O Antropoceno e a Amazônia: conhecimento indígena como resistência

Em sua conferência, no dia 11 de julho, o pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi, Marcos Magalhães, relatou a relação entre os indivíduos e a natureza como um organismo unitário para a preservação da floresta e da vida no planeta
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Foto: Jardel Rodrigues

“Se eles têm as pirâmides, nós temos as florestas”. Com essas palavras, Marcos Magalhães, arqueólogo e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), introduziu a discussão sobre o Antropoceno amazônico e o conhecimento indígena como resistência na programação científica da 76ª Reunião Anual da SBPC. Em sua conferência, no dia 11 de julho, o pesquisador relatou a relação entre os indivíduos e a natureza como um organismo unitário para a preservação da floresta e da vida no planeta.

Magalhães apresentou a diversidade de elementos que estão envolvidos na conceituação e estudos sobre o Antropoceno, o que inclui ciências como a História, Geologia, Biologia e a Arqueologia. São as pesquisas sobre o Antropoceno que marcam o início de trabalhos que interligam as ciências humanas e naturais.

O termo “Antropoceno” foi criado para identificar a era em que as atividades humanas começaram a causar alterações significativas no planeta. Proposto inicialmente pelo biólogo Eugene Stoermer, nos anos 1980, e popularizado pelo cientista atmosférico Paul Crutzen na década de 2000, o Antropoceno é simbolicamente marcado pela Revolução Industrial e o uso de combustíveis fósseis.

Para que uma nova época seja oficialmente aceita, é necessário identificar uma ruptura clara e universal nas camadas sedimentares. Embora a presença de carbono antropogênico em sedimentos desde, pelo menos, a década de 1850 tenha sido constatada, isso ainda não foi considerado suficiente. Em março passado, após quase 15 anos de debate, um comitê de cerca de 200 geólogos votou, em maioria, contra a proposta de declarar o início do Antropoceno. Um questionamento é que isso precisa ser definido de uma maneira que atenda a critérios geológicos específicos, que podem diferir das perspectivas de antropólogos, cientistas sociais e outros especialistas que já utilizam amplamente o termo.

Magalhães é parte do grupo de defende a constatação da nova era geológica. “A ação do homem sobre a Terra cresceu exponencialmente nos últimos 300 anos”, destacou o professor ao afirmar o surgimento da indústria como um fator decisivo para a aceleração das ações humanas e suas consequências.

Junto à degradação ambiental, o trânsito de espécies exóticas, o acúmulo de materiais florestais reconfigurados e o plástico também configuram a nova era. Mas, mais que isso, o Antropoceno não pode ser explicado apenas aos olhos da geologia. Segundo o pesquisador, o termo “antropo” (derivado do grego, anthropos” ou homem) pressupõe uma profunda compreensão do ser humano, de seu papel transformador na paisagem terrestre. “Definir uma nova era geológica é uma questão de geofísica, mas que também deve envolver as ciências humanas, o que muda completamente o rumo das discussões. Pela primeira vez na história, as ciências naturais estão se fundindo com as ciências humanas. Não se pode mais falar em geologia sem considerar o ser humano. Isso é uma coisa nova e revolucionária”, defendeu.

O conferencista abordou como os povos indígenas são fundamentais para compreender o Antropoceno na Amazônia e buscar respostas para reverter o processo de degradação ambiental, pois com sua “resiliência cultural” no processo civilizatório, persistiu e persiste com suas tradições.

A grande transformação na paisagem amazônica – sua destruição, melhor dizendo – teve seu auge no início da década de 1970, com o governo militar e sua política de “ocupar para não entregar”. Promovendo a pecuária e a mineração, o governo ignorou completamente o potencial da floresta e sua população local. “Essas pessoas foram invisibilizadas pela mística da floresta sem recursos, de solo pobre não adequado à agricultura. E, desde então, a Amazônia vem sendo ocupada por uma população exógena, baseada na agropecuária predatória, no latifúndio e na mineração. Com isso, um terço da floresta já foi destruída”, contou.

O pesquisador destacou que, por milhares de anos, sociedades indígenas desenvolveram meios e técnicas adequadas ao manejo dos recursos naturais amazônicos. “O manejo da Amazônia tem o mesmo nível de conhecimento que a construção das pirâmides. Do mesmo jeito que até hoje as pessoas não compreendem como as pirâmides foram construídas, tentamos entender como as florestas da região não foram destruídas.” A integração cultura/natureza era uma realidade tão complexa que somente agora começa a ser compreendida, comentou Magalhães.

Estudos mostram que os indígenas criaram há milhares de anos estruturas urbanas na Amazônia, que concentravam populações de até 50 mil habitantes, com estradas que levavam aos locais de recursos, mas a relação com a natureza era diferente. “Não dá para comparar a ocupação humana na Amazônia com o neolítico europeu. São histórias completamente diferentes.”

As sociedades indígenas na Amazônia possuem relação indissociável entre cultura e natureza, são um só elemento. Os povos da floresta, ao domesticarem várias espécies ao longo da história, desenvolveram um manejo integrado, que produzia superabundância, ao contrário do que se acreditava até décadas atrás.

Mas todo esse conhecimento está quase perdido, 95% da população nativa da Amazônia foi dizimada desde a chegada dos europeus ao continente no século XVI, 56 milhões de indígenas foram exterminados nas Américas. “E a ocupação deles não deu certo, não conseguiram replicar aqui o sistema de plantation de lá da Europa. Para garantir a posse das terras naquele vazio demográfico que criaram, fundaram vilas, reproduções dos seus burgos.”

E é possível cancelar a chamada “irreversibilidade antropogênica urbana”? Segundo o pesquisador do MPEG é possível sim. “Desde que haja uma revolução urbana que tenha por base a ancestralidade dos povos originários – o retorno do homem à natureza. Temos que romper com essa visão da cidade burguesa. Mais utopias, menos distopias!”

Daniela Klebis, Jornal da Ciência. Colaboraram com esta reportagem Cristiana de Paulo Martins e Marcos Antonio Maia dos Santos, alunos da Universidade Federal do Pará (UFPA)