O empreendedorismo acadêmico cada vez mais se torna uma tendência global, à qual os jovens pesquisadores devem estar atentos. No entanto, empreender, especialmente no Brasil, é uma atividade desafiadora, que exige foco, preparo e persistência, de acordo com especialistas que saíram da academia para criar seus próprios negócios. Eles falaram para uma plateia lotada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na última semana, durante a 69ª Reunião Anual da SBPC, na mesa-redonda “O que o mercado tem a dizer para a academia: startups e empreendedorismo”.
Fabrício Pamplona, co-fundador da empresa Mind the Graph, foi enfático em seu conselho para os jovens pesquisadores que desejam empreender: “atacar problemas reais, problemas que doem. Vocês devem abrir mão de projetos muito ideológicos, sonhadores, para fazer coisas que as pessoas precisam”.
Criada em 2014, a Mind the Graph é uma plataforma “faça você mesmo” de infografia que oferece uma combinação de modelos, gráficos e ilustrações para que profissionais da saúde melhorem suas apresentações e as tornem mais atrativas. “Observamos que 80% das pesquisas que existem publicadas hoje são na área de saúde. E vimos ali uma carência muito grande de comunicar a ciência de forma mais atrativa. Você consegue disseminar mais informação com um aspecto visual mais chamativo”, afirmou.
Nunca façam sozinhos
Outra dica de Pamplona é nunca entrar numa empreitada desse tipo sozinho. No caso de sua startup, ele, que é doutor em farmacologia, contou com a parceria de um designer, um desenvolvedor e outro cientista. Segundo ele, o tripé design, tecnologia e ciência foram a receita do sucesso do empreendimento. “Empreender quase sempre vai exigir sócio. Essa ideia de esconder seu projeto na gaveta é ultrapassada”, aconselha.
A dica foi reforçada por Taila Lemos, sócia-fundadora da The Corporate Garage, empresa que ajuda a criar aceleradoras corporativas. “Nunca façam sozinhos. Sempre troquem ideias. Conversem com corporações e investidores desde o dia um, e nunca parem”.
Lemos também ressalta que é importante estar sempre pronto para mudar. Ela conta que sua primeira startup começou com uma ideia totalmente diferente da empresa final. Segundo ela, esse ambiente tecnológico está cada vez mais volúvel, e exigindo inovações cada vez mais rápidas. Ela cita o exemplo das empresas listadas na S&P 500 – índice que lista as 500 maiores empresas de capital aberto. “Todas as empresas que estarão listadas no S&P 500 daqui a 15 anos ainda não nasceram. Antes, elas permaneciam, em média, 25 anos. Hoje, já caiu para 18. Portanto, esteja pronto para mudar. Se vir que vai despencar mude o curso. Sempre existe alternativa”, afirmou.
Doutora em Biologia Molecular e Celular pela Unicamp, co-fundadora e membro do Conselho da Campinas Startups – aceleradora de startups sem fins lucrativos – Lemos se intitula uma “empreendedora serial”: “Eu sou cientista, mas sou boa em ver onde a ciência pode ser bem empregada”. Segundo ela, falta ousadia no Brasil para inovar mais. “Vejam quantos CEOs são brasileiros, quantos cientistas do nosso país estão nos grandes laboratórios internacionais. Temos muita gente boa. Precisamos usar isso: ousar, pensar global”.
Segurança no investimento
A falta de uma cultura empresarial é um fator que reprime essa ousadia no Brasil, segundo Pamplona. “O Brasil, por não ter uma cultura empreendedora, tem um perfil mais conservador em termos de startups”, observou.
Maria Alice Frontini, executiva de gestão estratégica tecnológica e investidora da Anjos do Brasil – organização de fomento ao investimento anjo (efetuado por pessoas físicas em startups) e apoio ao empreendedorismo de inovação -, explica que os investidores, de fato, tendem a buscar projetos que já estejam em estágios mais avançados, com alguma demanda e receita. “Até chegar a um protótipo, o investidor-anjo não vai dar bola. O empreendedor quer voar, mas o anjo quer pragmatismo. E existe um abismo entre ideia e protótipo”.
Pragmatismo, segundo ela, não significa conservadorismo. Mas, sim, a garantia de que a ideia terá condições de ter um mercado significativo. “Infelizmente, no Brasil, ainda temos poucas startups interessantes. A gente busca inovação, seja de produto ou processo, que não seja facilmente copiável, e que tenha relevância”.
Segundo ela, o medo de errar é um obstáculo que precisa ser superado quando se pensa em começar um negócio inovador. “Os empreendedores de sucesso sempre erram. Mas é bom errar rápido”.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência