“Eu acho a natureza fascinante. Porque, assim como no passado, ela continua surpreendendo.” A declaração da farmacóloga e professora titular do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Vanderlan da Silva Bolzani resume bem a fonte inesgotável de conhecimento que a natureza é para a pesquisa científica. Na conferência “Bioprospecção da Flora Brasileira, Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade”, realizada nessa quarta-feira, 19, no ciclo de debates da 69ª Reunião Anual da SBPC, a professora detalhou a importância dessa jornada de descobrimento da flora para o mundo químico e fármaco, além de apontar os desafios pelos quais passam os pesquisadores desse campo.
Um desses desafios do estágio atual de pesquisa da biodiversidade é a academia alinhar-se também com os anseios da indústria, uma vez que um dos grandes caminhos abertos com as crises econômicas é justamente o crescimento da busca por medicamentos fitoterápicos, por exemplo. “A pessoa que acha uma folha de uma planta, aquilo é uma caixa de dólares cheia de substâncias que nós usamos, nem sempre de forma sustentável”, analisou Bolzani. A busca de curas para doenças sem prejudicar o equilíbrio ecológico é um dos grandes paradigmas da atualidade. Sem contar o papel do processo científico de catalogar a biodiversidade e, assim, contribuir para que os biomas sejam explorados de forma sustentável.
Imitando a natureza
Uma das saídas sustentáveis apontadas pela professora é justamente investir no conhecimento mais profundo dos mecanismos de como as substâncias naturais geram seus efeitos. E, para esse trabalho, não basta apenas a análise científica pura, mas também é necessário um olhar sobre os conhecimentos tradicionais. Lição apreendida pela China, que hoje possui um vasto catálogo científico sobre o funcionamento da medicina herbal. “Nós temos uma das maiores biodiversidades do mundo e um grande conhecimento tradicional, mas não temos isso catalogado”, lamentou a especialista.
Essa compreensão, como frisou Vanderlan Bolzani, é fundamental para que se possa trabalhar com a flora de forma sustentável. “Com isso é possível imitar a natureza ao invés de destruí-la. Esse é o nosso grande sonho.” Transformar esse sonho em realidade não depende apenas da ciência, mas também da política. Ações importantes que incentivavam a catalogação, como o SISBiota do CNPq, acabaram sendo descontinuados, embora seus efeitos permaneçam e mereçam um contínuo olhar sobre os dados coletados. Isso sem contar os obstáculos impostos pela legislação vigente da biodiversidade.
A professora criticou as rígidas regras impostas pela legislação brasileira que, a seu ver, transformaram a bioprospecção em “uma palavra demoníaca”. Essa nova ótica, que criminaliza a coleta de materiais, pode prejudicar os estudos dos biomas ainda pouco estudados, como a caatinga e o cerrado. Ainda assim, a natureza é tão rica que, mesmo analisando apenas os materiais já coletados, trabalho não falta para os pesquisadores. “As plantas coletadas no passado são suficientes para estudar nos 50 anos para frente”, declarou a professora.
Mariana Mazza – para o Jornal da Ciência