Cientistas ainda não chegaram a um consenso sobre a participação do país em grandes experimentos científicos internacionais
Após três anos de discussão e de um longo processo, o Brasil, finalmente, participará como membro associado da Organização Europeia de Pesquisas Nucleares (Cern, na sigla em francês), o maior laboratório de física do mundo, sediado em Genebra. Na reunião do Conselho Executivo do Cern, na última quinta-feira (12/12), os membros deram cartas brancas para o Brasil aderir ao laboratório, depois de avaliar que a situação brasileira atende às suas exigências. A informação foi confirmada pelo Itamaraty, segundo o físico Ronald Shellard, pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).
O acordo de adesão será submetido ao governo federal que o encaminhará, futuramente, ao Congresso Nacional. Hoje alguns laboratórios de física do Brasil já cooperam com os projetos do Cern. O laboratório opera, desde 2008, o maior acelerador de partículas do mundo, o famoso LHC (Large Hadron Collider) que confirmou a existência do bóson de Higgs, o que rendeu o Prêmio Nobel de Física de 2013.
Divergências
Apesar de anos em discussão, cientistas ainda não chegaram a um consenso sobre a adesão do Brasil a grandes experimentos científicos internacionais como os do Cern e o Observatório Europeu do Sul (ESO, na sigla em inglês). Considerado o maior telescópio óptico do mundo, o ESO pertence a um consórcio de pesquisa em astronomia, composto por 14 países da Europa. O Brasil pode se tornar o primeiro país não europeu a participar da construção desse telescópio.
O assunto é polêmico. Por um lado, um grupo de cientistas defende a participação brasileira em prol do avanço científico nacional. Por outro, especialistas consideram os custos desses projetos elevados para o Brasil, diante da baixa participação que teria nas pesquisas. Com esse argumento, recomendam que o governo invista em outras alternativas, com custo menores. Aconselham também que se dê prioridade a programas nacionais inovadores, em andamento no Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Professor titular do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), o astrofísico João Evangelista Steiner, do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), é contra o Brasil participar do ESO em decorrência do elevado custo que o país teria, em contrapartida, ao redor de R$ 800 milhões, além de parcelas anuais superiores a R$ 300 milhões.
O entendimento de Steiner é de que a relação custo-benefício do projeto ESO para o Brasil é “baixíssima”, diante da “pouca” participação ou aproveitamento que o país teria nas pesquisas internacionais, mesmo injetando milhões no projeto. Assim, Steiner calcula que os investimentos brasileiros podem implicar em subsídio à ciência europeia, o que ele considera injusto.
“Sou contra isso porque não temos esses recursos. E se os tivéssemos, seria justo dar essa quantidade de dinheiro do contribuinte brasileiro para subsidiar a ciência europeia?”, questiona.
Em vez de dar “um passo maior do que as pernas”, Steiner recomenda que o Brasil leve em consideração outras alternativas, com custos menores. Como exemplo, citou o telescópio americano Giant Magellan Telescope (GMT), de 25 metros, que, segundo avalia, é também um grande projeto e que custaria para o Brasil cerca de US$ 40 milhões, o equivalente a R$ 80 milhões, aproximadamente.”O ESO é dez vezes mais caro do que o GMT”, comparou Steiner, ao informar que existe um pedido na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para financiar o projeto.
Prioridade interna
Embora reconheça o mérito tanto do ESO quanto do Cern no desenvolvimento científico, o físico Adalberto Fazzio, professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), também é contra a participação nacional nesses projetos.
Para Fazzio, o governo precisa dar prioridade aos programas em andamento no MCTI, que também “são meritórios”. Como exemplo, Fazzio citou os projetos de nanotecnologia, biotecnologia, tecnologia da informação, de inclusão social científica e o da Amazônia.
“O governo precisa saber o que quer, porque não há dinheiro para tudo”, disse Fazzio, ex-secretário adjunto da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCTI e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF).
Ao lamentar as constantes perdas de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), a principal fonte de recursos do MCTI para pesquisas e desenvolvimento tecnológico, Fazzio citou, também, como prioritários os investimentos para a construção do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e para o primeiro reator nuclear multipropósito brasileiro de grande porte, o RMB.
Posição favorável
Já a favor da participação do Brasil tanto no ESO quanto no Cern, o físico Ronald Shellard, pesquisador titular do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), considera esses dois projetos fundamentais para o avanço científico nacional, o que pode contribuir para a “exibição da maioridade” da área científica do país. “Não conheço nenhum país que ficou pobre por ter colocado dinheiro no Cern”, disse.
Para Shellard, a participação brasileira em qualquer um desses projetos, implicaria na mobilização da indústria e em transferência de tecnologia, trazendo benefícios à sociedade. Ele avalia que o processo de adesão do Brasil ao Cern é mais rápido, por exigir recursos em menor escala – de US$ 10 milhões anuais, conforme o jornal O Estado de São Paulo.
Shellard também considera o GMT interessante, embora menos do que o ESO. Para ele, os benefícios do ESO para o Brasil seriam maiores. “É igual aquele negócio, você pode comprar um carrão ou um fusquinha”, comparou.
Também favorável à adesão do Brasil ao ESO e ao Cern, o professor Alberto Santoro, coordenador do Departamento de Física Nuclear de Altas Energias (Instituto de Física) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), reforça a importância do Brasil investir nos grandes projetos científicos internacionais.
Para Santoro, o Cern realiza pesquisas “fantásticas” no mundo da instrumentação da medicina, da indústria, ainda que sua finalidade seja a de estudar as interações fundamentais da natureza e sua base. “É preciso alimentar a população de que ela deveria ter o orgulho de participar de algo como isso”, sugeriu Santoro, que coordena o Instituto de Física que já mantém trabalhos de cooperação com o Cern.
(Viviane Monteiro/Jornal da Ciência)