João Evangelista Steiner apresentou a conferência “Buracos Negros: de
Albert Einstein às ondas gravitacionais” na cerimônia de abertura da Reunião
Regional da SBPC em Palhoça, nesta quarta-feira, 5 de outubro
O impacto da detecção das ondas gravitacionais, anunciada em
fevereiro deste ano, foi o tema da conferência que abriu oficialmente a Reunião
Regional da SBPC em Palhoça, nesta quarta-feira, 5 de outubro. O astrofísico
João Evangelista Steiner proferiu a palestra “Buracos Negros: de Albert
Einstein às ondas gravitacionais” para uma plateia de mais de cem pessoas e
destacou que essa descoberta marca o nascimento de uma nova disciplina
científica, a astrofísica de ondas gravitacionais.
“Esse ano de 2016 é um ano extremamente especial,
relacionado aos buracos negros e por conta das ondas gravitacionais, cuja
descoberta foi anunciada este ano”, disse.
Catarinense de São Martinho, pequena cidade próxima a
Palhoça, Steiner percorreu toda a trajetória de grandes estudos científicos,
desde 1915, quando Albert Einstein desenvolveu a teoria da relatividade geral,
até 2016, quando foi anunciado que as ondas gravitacionais foram detectadas
pela primeira vez.
“Faz 100 anos que a matemática dos buracos negros foi formulada.
E faz exatamente 100 anos que as ondas gravitacionais foram previstas. Durante
um século se procurou detectá-las e só foram descobertas agora. Foi um momento
muito especial para a astrofísica esta descoberta”, comentou o astrofísico, que
foi tesoureiro e secretário geral da SBPC, entre os anos de 1990 e 1993.
Steiner contou que no ano de 1915, Albert Einstein estava
trabalhando intensamente na formulação da teoria da relatividade geral. Esta
teoria é a generalização da teoria da relatividade especial, divulgada em 1905,
que diz que o espaço e o tempo são relativos e eles dependem da velocidade do
referencial em que você viaja – mas ela só se aplica a referenciais inerciais
(em movimento retilíneo uniforme). Dez anos depois, Einstein generalizou a
teoria da relatividade para referenciais acelerados.
Nessa época, conta Steiner, um famoso astrofísico, chamado
Karl Schwarzschild, foi convocado para servir no exército alemão na 1ª. Guerra
Mundial. No front de guerra, o cientista
ficou doente e foi hospitalizado. No hospital, tomou conhecimento da
teoria da relatividade geral que Einstein havia acabado de publicar e, no leito
do hospital, encontrou a solução para as equações de Einstein. Ele criou,
assim, o chamado raio de Schwarzschild, que diz que quando um corpo tem um raio
igual a este, muito pequeno, a aceleração é infinita, o que explica o buraco
negro. “O buraco negro tem um corpo tão denso, que a aceleração fica infinita,
derivado das equações da teoria da relatividade geral”, explica o astrofísico.
Mas, por décadas, não havia nenhuma evidência científica
para dizer o contrário. Tanto é que, em 1939, Einstein publicou um artigo
afirmando que os buracos negros não existiam na natureza.
Primeiras evidências
No entanto, conforme conta Steiner, em 1962, foram
descobertas as estrelas de nêutrons – estrelas tão densas, que teriam a massa
de um sol concentrada em um volume de raio de 10 quilômetros. “Isto implica uma
densidade dez trilhões de vezes maior que a densidade da água”, compara o
cientista.
Logo em seguida, em 1967, foi descoberto nessa nebulosa de
estrelas de nêutrons o pulsar, que são
pulsos de rádio que emitiam 33 pulsos por segundo. “A interpretação é que se
trata de uma estrela muito compacta, que dá 33 voltas ao redor do seu eixo por
segundo. Nessas estrelas de nêutrons o raio é muito parecido com o raio de
Schwarzschild, algo muito próximo de um buraco negro. E hoje sabemos que se uma
estrela de nêutrons aumentar um pouco a sua massa, ela vai encolher e,
finalmente, se transformar em buraco negro”, conta Steiner.
Buracos negros
Segundo o cientista, na última década confirmou-se a
existência de um buraco negro supermassivo no centro da Via Láctea e que esses
elementos exercem grande influência na formação do universo: as galáxias são do
jeito que elas são por causa dos buracos negros massivos nos seus centros.
Descobriu-se também como medir a rotação deles. “Os buracos negros são objetos
muito simples – são medidos apenas por sua massa e pela rotação”, disse.
Entretanto, não é possível ver o que existe dentro de um
buraco negro. Steiner conta que o que se observa é a radiação emitida pelo gás
imediatamente antes de penetrar o buraco negro. Essa radiação é explicada pela
Lei da Conservação de Energia: a energia gravitacional desse gás é transformada
em energia cinética quando acelerado; nesse disco que se forma ao redor do
buraco negro, órbitas mais internas giram mais rápidas e as mais externas, mais
lentas, o que gera atrito, aquecendo o disco e transformando energia cinética
em térmica; esse aquecimento chega a 100 milhões de graus. Um gás aquecido a
essa temperatura emite raios-X, energia radiativa, que é o que se observa.
“Quando se tem uma superfície de aceleração infinita, nada escapa, nem a luz.
Para um observador externo, não é possível enxergar nada ali dentro, e é por
isso que são chamados buracos negros.
Quando dizemos que observamos buracos negros, estamos observando a
radiação que vem da vizinhança imediata do buraco negro”, comenta.
Todas as estrelas que nasceram com mais de 20 vezes a massa
do sol se transformam em buraco negro estelar. Não se sabe quantos existem na
nossa galáxia, no entanto. Já foram observados cerca de 20 buracos negros, mas
sabe-se que já morreram mais de dez milhões de estrelas desse tipo.
O grupo de pesquisa de Steiner trabalha neste momento em um
estudo para medir qual é a fração de galáxias que têm buracos negros super
massivos no seu centro.
Para se ter uma ideia, a nossa galáxia tem um buraco negro
de 4 milhões de vezes a massa do sol em seu centro. Isso não é muito grande,
conforme aponta o cientista, pois tem galáxia que possui um buraco negro de 5
bilhões a massa do sol em seu centro.
Ondas gravitacionais
Steiner disse que a detecção das ondas gravitacionais está
totalmente ligada aos estudos sobre os buracos negros. Ele explica que ondas gravitacionais são a
oscilação do espaço. “É como se a separação entre dois corpos oscilasse. E
detectar isso é extremamente difícil”, contou.
Mas dois buracos negros, quando giram um em torno do outro
emitem uma enorme quantidade de ondas gravitacionais. “Qualquer massa que
oscila emite onda gravitacional, nosso corpo, por exemplo, a Terra em torno do
Sol é uma massa oscilante que produz essas ondas. Mas tudo isso é tão fraco que
é impossível detectar. Mas os buracos negros, por possuírem massa gigantesca,
emitem uma energia gravitacional muito grande, que é possível detectar”, disse.
Os Estados Unidos construíram o maior detector dessas ondas,
chamado Ligo (sigla para Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria
Laser). Um sítio de observação está em Louisiana e outro em Washington. Em 14
de setembro de 2015 os dois sítios detectaram a fusão de dois buracos negros,
que produziu 50 vezes mais energia do que a soma de todas as estrelas de todas
as galáxias de todo o universo. E isso mostrou como a onda gravitacional foi
sendo produzida à medida que os buracos negros se aproximavam. Depois, em 26 de
dezembro de 2015, foi detectado um evento semelhante. O que se observou
confirmou a previsão teórica, que foi anunciada em fevereiro deste ano.
“O ano de 2016 vai ficar marcado para os astrofísicos.
Nasceu uma nova disciplina científica: a astrofísica de ondas gravitacionais. E
agora temos uma nova maneira de ver a evolução do universo. Com certeza,
teremos grandes surpresas”, concluiu.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência