Parlamentares da base de apoio ao governo na Câmara dos Deputados se alinharam aos de oposição na defesa dos recursos para a Educação e para a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I). Foi durante a audiência pública realizada quarta-feira (12/9), na Comissão de Educação, que debateu as mudanças no critério de concessão das bolsas de estudos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Eles também criticaram as explicações evasivas dos representantes do Ministério da Economia para os cortes de verba que estão afetando duramente o setor.
O CNPq sofreu este ano um déficit de R$ 330 milhões e a Capes, R$ 800 milhões. Em junho passado, após um acordo entre as lideranças do governo e da oposição, foi votado e aprovado o Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN 4/2019), abrindo um crédito suplementar de R$ 248 bilhões ao governo. Os recursos para a Capes e o CNPq estavam previstos dentro deste valor suplementar que, no entanto, até agora não foram liberados para execução, o que levou os ministérios a avisarem que não têm mais verba para pagamentos de bolsas de estudos até o fim do ano.
“Estamos extremamente preocupados porque votamos a PLN 4, que libera R$ 330 milhões para o CNPq, e agora ficamos sabendo que apenas R$ 82 milhões foram liberados, mas que, na verdade, estão bloqueados. Ou seja, não foram liberados”, criticou o deputado Professor Alcides (PP-GO). “Educação é prioridade de todos aqui, independente do viés ideológico, e sabemos que outros contingenciamentos já foram feitos”, disse a deputada Adriana Ventura (Novo-SP). E completou: “É muito triste ver que isso continua sendo feito: a gente não tem dinheiro para dar acesso para as pessoas estudarem, vemos evasão de cientistas e pessoas perdendo a esperança”.
Em sua exposição como convidado da audiência pública, o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, alertou para a gravíssima situação e pediu ações emergenciais para recompor o orçamento dos órgãos. “Há milhares de estudantes que dependem dessa verba (das agências) e estes jovens estão apreensivos, porque seus sonhos de carreira estão ameaçados”, afirmou.
Para Moreira, a solução para os recursos das bolsas é o cumprimento do que foi determinado pelo PLN 4/2019. “Existem recursos para isso”, reiterou, cobrando os parlamentares pelo compromisso assumido com as comunidades acadêmica e científica. “Essa casa tem o poder político de mudar o orçamento, é fundamental que assumam seu papel”. Apresentando gráficos com a evolução dos orçamentos públicos para o setor, Moreira chamou a atenção para a queda drástica dos investimentos do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) no Projeto de Lei Orçamentária para o ano que vem (PLOA 2020), ao mesmo tempo em que há uma forte elevação de valores destinados à conta de Reserva de Contingência. O orçamento do MCTIC para o ano que vem prevê R$ 2,5 bilhões, praticamente o mesmo definido para este ano.
A falta de recursos da Capes e do CNPq se reflete nos investimentos em CT&I dos estados, feitos em parceria com as fundações de amparo à pesquisa. “Quando vem a mensagem do governo federal que ciência e tecnologia não são importantes, isso se propaga na cadeia de decisão dos estados e municípios e com isso desconstruímos um sistema que tem mais de 70 anos de existência”. E completou: “Esse patrimônio não é dos cientistas, não é dos pesquisadores, não é dos bolsistas: é do povo brasileiro”.
Desvio de finalidade
Embora não estivesse na pauta da audiência pública, Moreira acrescentou o problema da Finep, órgão ligado ao MCTIC, que teve 90% de seus recursos bloqueados na Reserva de Contingência este ano, restrição mantida no PLOA 2020. A Finep administra os recursos do Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). “Houve um desvio de finalidade do FNDCT”, criticou.
Representando a Capes na audiência, o presidente da agência, Anderson Correia, defendeu a importância da manutenção das verbas em 2020 e mostrou que, além de ações para a formação de recursos humanos de alto nível, a Capes apoia outros programas estratégicos para o País. “Estamos apoiando a recuperação do Museu Nacional, temos um projeto específico sobre o zika vírus com outras agências, e temos programas voltados para a defesa nacional, como o Pró-Defesa”, exemplificou. O representante do CNPq, Manuel da Silva revelou que o órgão já estava sem nenhum recurso para pagamento das bolsas e que tomou a decisão de retirar verbas dos programas de fomento para cumprir com o pagamento das bolsas no mês de setembro.
Apesar dos apelos dos representantes das entidades participantes e da defesa quase unânime do investimento em CT&I pelos deputados presentes à audiência, no que depender do Ministério da Economia o orçamento dos órgãos públicos de pesquisa científica seguirá vinculado a uma eventual recuperação econômica. Foi o que deixaram claro os representantes da área econômica do governo, Clayton Luiz Montes e José Ricardo Galdino. Segundo Montes, por tratar-se de despesa primária, o pagamento de bolsas está condicionado à arrecadação tributária. “A projeção de receita para 2019 está R$ 30 bilhões a menos que o esperado, portanto a frustração da arrecadação neste montante exige o contingenciamento das despesas”. “Estamos estudando o cancelamento da dotação de outros órgãos para poder recompor a dotação do MCTIC e atender ao compromisso com os R$ 330 milhões”, disse Galdino. Eles deixaram claro, no entanto, que o Ministério da Economia não dita os cortes orçamentários por programas, mas somente por pasta.
Na tarde daquela mesma quarta-feira, o Ministério da Educação (MEC) e a Capes anunciaram a reativação de 3.182 bolsas – após terem sido cortadas mais de 12 mil desde o início do ano. As bolsas liberadas vão beneficiar os programas com notas 5, 6 e 7. Para Ildeu Moreira, a medida é insuficiente para resolver os problemas da CT&I brasileiras.
Impactos sobre a formação de cientistas
O presidente da SBPC exemplificou a difícil situação da pesquisa científica no País com casos concretos. Mencionou a história exibida no programa Fantástico, na Rede Globo nesse domingo, de Natália, estudante do Piauí que estava prestes a perder a bolsa de R$100, auxílio pago a medalhistas da Olimpíada Brasileira de Matemática (Obmep). ”A situação dela foi resolvida por um esforço coletivo, mas só da Obmep temos mais de seis mil outros estudantes”. O presidente da mesa, deputado Pedro Cunha Lima, havia lembrado o drama de Natália logo no início da sessão: “Isso é inaceitável”.
Outro caso é de Gabriela, pós-graduanda da UFRJ que estuda a relação entre o vírus zika e um tumor cerebral. Ela ficou em primeiro lugar em um programa de nível sete da Capes, concluiu o mestrado, ia entrar no doutorado, mas sua bolsa foi cortada. “No meu instituto (IF/UFRJ) quatro foram embora esse ano para outros países”, alertou Moreira. “A evasão é crescente”.
Moreira marcou posição contrária a uma possível fusão das agências. “São agências que têm objetivos, finalidades, estratégias, histórias diferentes; elas são complementares e devem continuar assim”. Mencionou um relatório divulgado terça-feira pela OCDE sobre educação, mostrando que o Brasil está muito atrás dos países da região sul-americana em termos de mestres e doutores, o que contradiz afirmação de membros do governo, nos últimos meses, de que o Brasil produz mestres e doutores demais.
“O que está acontecendo é que temos dificuldades destes mestres e doutores encontrarem empregos adequados na indústria, é um problema nacional de uma ordem que tem que ser atacada, mas não podemos fazer isso matando a galinha dos ovos de ouro, que é a ciência básica”. Além de ter a menor média de alunos que avançam do ensino médio para o superior entre os países da América Latina, o Brasil tem o menor gasto por aluno do ensino superior do que a média da OCDE.
Moreira destacou que, de acordo com dados da Auditoria Cidadã da Dívida, os recursos para CT&I representam apenas 0,24% do orçamento e defendeu o investimento público na ciência básica. “Sem ciência básica não tem inovação, isso é no mundo inteiro”, afirmou.
Janes Rocha – Jornal da Ciência