O árduo caminho das meninas e mulheres na ciência

Mesa da 77ª Reunião Anual da SBPC debateu a importância da equidade de gênero e étnico-racial na ciência, tecnologia e inovação em saúde nas arenas públicas que tratam de estratégias e ações voltadas ao incentivo à participação de meninas e mulheres em carreiras científicas
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Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

Mesmo com o crescente espaço nos últimos anos, o caminho das mulheres na ciência continua difícil e cheio de obstáculos. Foi o que demonstraram quatro cientistas que participaram da mesa “Mulheres, saúde e ciências: propostas para reduzir as desigualdades de gênero e étnico-raciais”, realizada na segunda-feira dentro da programação da 77a Reunião Anual da SBPC no campus da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), no Recife.

A mesa debateu a importância da equidade de gênero e étnico-racial na ciência, tecnologia e inovação em saúde nas arenas públicas que tratam de estratégias e ações voltadas ao incentivo à participação de meninas e mulheres em carreiras científicas.

Participaram do encontro a farmacêutica Soraya Soubhi Smaili, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e recém-eleita vice-presidente da SBPC para a nova gestão que se inicia dia 19 de julho; a médica Cristiani Vieira Machado, professora da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP-Fiocruz); a bióloga Rosy Mary dos Santos Isaías, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); a farmacêutica Sandra Maria Nunes Monteiro, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e a bióloga Cristina Caldas, diretora do Instituto Serrapilheira.

Cristiani Vieira, que é pesquisadora do CNPq e atuante em políticas públicas em saúde, iniciou sua apresentação com indicadores que mostram que as desigualdades de gênero se expressam em várias dimensões que afetam as possibilidades das mulheres na área da ciência.

Um dos mais importantes, afirmou, é o acesso à educação. Segundo a Unicef, agência da Organização das Nações Unidas para a infância, cerca de dois terços das pessoas analfabetas no mundo são mulheres e, entre os mais pobres, cerca de um terço das adolescentes nunca foram à escola. “É claro que isso vai influenciar toda a possibilidade de vida profissional das pessoas”, constatou Vieira.

Quando superam o obstáculo da educação, as mulheres que chegam ao mercado de trabalho são confrontadas com uma série de segregações, desigualdades de gênero disseminadas por vários setores, incluindo a ciência e a saúde.

Vieira falou das políticas internas da Fiocruz para mitigação dessas desigualdades de gênero, baseadas na contratação e promoção de servidoras e pesquisadoras. Segundo ela, este ano pela primeira vez na longa história da instituição (fundada em 1900) há um equilíbrio entre homens e mulheres na alta direção, tanto da presidência quanto das unidades técnicas e científicas.

No entanto, não foi superada a desigualdade de cor e raça, ainda que das quatro vice-presidentes mulheres, duas sejam negras. “A gente vê que há uma maioria de mulheres brancas, entre as servidoras e entre as pesquisadoras também, mais de 75% das mulheres são brancas”, afirmou Vieira.

Rosy Mary dos Santos Isaías testemunhou sobre o afunilamento racial da trajetória em direção aos altos postos na ciência para as mulheres negras. Natural de Nilópolis, na Baixada Fluminense, Isaías contou como, ao longo de sua trajetória até hoje ser a primeira cientista negra a conquistar a maior classificação (A1) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ela viu poucos de sua raça e classe social pelo caminho.

“Enquanto eu estava lá em Nilópolis, em Nova Iguaçu, nós éramos todos mais ou menos iguais, os meus coleguinhas brancos, pretos, marrons, cor-de-rosa, amarelos, todo mundo misturado. Mas à medida que eu fui saindo daquele ambiente, fui chegando na graduação, comecei a olhar em volta, eu falei: Uai, cadê o resto?”, comentou.

Não é só na sala de aula. A ausência de mulheres em geral, negras em particular, é gritante também, relatou Isaías, em eventos que discutem grandes temas em sua área como fóruns e congressos onde a maioria dos palestrantes são homens brancos. Atualmente membro do Conselho Regional de Biologia, Rosy Mary Isaías disse que busca contrapor a deficiência de representatividade nos eventos da instituição “A gente vai fazer algum evento? Choca o nome de homens e eu falo: ˋGente, hora de colocar mulher aí, não tem nenhuma negra, não tem nenhuma indígena”.

A questão da maternidade foi abordada por Sandra Maria Nunes Monteiro, que defendeu a concessão de estímulos às mães pesquisadoras, para que não desistam da carreira que também tende a se afunilar por área de estudo. “É claro que quando a gente vai para a área de exatas, essa realidade se fecha mais”, afirmou.

Cristina Caldas apresentou as origens e políticas de fomento do Instituto Serrapilheira, instituição privada de apoio à pesquisa e à divulgação científica e da preocupação com a diversidade. “Os valores de diversidade, que é o tema da dessa mesa de hoje, perpassam todas as ações do instituto, que é um esforço institucional de transversalidade entre os diferentes programas”, reiterou Caldas.

Janes Rocha – Jornal da Ciência