez uma tese de doutorado”, lembrou. Esse “algo”, uma mistura de peptídeos, foi o vetor da descoberta do “fator de potencialização da braticinina”, princípio para a elaboração de fármacos de controle da hipertensão.
Sua descoberta trouxe renome internacional com o medicamento Captopril, “que muitos aqui na plateia devem usar”, brincou Regina. Os trabalhos de Sérgio Ferreira junto com Sir John R. Vane no estudo do mecanismo de ação da aspirina foram reconhecidos com o Nobel de Medicina em 1982. Para a professora da Universidade de São Paulo (USP), lembrar a dedicação de Ferreira à pesquisa científica é importante para o próprio ambiente científico, que precisa de pesquisadores com a mesma sede de conhecimento do finado professor. “Nós temos muitos Sérgios que vão aparecer ainda. E muitas pessoas aqui, nessa plateia, permitirão que esses Sérgios apareçam.”
“Foi estudando a libélula que descobri a principal função da libélula: fazer o Ângelo Machado feliz”
Foi assim, de forma singela e simpática, que o próprio Ângelo Barbosa Monteiro Machado, entomólogo, resumiu sua renomada trajetória de pesquisa. Machado foi um dos homenageados na abertura da 69ª Reunião Anual da SBPC, realizada nesse domingo, 16. O reconhecimento do trabalho desse belo-horizontino que, nos seus 83 anos, tanto fez pela ciência brasileira, incluindo quatro passagens pelo conselho da SBPC, não podia encontrar momento mais coerente. “É uma grande honra para nós da SBPC e, em nome dela, homenagear Ângelo Machado em Minas Gerais. Muito obrigado, Ângelo Machado”, celebrou o vice-presidente da Sociedade, Ildeu de Castro Moreira.
Com sua vivacidade, Machado cativou a plateia. Ao receber a homenagem, pediu desculpas pelo caminhar lento, que reflete o peso da idade: “Subir escada com três degraus é esporte radical”. Fez questão de relembrar o papel importante da companheira Conceição Ribeiro da Silva Machado, falecida em 2007, com quem dividia também a paixão pela ciência. “A pessoa mais importante na minha vida foi a Conceição Ribeiro Machado, minha assistente. Era minha estagiária e acabei casando com ela”, brincou o professor emérito da UFMG. “A melhor forma de ficar com uma assistente é casando com ela”, emendou.
Dono de uma trajetória única, Machado formou-se médico, mas jamais exerceu a profissão, dedicando-se desde cedo à paixão pela entomologia. Suas pesquisas lhe renderam o título de biólogo honorário do Brasil, o primeiro concedido pela Academia Nacional de Biologia, como lembrou Fernando Amaral, chefe do Departamento de Zoologia da UFMG. Também se dedicou à divulgação científica, como coordenador da sucursal de MG das revistas Ciência Hoje e Ciência Hoje para Crianças. Construiu uma prolífica carreira como escritor de livros infantis, tendo recebido um Prêmio Jabuti, em 1993, e sido eleito para a cadeira 26 da Academia Mineira de Letras.
Nas flores do Jardim Botânico
Os conselheiros da SBPC prestaram tributo à bióloga e interlocutora da SBPC junto ao Congresso Nacional Beatriz de Bulhões, a Bia, como era carinhosamente chamada por colegas e amigos. Falecida em 3 de outubro de 2016, Bia era a face da SBPC nos corredores do Parlamento, tendo sido responsável por importantes articulações em favor da ciência. “Perdemos muito mais do que uma assessora parlamentar. A Bia era uma militante da ciência brasileira”, recordou a conselheira da SBPC Fernanda Sobral. “O que queríamos mesmo é que ela ainda estivesse ao nosso lado ao invés de estarmos fazendo essa homenagem póstuma.”
Antes de juntar-se à SBPC, Bia desenvolveu um importante trabalho na área da ecologia, tendo sido uma das responsáveis pela revitalização do Jardim Botânico de Brasília. A dedicação da bióloga foi reconhecida pela fundação brasiliense, que batizou parte do parque em sua homenagem, gesto lembrado pela pesquisadora da Universidade de Brasília (UnB). “Ela faz muita falta, mas continuará nos corações dos representantes da SBPC e nas flores do Jardim Botânico de Brasília.”
Mariana Mazza, especial para o JC