Para representante da ONU Mulheres, desenvolvimento sustentável só é possível com igualdade de gênero na ciência

Em audiência pública, no Senado Federal, a presidente da SBPC enalteceu a participação da mulher na ciência, defendeu a descriminalização do aborto e criticou o obscurantismo no conhecimento

Em audiência pública, no Senado Federal, a presidente da SBPC enalteceu a participação da mulher na ciência, defendeu a descriminalização do aborto e criticou o obscurantismo no conhecimento

Não é possível alcançar o desenvolvimento sustentável no mundo se homens e mulheres não tiverem direitos iguais. A constatação é de Joana Chagas, gerente de Programas da ONU Mulheres, em audiência pública realizada no Senado Federal, na tarde de quarta-feira, 26, sob o tema “Mulheres na Ciência”. O evento foi realizado pela Procuradoria Especial da Mulher do Senado e pela Embrapa, que comemora seus 44 anos de existência.

A representante do organismo internacional lembrou que a agenda para o desenvolvimento sustentável da ONU, aprovada em 2015, inclui a igualdade de gênero entre os 17 objetivos do documento para 2030. “A igualdade de participação de mulheres e meninas na ciência é um direito fundamental e um meio pelo qual as mulheres podem atingir suas aspirações na vida”, observou.

Segundo Chagas, o mercado de trabalho vem mudando rapidamente e uma nova onda de inovações deve transformar vidas nas áreas de ciência e tecnologia, e isso deve ser encarado como uma oportunidade para promover mais igualdade entre os gêneros.

“Empregos que não existem hoje serão comuns daqui a 20 anos e isso significa que a força de trabalho futura terá que desenvolver e alinhar suas habilidades para corresponder às novas necessidades do mercado de trabalho”, disse e acrescentou: “isso também significa que temos uma grande oportunidade de mudança, porque as mulheres continuam sendo minoria em instituições de pesquisa e em organismo decisórios da área da ciência.”

A representante da ONU afirma ainda que as mulheres e meninas devem ser empoderadas em todos os níveis, seja na aprendizagem, na pesquisa, na administração, no ensino e em todos os campos científicos. “O mundo precisa da ciência e a ciência precisa das mulheres. Em termos econômicos a participação das mulheres é uma necessidade”, analisou.

A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) observou o avanço feminino na área do conhecimento. “A participação da mulher está sendo mais rápida e mais evidente, exatamente pela forma, porque na ciência se entra pela capacidade. Isso não significa dizer que está tudo bem, mas estamos trilhando um bom caminho”, acrescentou. O conteúdo da audiência será publicado em Anais, conforme prometido pela deputada Jô Moraes (PCdoB-MG).

Exatas

Embora a participação da mulher brasileira na ciência tenha crescido consideravelmente nas últimas décadas, os homens ainda dominam o conhecimento na área de exatas, disse a cientista Maria Emília Walter, decana de Pesquisa e Inovação da Universidade de Brasília (UnB), em sua apresentação.

Segundo Walter, hoje as mulheres respondem por 50% da produção científica, a maioria nas áreas de humanas. Já nas áreas de ciências da computação e matemática os homens representam 75% do total. Ao passo que as mulheres são apenas 25%.

A cientista afirmou ainda que as mulheres representam a minoria na ocupação de cargos de gestão em áreas mais duras do conhecimento. Nesse contexto, ela defendeu a criação de projetos de lei que possam estimular a posição de liderança da mulher em cargos de gestão e,  também, a publicação de editais de fomento com o intuito de estimular a liderança feminina no  País.

Com base em dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Embrapa afirmou que as mulheres respondem por 59% do acesso de bolsas de iniciação científica. Por outro lado, os mesmos dados revelam que em 2015 o público masculino liderou o acesso às de Bolsas de Produtividade de Pesquisa para pesquisadores de destaque, com mais de 70%, enquanto o aceso às mulheres limitou-se em 24%.

Destaque da mulher na ciência

A presidente da SBPC, Helena Nader, ressaltou dados internacionais que mostram o destaque das mulheres brasileiras na ciência. “A mulher brasileira está fazendo ciência de alto impacto nacional e internacional”, disse ela, que citou artigos publicados, por exemplo, na revista Nature e dados do Scopus, a maior base de dados de citações e resumos de literatura revisada por pares (periódicos, livros e conferências).

A cientista chamou ainda a atenção para o estudo publicado pela Elsevier, em março deste ano, que mostra o Brasil na dianteira em igualdade de gênero na ciência, à frente da União Europeia, Estados Unidos e Portugal, por exemplo.

O estudo aponta a liderança das mulheres brasileiras na publicação de artigos científicos, responsáveis pela produção de 49% dos artigos no País. Portugal também atingiu a mesma marca. A diferença é que, entre 2011 e 2015, as mulheres brasileiras aparecem como autoras de mais 150 mil artigos científicos, enquanto que as portuguesas aparecem como autoras em cerca de 27 mil papers – cinco vezes menos.

A porcentagem de mulheres que publicaram artigos científicos cresceu 11 pontos desde 1996 no Brasil. Para se ter uma ideia, enquanto no Brasil e em Portugal, praticamente metade dessas publicações são assinadas por mulheres, nos Estados Unidos, Reino Unido e na França a parcela é 40%. Já no México e no Chile, elas correspondem a 38% dos autores.

Outro destaque é que o Brasil figura entre os países com maior proporção de mulheres inventoras (19%) entre 2011 e 2015, atrás apenas de Portugal (26%). O Japão teve a menor participação, com apenas 8%.

Marcha pela Ciência 

Nader também defendeu a continuidade da Marcha pela Ciência no Brasil e enalteceu o resultado obtido no último sábado, quando a mobilização aconteceu em mais de 20 cidades pelo País. “Infelizmente, não tivemos o número de pessoas como aconteceu em Washington, porque lá a cultura é diferente. Mas o que tivemos aqui foi altamente qualificado. Temos de continuar”, defendeu.

A presidente da SBPC esclareceu ainda que o objetivo da mobilização realizado no País foi o de questionar a desvalorização da ciência e a tendência ao obscurantismo, a exemplo de outros países, que vêm negando as evidências científicas. “É contra isso que estamos lutando: contra o obscurantismo. E o nosso País está entrando no obscurantismo, sim. O nosso País está negando evolução”, disse Nader, que também reiterou críticas sobre a tramitação de projetos de lei que criam o programa Escola sem Partido.

Ela defendeu ainda a descriminalização do aborto. “Não sou a favor do aborto. Mas defendo a descriminalização. A maioria das mortes por decorrência de abortos são de mulheres pobres. Não pode haver essa separação entre quem tem recursos e quem não tem recursos. Os hospitais privados fazem; enquanto a mulher pobre é presa e algemada. Essa é uma realidade sobre a qual nós mulheres não podemos nos calar”, acrescentou a cientista, que defendeu ainda a laicidade do Estado brasileiro. “Essa é uma pauta que não podemos nos omitir”.

A presidente da SBPC também fez elogios à Embrapa que, segundo observa, está mantendo a economia brasileira pujante, assim como a Petrobras, em razão dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação. “Sem ciência, este país não andará para frente. Ciência e educação são investimentos”.

Viviane Monteiro – Jornal da Ciência