Nove em cada dez brasileiros acham que o governo deve aumentar ou manter os investimentos em pesquisa científica e tecnológica nos próximos anos, mesmo em momentos de crise. E apenas 6% acha que é preciso reduzir investimentos. Estes dados fazem parte da 5ª edição do estudo “Percepção Pública sobre Ciência e Tecnologia no Brasil”, lançado nessa segunda-feira, 21 de julho, pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).
Os resultados da pesquisa foram apresentados na 71ª Reunião Anual da SBPC, que acontece esta semana na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande. A SBPC é um dos apoiadores do levantamento.
Percepção crescente ao longo dos anos, nesta 5ª edição do estudo foi constatado que 86% das pessoas crê que a pesquisa científica é essencial para a indústria. O mesmo percentual vê a C&T como um meio para gerar mais oportunidades. “Isso demonstra o prestígio social que a ciência tem entre os brasileiros. As pessoas que atacam a legitimidade da ciência são uma minoria, e o fazem por motivos escusos. A grande maioria dos brasileiros apoia a ciência e isso é uma constante observada ao longo de três décadas”, conta Yurij Castelfranchi, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos colaboradores do estudo.
Segundo o estudo, 73% dos brasileiros acreditam que ciência traz mais benefícios do que malefícios à sociedade. E apenas 4% pensa o contrário. Dos entrevistados, 62% declararam ter muito interesse ou algum interesse por C&T. “Em tempos de crise, a tendência é que a confiança das pessoas caia em tudo. Mas observamos nesse estudo que um percentual relevante de pessoas está interessado em ciência”.
Para o levantamento, foram entrevistadas 2200 pessoas, entre 16 e 75 anos, de todas as regiões do Brasil. “Os entrevistadores bateram nas portas das casas, do Amazonas ao Rio Grande do Sul”, conta o professor da UFMG. O estudo analisou diversas variáveis e testou as correlações. Entre os achados, foi observado que ao invés de uma polaridade de grupos que apoiam 100% a ciência, de um lado, e os anti-ciência, de outro, identifica-se entre os brasileiros perfis de públicos com posicionamentos e atitudes diferentes e complexas com relação à ciência. “A gente tende a achar que o que falta é conhecimento. E os dados mostram que nem sempre é sobre conhecimento. Engajamento político, moral, religioso pesam muito nas atitudes com relação à ciência.”
Uma das novidades na edição de 2019 da pesquisa Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil é o levantamento sobre a familiaridade dos brasileiros com fatos ou noções elementares ligados à C&T e relacionados ao cotidiano. Os resultados demonstram alto desconhecimento a respeito de temas básicos. Por exemplo: a maioria dos participantes que afirmaram ter interesse em C&T apontou a saúde como tema relevante. No entanto, 78% acha que os antibióticos têm a finalidade de matar vírus.
Quanto à credibilidade e confiança, cientistas e médicos são os profissionais considerados como fontes mais confiáveis de informação. Os jornalistas estão em terceira colocação, seguidos por religiosos. “Analisando o oposto, as fontes menos confiáveis, ninguém citou os cientistas e os médicos, em uma lista onde políticos, jornalistas e artistas figuram entre os que têm menos credibilidade junto ao público”, comenta Castelfranchi. Para 41% dos entrevistados, os cientistas são considerados “pessoas inteligentes que fazem coisas úteis à humanidade”.
Apesar da credibilidade em universidades e pesquisadores, 90% dos entrevistados não soube apontar o nome de algum cientista e 88% não se lembrava de nenhuma instituição de ciência, nem mesmo universidades. “Transmitimos demais ciência internacional e estamos falhando em mostrar a cara dos cientistas brasileiros”, observou o pesquisador. Curiosamente, as pessoas que mais usam plataformas sociais tendem a ser as que têm menos conhecimento sobre as instituições de pesquisa.
A distância entre os brasileiros e a ciência parece ter diminuídos nos últimos 30 anos: enquanto em 1987, na primeira edição do estudo, 27% dizia não ter nenhum interesse por ciência, já nesta 5ª edição, apenas 14% declara que não tem interesse pela área.
Também nessas três décadas a assimetria entre homens e mulheres interessados por ciência foi reduzida e hoje o percentual de interessados é praticamente o mesmo entre os dois grupos. Um fator que pode ter impactado é que, da mesma forma, as mulheres alcançaram os homens em nível de escolaridade. “Mas as assimetrias entre pobres e ricos não mudaram nesses anos”, lamenta Castelfranchi. Os brasileiros mais pobres continuam tendo menor nível de escolaridade, e menos acesso à ciência. “O que realmente modula o conhecimento no Brasil são mais os fatores sociais que os cognitivos”, disse Castelfranchi.
Respaldo para políticas públicas
Resultado de uma demanda do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) ao Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), o objetivo da pesquisa é conhecer a visão, o interesse e o grau de informação da população em relação à C&T no País. A iniciativa contou, ainda, com a colaboração da SBPC e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia.
“Esse estudo traz resultados qualificados sobre o que os brasileiros pensam da ciência e dos cientistas. Esses resultados podem nortear políticas públicas fundamentais para o País. É importante demonstrarmos que a maioria dos brasileiros incentiva o aporte de mais recursos para CT&I”, comentou o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, colaborador do estudo.
Márcio de Miranda Santos, o presidente do CGEE, destacou a importância da continuidade do estudo, realizado pela primeira vez em 1987, depois em 2006, 2010, 2015, até esta 5ª edição, de 2019. “É necessário manter essa série histórica viva. A evolução desses dados fundamentam políticas públicas, influenciam nosso legislativo na hora de definir o orçamento anual.”
“É uma pesquisa de alta qualidade, que mostra que a população apoia a ciência e tecnologia. Temos mais respaldo para conseguir mais recursos junto ao governo”, declarou Marcelo Morales, secretário de Políticas para Formação de Ações Estratégicas do MCTIC.
A pesquisa pode ser acessada no site www.cgee.org.br.
Daniela Klebis – Jornal da Ciência