O que podemos esperar da 5ª Conferência

No editorial da sessão especial do JC Notícias desta sexta-feira, a Diretoria da SBPC elenca pontos importantes a serem definidos na elaboração do Sistema Nacional de CTI

WhatsApp Image 2024-07-26 at 16.15.11É bem-vinda a iniciativa do Governo Federal de convocar, catorze anos após a anterior, a 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Já não era sem tempo, diríamos, mas as causas da demora são claras: em 2015, o Brasil entrou numa crise política e econômica – e, depois, moral – da qual somente a alto custo saiu ou ainda está saindo. A administração anterior à atual, que foi negacionista em relação à ciência, à saúde, ao meio ambiente, à educação, cultura e inclusão social, não colocaria metas nem estratégias de desenvolvimento em nenhuma destas áreas, como de fato não colocou.

Conferências nacionais marcaram várias políticas governamentais do Brasil, desde o começo do século XXI. Em primeiro lugar, elas mobilizam atores os mais variados, de todas as regiões e, mais que isso, todas ou quase todas as microrregiões do País. Elas formam um esquema de política que vem de baixo para cima, e não de cima para baixo, em que se procura motivar todos os interessados – e, em qualquer das áreas que acima mencionamos, ciência, saúde, educação, cultura, meio ambiente e inclusão social, todos são interessados pelos temas. O objetivo é que eles não sejam apenas afetados pelos temas, mas se interessem por eles, ativamente.

A 5ª CNCTI reuniu atores numa escala ímpar: o número de conferências de todo naipe é bem maior que nas anteriores. Mas isso mesmo coloca, para ela, uma exigência elevada. Por sinal, ela se realiza após outras conferências nacionais – seis meses depois da de Educação, um ano depois da de Saúde – e quase na metade do mandato presidencial. Tudo isso requer, dela, que seja um sucesso.

E qual será o sucesso da 5ª CNCTI? Faltando pouco mais de dois anos ao atual governo, ela precisará definir metas de longo prazo – dez anos, idealmente, que cobririam também os próximos dois mandatos presidenciais, e que constituem uma duração prudente para investimentos que possam trazer resultados. Isso significa que definirá políticas de Estado, não apenas de governo. Mas há que tecer aqui algumas observações sobre os efeitos possíveis da Conferência.

Ela obviamente levará a uma definição dos pontos em que devemos investir. Quase dez anos de paralisia e mesmo desmonte das organizações de pesquisa – e não só delas – precisam ser revertidos. Concursos públicos, atualização de equipamentos, salários dignos são necessários – e isso, num momento em que as finanças públicas se ressentem da demagogia do governo anterior, bem como de um sistema tributário que continua injusto, porque não cobra de quem pode (e deve) pagar. É importante escalonar prioridades, de todo modo. Como pode o Brasil, por meio da ciência, realizar seus potenciais? Num período da História em que praticamente todo desenvolvimento depende dos aportes científicos, priorizar a investigação é essencial.

Mas há outros pontos a considerar. Primeiro: o Brasil aprendeu com o SUS. O Sistema Único de Saúde é um dos grandes feitos da Constituição de 1988. Daí que, ao longo dos anos, a ideia de sistemas que articulem as ações federais, estaduais e municipais tenha se difundido pelas mais variadas áreas.

O Sistema Nacional de CTI precisa ser desenhado. Enquanto sistemas de saúde e de educação têm um ator claramente definido para a União, cada Estado e cada município, na ciência é diferente. Além do MCTI, temos as alterações climáticas, no novo nome do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, uma secretaria de ciência no da Saúde, não esquecendo a Capes, no MEC. Além disso, cada Estado conta, não apenas com uma Secretaria de CTI, como também com uma Fundação de Amparo à Pesquisa que, nos casos mais bem sucedidos, é autônoma em relação ao respectivo governo. Já no plano municipal, são poucas as secretarias dedicadas ao tema.

Articular todas essas entidades não é trivial, ou seja: é importante, é desejável e necessário, mas requer uma arquitetura delicada. Obviamente a direção do Sistema Nacional deve caber ao MCTI, mas ele não é o mais rico dos ministérios envolvidos. Porém, se não tivermos um relacionamento claro entre todos os atores governamentais, correremos o risco de perder oportunidades.

Segundo ponto: Estratégia e Plano Nacionais de CTI. É preciso que sejam definidos logo. Aqui estarão elencadas as prioridades nacionais e uma folha de rota. Aliás, o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, que deverá ser divulgado durante a Conferência, uma vez aprovado na reunião do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia prevista para o dia 29 de julho – véspera da abertura da CNCTI – constitui o braço mais ambicioso do que o MCTI propõe. Ele pode e deve colocar o Brasil numa posição de destaque na produção e colheita do que a IA tem trazido para a sociedade, a economia e o Estado. Porém, há igualmente que estabelecer a Estratégia e o Plano Nacionais de CTI.

Obviamente há outros pontos importantes, além da IA. A Estratégia de 2016 começava falando da Defesa. Hoje, parece que a prioridade deva ser a vida e a saúde. A expectativa de vida ao nascer continua crescendo, apesar do baque causado pela pandemia. A qualidade da vida aumenta, embora isso acarrete um constante aumento dos custos da saúde, bem superior a qualquer outro componente da, digamos, cesta básica. A educação exige ciência em dois aspectos: primeiro, que se ensine bem a ciência – todas as ciências, inclusive as humanas – na escola básica; segundo, que a ciência ajude o ensino. A ciência não deve ser apenas o tema da educação; esta deve, também, inspirar-se em pesquisas científicas, como as que o INEP realiza há anos, mas indo mais além, de modo a garantir um aprendizado de qualidade. E por aí vamos.

Finalmente, temos a questão do financiamento. O Brasil perdeu uma década. A conta está alta, e está muito difícil conseguir fundos para pagá-la. Assistimos, com preocupação, à campanha incansável dos setores reacionários da sociedade para preservar seus privilégios, o que fazem garantindo que os mais ricos não sejam tributados de maneira justa e propondo o corte dos investimentos destinados a capacitar os mais pobres a prosperarem. Enquanto não se reduzirem as odiosas desigualdades sociais que subsistem em nosso País, ele não se desenvolverá o quanto pode e merece. A SBPC aprovou, em sua 76ª Reunião Anual, recém-encerrada em Belém do Pará, um apelo para uma tributação justa, que cobre mais da renda e do patrimônio, de modo que o Brasil possa ter os fundos necessários para se desenvolver realmente. O dia seguinte à 5ª CNCTI precisará de recursos, é necessário buscá-los onde estão.

Diretoria da SBPC

Veja as notas do Especial da Semana – 5ª Conferência de Ciência, Tecnologia e Inovação

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Radis – Ciência é política de Estado

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Anprotec, 11/12/2023 – Luciana Santos destaca a importância da mobilização da sociedade para construção da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação

5 CNCTI, 22/07/2024 – Conheça os temas mais discutidos nas reuniões preparatórias para a Conferência Nacional 

5CNCTI, 18/07/2024 – Balanço das Conferências Livres é realizado entre organização e coordenadores da 5ª CNCTI

JC Notícias – O caleidoscópio e a 5ª CNCTI

Folha de S. Paulo, 08/07/2024 – A ciência venceu

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Rafael Revadam – Jornal da Ciência, 18/07/2024 – Comissão da 5ª CNCTI lança e-books com resultados de conferências preparatórias

Jornal da Ciência, 18/04/2024 – A efervescência da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação

Jornal da Ciência, 15/04/2024 – Programação preparatória para a 5ª Conferência Nacional de CT&I chega a mais de 180 eventos

5CNCTI, 30/04/2024 – “Estamos empenhados em reduzir as assimetrias regionais” fala a ministra Luciana Santos na etapa Centro-Oeste da 5ª CNCTI

 5CNTI, 25/04/2024 – O futuro da ciência precisa da divulgação científica

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