Nova avaliação da pós-graduação busca mais impacto, inclusão e diálogo com a sociedade

Especialistas discutem mudanças promovidas pela Capes para o ciclo 2025–2028, que incorporam critérios de equidade e apontam para um modelo mais conectado às demandas sociais e regionais do País, em mesa-redonda da 77ª Reunião Anual da SBPC
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Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

A pós-graduação no Brasil está passando por uma transformação profunda. Para o ciclo avaliativo de 2025 a 2028, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) implementa um novo modelo de avaliação dos programas de mestrado e doutorado, com foco em impacto social, inovação, equidade e fortalecimento institucional. Entre as mudanças mais significativas está o fim do Qualis Periódicos como critério central de avaliação da produção científica, substituído por uma nova sistemática que considera diretamente o impacto e a relevância dos artigos publicados.

A nova metodologia também amplia a valorização da interação dos programas com a sociedade, contempla indicadores de inclusão, como o tempo de licença maternidade, e estabelece novos critérios de excelência para notas 6 e 7. O objetivo é tornar o processo mais justo, transparente e sintonizado com os desafios do desenvolvimento nacional.

As novas diretrizes da avaliação foram apresentadas na mesa-redonda “As mudanças na avaliação da produção científica da pós-graduação e seus impactos”, realizada em 18 de julho durante a 77ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sediada na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). O debate reuniu importantes nomes da ciência e da gestão da pós-graduação no país, como Antônio Gomes de Souza Filho, professor do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Diretor de Avaliação da CAPES; Carol Virgínia Góis Leandro, professora do Centro Acadêmico de Vitória e pró-reitora de Pós-Graduação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Olival Freire Junior (CNPq), professor do Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e diretor científico de CNPq; e Natália Trindade, representante da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).

Antônio Gomes de Souza Filho destacou o sucesso histórico da política nacional de pós-graduação. “Nos últimos 50 anos, o Brasil passou de 167 cursos em cerca de 20 municípios para quase 5 mil programas distribuídos em mais de 320 cidades”, afirmou. Para ele, a interiorização e descentralização da produção científica devem ser celebradas. “Há apenas 20 anos, 60% do conhecimento indexado era produzido no Rio e em São Paulo. Hoje, esse número se inverteu: 60% da produção vem dos demais estados da federação”O diretor explicou que a nova metodologia de avaliação será aplicada já a partir de 2025 e se baseia em três frentes principais: Classificação por indicadores bibliométricos dos artigos, não mais dos periódicos; Análise quantitativa, considerando citações e indexações; Avaliação qualitativa, levando em conta a pertinência do tema, a originalidade e a contribuição científica de cada estudo. “Os artigos podem e devem ser avaliados de forma diferenciada, porque não são todos iguais”, reforçou Antônio Souza Filho.

Da produção ao impacto: repensar o papel da pós-graduação

Para Carol Virgínia Góis Leandro, é urgente pensar a pós-graduação para além da produtividade acadêmica.“Produzimos muitos artigos, mas ainda estamos devendo em termos de inovação”, disse. Ela destacou que o Brasil forma apenas 11 doutores por 100 mil habitantes, um número baixo frente aos países da OCDE. No Índice Global de Inovação de 2024, o país perdeu duas posições, revelando a necessidade de alinhar a produção científica com o desenvolvimento tecnológico.

Segundo Carol, também é preciso enfrentar as desigualdades regionais com políticas que valorizem os potenciais locais e as vocações de cada território. E alertou para um problema recorrente: a baixa empregabilidade dos doutores. “Estudos mostram que entre 20% e 25% dos egressos da pós-graduação não encontram colocação adequada, mesmo cinco ou dez anos após a titulação. Nos países da OCDE, essa taxa varia entre 2% e 3%”Para mudar esse cenário, defendeu a criação de um ecossistema universitário voltado à inovação. “Precisamos formar doutores que queiram desenvolver produtos, e não apenas artigos”, afirmou.

Representando o CNPq, Olival Freire Junior também reconheceu a necessidade de aprimorar a avaliação. “O sistema atual precisa evoluir, mas isso deve ser feito com cuidado. A política de apoio à pós-graduação brasileira é uma das mais bem-sucedidas do mundo. Não podemos jogá-la fora sem pensar”, alertou. Para ele, é fundamental preservar os avanços alcançados nas últimas décadas, mas adaptá-los ao novo cenário internacional da ciência. “O mercado de publicações científicas está mudando rapidamente, e precisamos acompanhar essas transformações para não ficarmos para trás”, concluiu.

O olhar dos estudantes: valorização, extensão e divulgação científica

Representando os pós-graduandos, Natália Trindade destacou a importância de uma avaliação que vá além da contagem de artigos. “A mudança busca valorizar o impacto real da produção intelectual. Não basta estar na pós-graduação, é preciso refletir sobre o que se leva para a comunidade”, afirmou. Ela defendeu que a extensão universitária seja incorporada efetivamente à pós-graduação, cumprindo o tripé do ensino superior. E reforçou a necessidade de formação em divulgação científica como parte do currículo, afirmando que “divulgar ciência é uma atividade séria, com método e objetivos, que deve ser ensinada”. Natália também propôs a inclusão da formação em empreendedorismo científico, como estratégia para conectar a produção acadêmica com os setores produtivos e tecnológicos do país.

Assista aqui à mesa-redonda na íntegra:

https://www.youtube.com/watch?v=mwoGMWtI320

Chris Bueno – Jornal da Ciência