Há quatro anos, cientistas de todo o Brasil temiam o pior quando Jair Bolsonaro foi eleito presidente do país. Bolsonaro havia prometido, por exemplo, retirar o Brasil do acordo climático de Paris, desmantelar o Ministério do Meio Ambiente e reduzir a extensão de áreas protegidas se vencesse. Embora não tenha cumprido algumas dessas promessas, o presidente entrou em confronto com a comunidade científica brasileira repetidamente e causou danos duradouros, segundo os críticos. Ele, por exemplo, demitiu funcionários do governo que discordavam dele em questões como taxas crescentes de desmatamento e medidas de saúde para conter a pandemia de covid-19, que até agora matou quase 700.000 pessoas no país.
Agora Bolsonaro está pleiteando um segundo mandato, e os brasileiros vão às urnas no próximo dia 2 de outubro para votar. Às vésperas das eleições, a revista Nature analisa os impactos que Bolsonaro teve na ciência, na saúde e no meio ambiente.
Destruição ambiental
Um dos maiores impactos do atual governo tem sido no meio ambiente. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) do Brasil mostram que o desmatamento na Amazônia brasileira aumentou desde o início de 2019 – no ano passado, atingiu seu nível mais alto desde 2008 (veja tabela na página da reportagem).
A tendência começou no início do governo Bolsonaro. Em meados de 2019, o INPE informou que o desmatamento havia subido acentuadamente. Sem provas, o presidente acusou a agência de forjar os dados de desmatamento e disse que estava tentando prejudicar o governo. O físico Ricardo Galvão, então chefe do INPE, defendeu os dados da agência e Bolsonaro o demitiu logo em seguida.
Mesmo antes de assumir o cargo, Bolsonaro deixou claros seus objetivos ao prometer acabar com o que chamou de “uma indústria” de multas ambientais no país e desmantelar o Ministério do Meio Ambiente – a ideia de sua equipe era dispersar suas responsabilidades entre outros ministérios.
Embora Bolsonaro não tenha desfeito explicitamente a Pasta, seu governo executou um plano “para desmantelar o Ministério do meio ambiente por dentro”, diz Suely Araújo, ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), órgão responsável para monitorar e multar infrações à legislação ambiental brasileira.
O presidente cumpriu sua promessa sobre multas. Em janeiro, Bolsonaro comemorou uma redução de 80% nas multas do IBAMA em propriedades rurais.
“O resultado é uma explosão nas taxas de desmatamento, mineração descontrolada e invasão de terras públicas, seguidas de grande conflito social”, diz Araújo, que hoje é especialista em políticas públicas do Observatório do Clima, uma coalizão de organizações focadas em mudanças climáticas e o ambiente.
De acordo com um relatório da Associação Yanomami Hutukara (HAY), organização que representa o povo Yanomami do Brasil, a mineração ilegal aumentou 46% no território dessa população no Estado de Roraima em 2021, em comparação com o ano anterior. O Ministério Público Federal (MPF) de Roraima pediu a um tribunal federal que obrigue o governo nacional a tomar medidas contra as operações de mineração, que ameaçam os povos indígenas da região e que criaram o que o MPF chamou de ‘crise humanitária’.
Críticos do governo Bolsonaro dizem que a aplicação negligente das leis ambientais também levou a um grande aumento de incêndios florestais, muitas vezes provocados por pessoas que desmatam terras para a agricultura. Em agosto de 2019, apenas alguns meses após a presidência de Bolsonaro, o INPE informou que o número de incêndios havia aumentado mais de 80% em relação ao ano anterior. O presidente sugeriu que ambientalistas poderiam ter iniciado os incêndios, embora a mídia local tenha relatado que os produtores agrícolas que coordenaram as queimadas sentiram que suas ações foram apoiadas pelo presidente.
“Em termos de política ambiental, a desconstrução dos processos de governança e vigilância exigirá tempo e recursos para se reconstruir”, diz Mercedes Bustamante, ecologista de ecossistemas da Universidade de Brasília e autora de relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. “Os ecossistemas foram destruídos como resultado dessa desconstrução e isso pode resultar em danos irreparáveis”.
O gabinete do presidente Bolsonaro não respondeu aos pedidos de comentários da Nature.
Orçamento em queda livre
O governo também fez cortes substanciais na pesquisa científica. Em 2021, o orçamento total aprovado para ciência e tecnologia no Ministério da Ciência foi efetivamente o menor em pelo menos duas décadas, segundo números compilados pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em São Paulo (ver gráfico na página da reportagem).
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) financia órgãos como o INPE e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que concede bolsas, equipamentos e materiais para pesquisas. Outra importante fonte de apoio à ciência vem do Ministério da Educação. Bolsas de uma fundação chamada Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) patrocinam o treinamento de novos pesquisadores.
Em 2020 e 2021, o financiamento combinado de bolsas para CNPq e CAPES foi de cerca de 3,5 bilhões de reais (US$ 680 milhões) por ano – os valores mais baixos desde 2009. As duas agências perderam 45% de seu orçamento para bolsas durante o governo Bolsonaro (2019–22), em comparação com 2015-18.
Segundo o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, esse não é o único problema. “Além dos cortes orçamentários, há uma campanha em andamento para tentar minar o moral do ensino superior público, da cultura e da saúde pública”, diz Ribeiro, que é ex-ministro da educação brasileiro.
Bolsonaro tem criticado as universidades brasileiras e “propagado mentiras de que universidades públicas são lugares de sexo, desordem e confusão”, diz Ribeiro. Em 2019, Bolsonaro atacou a qualidade deles e disse que a maioria dos alunos lá “faz tudo menos estudar”.
As universidades públicas estão lutando para sobreviver. Algumas provavelmente ficarão sem recursos para pagar contas e pessoal neste mês ou no próximo, “o que significa que podem ser forçados a fechar as portas, mesmo que temporariamente”, diz Ribeiro.
Crise na Saúde
Um dos grandes desafios que o Brasil enfrentará nos próximos anos são as consequências da pandemia de covid-19, diz Isabela Soares Santos, pesquisadora de políticas de saúde da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro.
Muitos especialistas em saúde dizem que Bolsonaro e suas políticas exacerbaram os prejuízos que a covid-19 causou no Brasil. À medida que o coronavírus (SARS-CoV-2) se espalhava pelo mundo no início de 2020, Bolsonaro descartou seus perigos, chamando a doença de “gripezinha” e “fantasia”. Ele promoveu a imunidade de rebanho por infecção natural e divulgou o uso de tratamentos que se mostraram ineficazes contra a covid-19, como hidroxicloroquina e ivermectina. Ele também ignorou conselhos científicos de pesquisadores e autoridades de saúde pública e demitiu o ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta em abril de 2020, porque defendia medidas como o distanciamento social para conter a propagação do vírus.
Entre outras ações, em março de 2020, Bolsonaro assinou um decreto que incluía igrejas e casas lotéricas como serviços essenciais que não deveriam ser interrompidos por restrições às operações, que foram definidas principalmente nos níveis estaduais e municipal.
Santos diz que o apoio do presidente Bolsonaro a soluções ineficazes e sua dispensa às medidas protetivas abriram caminho para o alto número de mortes por covid-19 no Brasil – mais de 685.000 até agora. O Brasil teve um dos maiores números de mortes em relação ao tamanho de sua população no mundo.
Mas a questão é mais profunda. “O vírus piora doenças crônicas já existentes e cria outras condições, como a covid longa”, diz ela. “Estamos todos pagando essa conta e isso é algo que o próximo governo terá que enfrentar resolutamente. Levaremos anos para reconstruir o que foi danificado”, diz Santos.
Nature 609, 890-891 (2022) – doi: https://doi.org/10.1038/d41586-022-03038-3
Nature, com tradução do Jornal da Ciência