Sete dias após a Cúpula do Clima 2021, cientistas latino-americanos discutiram os caminhos que seus países podem trilhar para conter o aquecimento global abaixo de 2°C. Foi durante o painel virtual “Proteção ambiental e desenvolvimento da região americana”, realizado pela Associação Interciência, com apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Foi o primeiro de uma série de discussões que a associação está promovendo sobre como o meio ambiente pode ser protegido e, ao mesmo tempo, permitir que a região se desenvolva economicamente sem descuidar da inclusão social.
Com moderação de Marcos Regis da Silva, diretor de Inter-American Institute for Global Change Research – Uruguay, o evento virtual contou com os cientistas Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo (USP), Edwin Castellanos, da Universidad del Valle de Guatemala, Inês Camilloni, Universidad de Buenos Aires/CONICET, da Argentina, e Beatriz Cardenas, do World Resources Institute (WRI), do México. O debate foi aberto pela professora Ana Teresa Vasconcelos, vice-presidente da Interciência e representante da SBPC nessa associação.
Na Cúpula do Clima, o governo brasileiro se comprometeu a alcançar a neutralidade até 2050, ou seja, atingir zero emissão de gases de efeito estufa no País, antecipando em dez anos a sinalização anterior, prevista no Acordo de Paris de 2015. Paulo Artaxo lembrou, porém, que as duas principais fontes de emissão no Brasil são o desmatamento e a agropecuária. Com o País desmatando 10.500 km2 por ano, a solução seria utilizar os instrumentos existentes de fiscalização e repressão aos desmatadores. Mas, no caso da agropecuária, o desafio é bem maior e envolve a comunidade internacional. A atividade é responsável por 60% a 65% das emissões brasileiras porque o País é grande produtor de carne e outros produtos agrícolas para exportação, como soja e milho. “A grande pergunta é: como se tornar neutro na emissão de carbono e ao mesmo tempo produzir carne e proteína animal e vegetal para o planeta como um todo?”, questionou.
Para Artaxo, a ciência ainda não tem a resposta a essa questão pelo fato de que é preciso encontrar formas de alimentar 10 bilhões de pessoas até 2050 com emissão zero de carbono. “É uma utopia, isso não existe, mas é um dos problemas que temos que resolver”, afirmou
Segundo maior emissor de gases de efeito estufa da América Latina depois do Brasil, o México responde por quase 6% das emissões do continente. Energia é a principal causa na área de transportes e indústria, que representam 70% das emissões do país, seguido da pecuária 10% e resíduos 6%, explicou Beatriz Cardenas.
“Nossa economia está baseada em combustíveis fósseis que representam uma parte importante”, disse a representante do WRI, lembrando que a população mexicana arca com os custos em saúde de uma elevada poluição atmosférica causada pelas emissões de automóveis. “Com a pandemia, esses contaminantes sobressaíram, pois temos grande parte da população vivendo nas cidades”, afirmou.
Combustíveis fósseis também predominam na matriz energética da Argentina, terceiro maior emissor da região. De acordo com Inês Camilloni, da UBA/Conicet, mais da metade (53%) das emissões vem dos automóveis, enquanto a agropecuária responde por 37%. Durante a Cúpula do Clima, a Argentina se comprometeu com uma redução de 27,7% até 2030 e chegar à neutralidade em 2050. “Em termos de custos e fluxos financeiros, isso implica para o país algo como 1% a 2% de seu Produto Interno Bruto (PIB), o que no caso da Argentina estamos falando em algo entre 6,5 a 13 bilhões de dólares, uma quantia enorme de dinheiro para um país já muito endividado.”
Assim como no Brasil – guardadas as proporções – a maior parte dos gases de efeito estufa emitidos pela Guatemala são originados do desmatamento. No entanto, Edwin Castellanos ressalta que o país desmata cerca mil km2 por ano, o equivalente a 1% do total, o que é uma taxa muito alta comparada com outros países da região. As atividades que mais impactam no desmatamento são, primeiro, a pecuária, segundo o setor energético com 50% a 60% da matriz gerados por petróleo e 40% por hidrelétrica. A Guatemala apresentou proposta de redução de 11% de emissões que, segundo Castellanos, é relativamente fácil de cumprir.
Ciências sociais
Os cientistas ressaltaram o papel das ciências sociais nas discussões sobre redução do aquecimento global. Inés Camilloni lembrou que a forma como a sociedade se vincula com a preservação do meio ambiente tem a ver com as demandas por alimentos e energia e que as transformações necessárias para o desenvolvimento e crescimento dos países da região têm que se sustentar no combate à pobreza e às desigualdades sociais.
“A ciência tem que ser um suporte para alcançar os acordos necessários para transformações de enorme magnitude, que envolvem mudar nosso estilo de vida, não só daquilo que produzimos e consumimos”, disse a argentina, referindo-se à aceitação da sociedade. “Quando não existe uma aceitação social, particularmente nessa transição de energias fósseis para renováveis, também encontram barreiras”, completou.
Beatriz Cardenas reforçou: “O tipo de ciência que precisamos é afinar esses modelos que não somente estimem os valores econômicos, mas que também (proporcionem) ferramentas que permitam comunicar à sociedade sobre as repercussões dessas ações, tanto a nível individual quanto coletivo.”
Edwin Castellanos relatou que o potencial de energia renovável em seu país é elevado, assim como o interesse da iniciativa privada em investir em fontes alternativas. No entanto, a opção de energia hidrelétrica que seria mais viável é rechaçada pela população, traumatizada pelos abusos aos direitos humanos cometidos pelo Estado na construção da maior delas, há 50 anos, durante uma ditadura. “Além disso, o tema do desmatamento envolve questões ligadas ao narcotráfico que financia atividades de pecuária. São questões que envolvem mais ciências sociais que ciências duras”, ponderou Castellanos.
Assista ao debate na íntegra no canal da SBPC no Youtube
Jornal da Ciência