O novo presidente eleito da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro, acenou para toda a comunidade científica no sentido de definir um projeto conjunto, unindo esforços para enfrentar o difícil cenário de pandemia e ataques do governo atual.
“A eleição foi uma disputa entre amigos e companheiros e é muito importante nos mantermos unidos”, afirmou Ribeiro, que disputou votos com o neurocientista e ex-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carlos Alexandre Netto.
Filósofo, professor livre-docente de ética e filosofia política da Universidade de São Paulo (USP), Ribeiro foi ministro da Educação por seis meses na gestão Dilma Rousseff, em 2015, e membro da diretoria das principais agências de fomento à pesquisa, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, 1993-1997) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes de 2004-2008). Também foi membro do Conselho (1995-1997 e 1999-2003) e secretário (1997-1999) da própria SBPC.
As linhas de ação e primeiras medidas de sua gestão serão definidas, segundo ele, após o período de transição com a atual Diretoria. O resultado das eleições para diretores, conselheiros e secretários regionais foi divulgado nessa terça-feira, 22 de junho. Ribeiro e a nova Diretoria vão tomar posse no dia 23 de julho, na Assembleia Geral Ordinária dos Sócios, que será realizada durante a 73ª Reunião Anual da SBPC. Mas Ribeiro já definiu algumas áreas prioritárias nas quais pretende atuar nos próximos dois anos: a defesa da ciência, da pesquisa, da educação, da tecnologia, da saúde, do meio ambiente, da cultura e da inclusão social.
“A SBPC já se movimenta dentro uma ideia virtuosa entre todas essas áreas”, afirmou, ressaltando que hoje não se pode pensar em saúde sem pensar em meio ambiente e educação. “Por um lado, é preciso defender tudo que está ameaçado nestas áreas, e as ameaças são grandes; por outro lado é projetar um Brasil melhor justamente pela fusão destas áreas”, afirmou em entrevista ao Jornal da Ciência.
Para Ribeiro, uma questão crucial é retomar a atividade econômica pós-pandemia de forma que não seja prejudicial nem à saúde humana nem ao meio ambiente. “Não pode haver oposição entre saúde e economia”, afirmou.
No caso da inclusão social, ele destaca a educação de baixa qualidade dos jovens que acaba minimizando o potencial produtivo do País. “Cabe à SBPC juntar as pessoas que compartilham esses valores. É um trabalho coletivo, nem o presidente, nem a Diretoria podem fazer sozinhos.”
Sobre a luta em defesa dos orçamentos da ciência e da educação, ele frisa ser urgente, mas que não pensa a um retorno ao passado. “Precisamos aumentar o papel da inteligência, nossa sociedade chegou a essa crise em parte porque tem inteligência insuficientemente investida, o que implica que muitas pessoas se beneficiam dos ganhos da ciência, sem saber”, afirma. Um exemplo, diz, são os cerca de 20% de brasileiros que acreditam que a terra é plana, mas usam o sistema GPS do celular.
Janine Ribeiro defende que a difusão do espirito cientifico não seja só o conhecimento, dados e curiosidades. “É o espirito crítico, racional, da pesquisa, do pensamento lógico que tem que ser difundido”, afirmou, lembrando que este é um trabalho de longo prazo.
A socióloga Fernanda Sobral, que segue para seu segundo mandato como vice-presidente, ressaltou que a equipe que vai liderar a instituição pelos próximos dois anos tem grande afinidade no que concerne à linha de atuação da SBPC. “Temos pontos em comum nessa luta em prol da ciência, educação e direitos humanos”, disse. Sobral prevê um cenário difícil à frente, não apenas pela falta de orçamentos, mas também pelos efeitos do negacionismo e a falta de valorização da ciência. “Vejo um futuro difícil, mas acho que a SBPC já estava forte com a diretoria atual”, observou. A luta no Parlamento, na qual a SBPC sempre se posicionou de forma apartidária, vai continuar, garantiu.
O físico Paulo Artaxo, também eleito para ocupar uma das duas vice-presidências, afirmou que a SBPC já está no caminho certo. “A SBPC joga um papel importante na defesa da ciência, da educação, da redução das desigualdades e vamos continuar nessa linha”. Para ele, está ficando cada vez mais claro como o governo atual está trabalhando pela destruição e a degradação social, ambiental, econômica, ameaçando a democracia, sem nenhuma governança. “O País está à deriva”, criticou. Nessa luta, Artaxo acha que tem que ser utilizadas todas as ferramentas disponíveis, desde a sensibilização da opinião pública até o judiciário.
Artaxo afirmou que a SBPC sempre teve um papel fundamental no cenário político, tendo sido uma das poucas vozes que sobressaíam durante a ditadura. “Agora voltamos à necessidade premente de dar voz aos excluídos do poder econômico e político”. E completou: “Temos muito trabalho pela frente”.
Claudia Linhares, eleita para a Secretaria Geral da entidade, disse esperar que a nova Diretoria cumpra a contento o que fez o quadro de diretores que sai, agindo em todas as frentes, fazendo pressão no Congresso para recuperar orçamento de bolsas, resgatar o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) da reserva de contingência, na luta pela democracia e pela divulgação da ciência.
“Nos dois últimos anos, a Diretoria que sai enfrentou um período excepcional em que todos tivemos que nos adaptar a uma nova maneira de trabalhar, de interagir”, disse Linhares, referindo-se à pandemia que forçou o isolamento social. “As lutas se intensificaram porque não se trata mais apenas de orçamento para as universidades, para a ciência, educação, mas pela liberdade de cátedra, pela democracia, pela vida, contra o negacionismo cientifico”, analisou. “Acredito que nosso futuro presidente, que é altamente experiente, muito capacitado, tem todo um histórico de vida e ações que nos permitem dizer que saberá guiar a SBPC por esses caminhos difíceis.”
Janes Rocha – Jornal da Ciência