Em 2019 será comemorado em todo o mundo o centenário do Eclipse Solar, ocorrido em 29 de maio de 1919, um acontecimento de extraordinária importância para a ciência. As medidas da deflexão da luz das estrelas na borda do Sol, feitas durante o eclipse, levaram à confirmação da Teoria da Relatividade Geral de Einstein. Ela alterou profundamente a nossa visão do Universo e superou a teoria gravitacional que Isaac Newton havia formulado em 1686. As observações decisivas foram feitas em Sobral, no Ceará, por uma equipe de astrônomos britânicos. Os resultados foram divulgados, em Londres, no dia 6 de novembro de 1919. Nos dias seguintes jornais de todo o mundo, como The Times e o The New York Times, estamparam em suas manchetes que ocorrera uma revolução na ciência: a luz se encurvava nos céus e a teoria de Einstein suplantara a de Newton.
Notável foi o fato de uma expedição britânica confirmar a supremacia da teoria de um físico alemão sobre a do maior cientista inglês um ano depois do fim da I Guerra Mundial, na qual alemães e britânicos tinham se enfrentado e que produzira milhões de mortos e feridos. A ciência surgia como uma lufada de esperança e como um símbolo de paz, em um mundo cansado e destroçado pela guerra. Estes acontecimentos fizeram com que Einstein, um cientista até então conhecido apenas por colegas físicos, se tornasse mundialmente famoso de um dia para outro.
Einstein havia previsto, em 1911, que a luz se desviaria de sua trajetória reta ao passar próximo de um corpo celeste com massa grande. Ele sugeriu que tal deflexão da luz – cuja trajetória acompanha a curvatura do Espaço-Tempo, uma das ideias centrais em sua teoria – poderia ser medida, durante um eclipse solar total, por meio de fotografias de estrelas cuja luz passasse na borda do Sol (escurecido pela Lua).
Elas seriam comparadas com fotografias das mesmas estrelas em outro momento, sem o Sol na frente, e o ângulo do desvio da luz poderia ser assim mensurado. Para isto, organizaram-se, em 1919, duas expedições britânicas: uma, dirigida por Arthur Eddington, para a Ilha do Príncipe, na costa ocidental da África, então pertencente a Portugal; e outra para Sobral, com os astrônomos Charles Davidson e Andrew Crommelin.
No dia do eclipse, 29 de maio, o tempo esteve chuvoso na Ilha do Príncipe e só 2 chapas fotográficas puderam ser aproveitadas, e com resultados bastante incertos. Em Sobral, as condições ficaram boas na hora do eclipse, que ocorreu pelas nove horas da manhã e durou cerca de 5 minutos. As 8 chapas provenientes de um telescópio de 4 polegadas, que era o aparelho menor e secundário (ou seja, o Plano B), foram consideradas muito boas. Sete estrelas, na região da borda do Sol, apareciam nelas. Após um estudo minucioso, os astrônomos Frank Dyson, Eddington e Davidson anunciaram o resultado final, em novembro de 1919, em uma imponente sessão da Royal Society e da Royal Astronomical Society. As medidas feitas em Sobral deram o valor de 1,98 segundo de arco para o ângulo de deflexão da luz. Era um ângulo próximo, dentro da margem de erro, ao previsto por Einstein: 1,75 segundo de arco (pela teoria de Newton o ângulo deveria ser a metade disto!). Einstein tinha razão!
Uma comissão brasileira, liderada por Henrique Morize, diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, fez observações sobre a corona solar durante o eclipse em Sobral. Medidas do magnetismo terrestre e de eletricidade atmosférica foram feitas pelos norte-americanos Daniel Wise e Andrew Thomson. Os astrônomos estrangeiros ficaram muito agradecidos pela recepção e pelo importante apoio logístico que receberam da comissão brasileira, das autoridades locais e da população de Sobral.
A deflexão da luz em campo gravitacional é usada atualmente para encontrar planetas fora do Sistema Solar e para inferir a presença de matéria escura no espaço. A Teoria da Relatividade Geral é a teoria da gravitação aceita pela física moderna e é utilizada para descrever o Universo. Recentemente outra de suas previsões foi comprovada: a existência de ondas gravitacionais. Curiosamente, o Nordeste brasileiro foi também o palco de observações físicas e astronômicas que ajudaram a confirmar, no século XVII, a teoria gravitacional de Newton. Elas foram citadas na sua obra magistral, Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, na qual ele expôs os princípios fundamentais da mecânica, além da teoria gravitacional que descrevia o Sistema do Mundo. Mas esta é uma outra história…
Em 2019, muitas atividades sobre o centenário deste eclipse ocorrerão no Brasil, Portugal e Ilha do Príncipe. Em Sobral há uma comissão organizadora local, uma participação intensa da população e o prefeito Ivo Gomes decretou o Ano da Ciência na cidade. Um evento internacional, com a presença de cientistas e profissionais de várias áreas, será ali realizado em maio de 2019. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e outras entidades, como a Sociedade Astronômica Brasileira e a Sociedade Brasileira de Física, além de instituições cientificas, como o Observatório Nacional, estão já realizando atividades relacionadas com o eclipse de Sobral, como exposições e debates, e programando ações comemorativas para 2019. É indispensável que o Brasil comemore e difunda internacionalmente este notável experimento científico, aqui ocorrido, e que foi, segundo a European Space Agency, “o eclipse mais importante na história da ciência”.
Em 1925, Einstein foi questionado, durante sua visita ao Rio de Janeiro, sobre a importância do eclipse de Sobral na confirmação de sua teoria. Ele escreveu, então, uma frase: “O problema concebido pelo meu cérebro incumbiu-se de resolvê-lo no luminoso céu do Brasil”. O luminoso céu do Ceará dera também partida à mais fulgurante trajetória de um indivíduo no universo da ciência.