A pedido da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e de demais entidades da sociedade científica, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Paulo Alvim, participou de uma audiência com a Diretoria da entidade para responder questionamentos sobre a Medida Provisória nº 1.136/2022, que bloqueia recursos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) até o ano de 2026. Na prática, o fundo terá bloqueios orçamentários ano após ano – em 2022, já é estimada uma perda de R$ 2,7 bilhões.
O Presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, abriu o encontro destacando o histórico de contingenciamentos que a Pasta ministerial da Ciência vem sofrendo por parte do Governo Federal, um cenário intensificado drasticamente em 2022.
Janine Ribeiro também denunciou que uma das consequências é a fuga de cientistas para outros países, já que não estão encontrando mais subsídios para trabalharem com pesquisa. “O Brasil está dando de presente para os países ricos pessoas formadas e qualificadas. Depois de todo o investimento na formação, falta o mercado de trabalho aqui.”
Outro fator agravante apontado por Janine Ribeiro é que, pela primeira vez, o bloqueio orçamentário foi assinado pelo próprio Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), ao contrário das medidas de contingenciamento anteriores, que foram impostas pelo Ministério da Economia. “O Governo Federal precisa perceber o dano que está causando à Ciência e Tecnologia”, alertou.
Em resposta aos questionamentos de Janine Ribeiro, o ministro Paulo Alvim afirmou que não foi apenas a Pasta de CT&I que recebeu bloqueios por meio de medidas provisórias, citando o caso da Secretaria de Cultura, e que houve uma solicitação do Governo Federal para essa redução orçamentária.
“Quando se começou a falar, no centro do governo, da questão de medidas para garantir condições para o encaminhamento do PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) 2023, nós ponderamos, mas tivemos que assumir uma posição, e aqui assumo como ministro que todo o processo de tramitação interna da medida provisória foi de minha responsabilidade. Eu sou ministro e tenho o ônus de algumas medidas que preciso tomar”, afirmou.
Alvim justificou que o bloqueio aos recursos do FNCDT foi necessário para o Governo Federal respeitar o Teto de Gastos e a Lei de Responsabilidade Fiscal, e revelou que está revisando os programas do MCTI para tentar manter as atividades após o déficit orçamentário. O ministro também confessou que esse bloqueio de verbas não deve ser anulado, como pede a sociedade científica. “Não vejo a possibilidade de retirada dessa medida provisória”, disse.
Cientistas apontam controvérsias sobre a disponibilidade dos recursos orçamentários no futuro
Vice-presidente da SBPC, Fernanda Sobral chamou a atenção para a dificuldade que o setor científico se encontra com a instabilidade na concessão dos recursos financeiros. “Primeiramente, os recursos ficaram em reserva de contingência, depois conseguimos uma lei para acabar com essa reserva de contingência, aí veio um veto, depois se derruba o veto, bloqueiam R$ 2,5 milhões, desbloqueiam e agora vem essa medida provisória. Esse é o grande problema para a Ciência avançar, você nunca sabe se no outro mês você vai contar com recursos.”
Ao defender a medida provisória, o ministro Paulo Alvim ponderou que os bloqueios orçamentários no FNDCT terão um maior peso agora em 2022, mas não nos próximos anos. “Apesar da sinalização de novos tetos, existe um parágrafo [na medida provisória] que dá a flexibilidade que esses tetos podem não ser aplicados”, afirmou. Uma informação rebatida pelos cientistas presentes.
Tesoureira da SBPC, Marimélia Porcionatto questionou o ministro sobre qual o motivo que levou à inclusão na medida provisória de bloqueios orçamentários a serem realizados entre os anos de 2024 a 2026. “Somente em 2027 nós vamos ter 100% do orçamento novamente. Qual é a justificativa para esse corte antecipado?”
Paulo Alvim afirmou que o bloqueio foi colocado nos anos seguintes porque o déficit fiscal e orçamentário do País não se resolverá apenas em 2022, e por isso foi incluída uma perspectiva de cortes futuros na MP.
Outros especialistas presentes também se manifestaram contrários à medida provisória e à visão do Governo Federal sobre a gestão de CT&I. Para a secretária da SBPC, Francilene Garcia, a continuidade de ações governamentais em prol de bloqueios da Pasta tem uma mensagem. “É uma falta total de prioridade de investimentos para a CT&I no atual governo. Isso é decisão política e gera uma situação de governança insustentável”, denunciou.
Também membro da Diretoria da SBPC, Ana Tereza de Vasconcelos encerrou as falas da audiência ressaltando a desvalorização da Ciência por parte do Governo Federal, principalmente quando o setor foi essencial na condução contra a covid-19.
“Toda hora temos que voltar ao Congresso Federal para lutar pelos recursos, contra cortes. Isso acaba minando a força científica tão produtiva que temos nesse país. Toda a comunidade está abalada, especialmente num momento em que a ciência tem atuado tão fortemente pela recuperação do Brasil nesta crise, a gente sofre mais um golpe”, concluiu.
Sociedade científica seguirá na luta para derrubar MP
Para o presidente da SBPC, a reunião foi relevante já que a sociedade científica conseguiu levar diretamente ao ministro Paulo Alvim as consequências do descaso do Governo Federal à CT&I. Mas não foi positiva, já que o ministro afirmou que o bloqueio orçamentário seguirá. “Nós, evidentemente, vamos batalhar pela reversão dessa Medida Provisória”, reforçou.
Janine Ribeiro também apontou que há um histórico do Governo Federal em lutar contra demandas importantes da sociedade, atingindo instâncias máximas para inviabilizar orçamentos:
“O Governo tem, de uma maneira sistemática, vetado medidas importantes, como a própria Lei Complementar nº 177, de 2021, que proíbe o contingenciamento do FNDCT, a Lei Paulo Gustavo e a Lei Aldir Blanc 2, que focam no amparo à cultura e a lei contra a pobreza menstrual. Em todos esses casos, o Governo veta e o Congresso derruba os vetos, algo que é raro, já que é necessário um quórum mais elevado do que o habitual. Quando um veto é derrubado, isso significa que é uma medida importante para o País. Mas isso não é o suficiente porque, após a derrubada do veto, o Governo decreta uma medida provisória para inviabilizar a questão. Isso foi o que aconteceu contra o FNDCT”, concluiu.
Imediatamente após a audiência com o ministro, o presidente da SBPC convocou uma reunião com os demais participantes do encontro – Diretoria, Conselho e Secretários Regionais da própria SBPC, bem como sociedades científicas afiliadas – para avaliar a situação e decidir sobre novos encaminhamentos na luta contra a MP 1136.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência