Uma das três ganhadoras do Prêmio Nobel de Física de 2023, a pesquisadora Anne L’Huillier, da Universidade de Lund (Suécia), teve contato com a ciência brasileira entre os anos de 1988 e 1990. Junto ao professor Anderson Gomes, da Universidade Federal de Pernambuco, L’Huillier escreveu dois artigos sobre a técnica que lhe traria o reconhecimento mundial décadas depois. Para Gomes, essa é apenas uma das histórias que mostram a importância dos programas científicos de cooperação internacional.
“Eu tinha acabado de voltar do doutorado, na Inglaterra, e lá trabalhei em um tema que estava em alta na época, que é a geração de pulso curto usando uma técnica com fibra óptica. Quando cheguei ao Brasil, existia um programa de cooperação internacional entre o País e a França nessa mesma área. Conheci o chefe da pesquisa em Recife e fui convidado a ir para a cidade de Saclay colaborar com eles”, conta o professor, que foi conselheiro da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) entre 2019 e 2023.
A linha de pesquisa que Gomes atuou foi na área de geração de altos harmônicos, que consiste em criar pulsos de luz extremamente rápidos para capturar a movimentação de elétrons dentro de átomos e moléculas. Nos três anos em que frequentou o Centro de Energia Atômica do território francês, o pesquisador auxiliou na montagem do sistema que gerava esses pulsos de luz. Lá, trabalhou diretamente com L’Huillier e assinou dois artigos em coautoria: um sobre o equipamento em si e outro sobre seu funcionamento.
“A gente está falando de fazer uma fotografia, de poder estudar o elétron dentro do átomo”, explica Gomes. E o desafio é pegar o movimento dos elétrons, já que eles se movem a uma velocidade de attosegundo, o que corresponde a um quintilionésimo de segundo. “Para se ter uma ideia, o universo tem quase 14 bilhões de anos. O número de segundos que tem na idade do universo é o número de attosegundos que tem em um segundo.”
“Essa técnica vai poder ser aplicada na biomedicina e na identificação de diagnósticos, por exemplo, pela identificação de materiais a nível molecular, além de impactos na área industrial”, complementa Gomes.
E o Brasil, onde fica nesse cenário? Para o pesquisador, o País tem pelo menos dois laboratórios capazes de produzir estudos avançados na área: no IPEN (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), que fica em São Paulo, e na própria Universidade Federal de Pernambuco, onde atua. Entretanto, é necessário um olhar governamental para a área.
“Vários brasileiros trabalharam com pessoas que ganharam prêmios Nobel, um dos grandes casos é o do pesquisador César Lattes. Ou seja, o Brasil tem potencial para ser reconhecido mundialmente, mas precisa transformar esse potencial em algo concreto. O que falta ao nosso País é, ao identificar áreas promissoras, que se tenha um projeto de ciência nacional para investir ao longo prazo, tendo a consciência de que são áreas estratégicas para o nosso futuro. E a internacionalização, a mobilidade de pesquisadores, é essencial nesse processo”.
Rafael Revadam – Jornal da Ciência