Os participantes do Painel Nacional 1 da Marcha Virtual pela Ciência, realizada pela Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC), enviaram ao longo da última semana as respostas às perguntas enviadas pelos internautas que acompanharam a transmissão do dia 7 de maio. A sessão online reuniu os maiores cientistas e pesquisadores brasileiros na área de saúde (sanitaristas, epidemiologistas, infectologistas) para discutir o enfrentamento da pandemia de covid-19 no Brasil.
Participaram o epidemiologista Cesar Victora (Universidade Federal de Pelotas – UFPEL); o virologista Amílcar Tanuri (da área de Genética Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ); o médico Manoel Girão (Diretor da Escola Paulista de Medicina – EPM/Unifesp) e o médico infectologista Arnaldo Colombo (Unifesp).
Além dos apresentadores, a discussão contou com cinco debatedores – Nísia Trindade, presidente da Fiocruz; Gulnar Azevedo e Silva, presidente da Abrasco, Unaí Tupinambás, médico infectologista e professor da UFMG; Margareth Dalcolmo pneumologista e pesquisadora da Fiocruz; e Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia
O painel foi coordenado pela biomédica Helena Bonciani Nader, cientista e vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e presidente de honra da SBPC.
Nader ressalta a importância do painel, que reuniu pesquisadores da maior relevância científica no país e no exterior para mostrar que a ciência é fundamental para o enfrentamento de crises como a que o mundo está vivendo hoje, com a pandemia do coronavírus. “Os cientistas brasileiros e do mundo todo estão buscando tratamentos para a covid-19, seja no redirecionamento de drogas já aprovadas para uso em outras doenças, ou desenvolvimento de novas drogas, no desenvolvimento de vacinas, de métodos diagnósticos mais específicos e rápidos, no desenvolvimento de equipamentos. As ciências humanas e sociais também estão profundamente envolvidas com a covid-19, atuando na compreensão e busca de soluções para os impactos sociais, políticos e econômicos da pandemia, e ajudando a todos no enfrentamento do isolamento e das perdas pessoais. A ciência brasileira tem mostrado que é capaz de dar respostas à sociedade. Precisamos juntos vencer essa pandemia. Fique do lado da ciência”, declarou em mensagem ao público que acompanhou o evento.
O painel está disponível na íntegra no Canal SBPC, no YouTube:https://www.youtube.com/watch?v=3pweFjM8nqA&feature=youtu.be
Veja abaixo as respostas dos participantes do painel “O enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil” às perguntas enviadas pelos internautas:
Qual é a visão dos participantes sobre o problema da questão social neste momento? Por exemplo, o governo abre uma linha de auxílio de R$600,00 para famílias carentes que se se somam em centenas em filas enormes, colados um do outro e sem chance dos testes em massa no Brasil?
Arnaldo Lopes Colombo – Entendo que haja necessidade de trabalhar de forma mais ampla e eficiente o suporte social e econômico à população de desempregados e excluídos sociais que estão com dificuldades básicas de sobrevivência e de condições materiais necessárias para atender às medidas sanitárias preconizadas pelo setor público para mitigar a disseminação da COVID-19 em suas comunidades. Por outro lado, dificilmente resolveremos em poucas semanas/ meses ou anos uma situação social secundária a séculos de convívio de nossa sociedade com o regime de propriedades hereditárias, escravidão e negligência com as intensas assimetrias que existem em nosso país em termos de distribuição de renda e acesso a educação, qualidade de moradia e saúde. Neste sentido, entendo que, pragmaticamente, haja espaço no curto prazo para medidas assistenciais que garantam renda mínima a populações vulneráveis, segurança nutricional, acesso remoto de crianças e adolescentes a educação, bem como uma estrutura descentralizada para monitorar o acolhimento destas populações a medidas de prevenção à covid-19, o reconhecimento rápido de casos novos desta virose emergente, e bloqueio aos casos índices e seus comunicantes nestas comunidades. Claramente, estas medidas demandam interação bastante complexa entre diferentes ministérios, melhor articulação de políticas públicas entre as diferentes esferas de poder, lideranças políticas competentes e respeitadas pela comunidade, conselhos técnicos consultivos de grande competência, e uma grande participação dos atores econômicos com potencial de dar sustentabilidade a estas medidas.
O retrato de filas que a população vulnerável enfrenta para ter acesso a benefícios mínimos para garantia de sua segurança alimentar é um claro reflexo das dificuldades do Estado em responder de forma eficiente e inteligente aos desafios que mencionei acima. Precisamos discutir como a comunidade científica pode colaborar de forma mais efetiva na estruturação de políticas públicas que respondam de forma mais completa e sustentável a estas questões.
Fernando Spilki – A questão social talvez seja a mais relevante e talvez o diferencial que nos traz mais receio sobre o futuro a curto e médio prazo no Brasil. Não são somente as filas e aglomerações terríveis na frente das agências da Caixa. É nossa miséria crônica, nossas favelas, a luta diária pela sobrevivência, o trabalho informal institucionalizado, nossas casas de um cômodo, que nos trazem tanto medo, nossos desvalidos serão brutalmente atingidos pelo vírus.
Gulnar Azevedo e Silva – O ponto mais difícil para o enfrentamento da epidemia da COVID-19 no Brasil é lidar com as marcantes desigualdades sociais que estão se agravando no país. Com o crescimento do número de pessoas infectadas, fica evidente a dificuldade que é garantir que o distanciamento social seja possível de ser seguido pelos grupos populacionais mais vulneráveis, os residentes em periferias, em comunidades, os indígenas e outros. São justamente todos estes que sofrem diariamente os efeitos de viverem em precárias condições de habitação, em insegurança alimentar e acesso dificultado aos serviços de saúde. Por isso, é importante haver muita solidariedade de nossa sociedade, mas também que o governo cumpra o seu papel agilizando os mecanismos para que todos os aqueles que precisam tenham direito às medidas de proteção social com maior valor e duração de forma a permitir o isolamento dos casos suspeitos e o distanciamento social onde o quadro epidemiológica aponte a necessidade.
Manoel Girão – Vejo com profunda tristeza a falta de liderança no nosso país o que nos impede de ter atitudes coordenadas que diminuam o impacto da crise. Parece que as decisões estão sendo tomadas de forma descontrolada e, mesmos as medidas necessárias, estão causando confusão social e sinalizações desencontradas.
Nísia Trindade – O apoio financeiro na forma de renda é uma das medidas cruciais, mas precisa ser ampliado e não é suficiente. É preciso investir na linha de cuidado e ações específicas para grupos mais vulneráveis, especialmente as populações mais pobres que vivem em condições de moradia e trabalho que dificultam o isolamento social.
Sobre os testes, eles são é hoje, e continuarão a ser mesmo após a redução do número de casos, um dos principais instrumentos de vigilância. O aumento do número de testes tende a se normalizar com o aumento da produção de testes moleculares pela Fiocruz, aquisição de testes pelo MS através da OPAS, e automação das análises, garantindo resultados em menos tempo. Precisaremos usar os resultados dos testes para orientar as ações de controle por um sistema de vigilância que necessitará de reforço. Só assim será possível enfrentar a epidemia até que haja uma vacina efetiva.
Já dá pra falar em saída quando o vírus está tomando conta do país?
Nísia Trindade – Neste momento temos que reforçar as medidas de isolamento pois vivemos uma dramática escalada de casos e mortes e uma imensa dificuldade do SUS, especialmente no que se refere ao número de leitos. Sobre saída, transição ou outros termos que temos utilizado, a pergunta importante é como sair de uma etapa a outra. Não haverá normalidade e sim um período de necessário reforço à vigilância em saúde. Os parâmetros adotados para sairmos de situação de isolamento mais rígido, são a redução sustentada de casos, a existência de capacidade de leitos e um eficiente sistema de testagem.
Será que o Brasil terá uma grande expansão do coronavírus?
Cesar Victora – Tudo indica que sim, mas em 40 anos de trabalho como epidemiologista eu aprendi que é impossível predizer, com um nível aceitável de precisão, o curso de uma epidemia. Por exemplo, quem diria que o cólera nos anos 1990 ficaria restrito às regiões Norte e Nordeste, ou que a gripe H1N1 em 2009 duraria poucos meses e não atingiria o Nordeste ou Norte?
No entanto, uma diferença importante em relação a epidemias no passado é o fato de que a atual pandemia está atingindo todas as regiões do país rapidamente, com aumento exponencial no número de casos e óbitos. Tudo sugere que haverá ainda uma grande expansão, e que a duração da pandemia será longa. A imunidade de rebanho ainda está muito longe de ser atingida. Não creio que conseguiremos acabar com a pandemia antes do desenvolvimento de uma vacina eficaz.
Minha maior preocupação é a falta de liderança em nível nacional, e o comportamento errático de nosso presidente e de seus correligionários, que insistem em relaxar o distanciamento social quando a curva epidêmica está em franca ascensão.
E os casos assintomáticos, é possível para verificar a progressão nesse caso?
Cesar Victora – Há quatro semanas, nosso grupo da UFPel, do Epicovid, está realizando levantamentos sorológicos através de inquéritos domiciliares em 9 cidades-sentinelas no Rio Grande do Sul. A partir do dia 15 de maio, o estudo foi expandido para 133 cidades nas 27 unidades federativas, com coleta de dados a cada 2 semanas. Somente este tipo de pesquisa pode revelar o percentual de casos assintomáticos em nosso meio. Nossos resultados do RS sugerem que apenas um em cada 9 casos está sendo notificado, pois em sua maioria as pessoas que apresentam anticorpos foram assintomáticas ou sofreram sintomas leves.
Já há pacientes tratados com plasma recuperados? É possível informar a proporção?
Arnaldo Lopes Colombo – Ainda há poucos dados no mundo sobre a real segurança e eficácia desta medida terapêutica em pacientes com covid-19. Trata-se de medida terapêutica ainda em caráter experimental e que deve ser avaliada apenas sob protocolos de estudo, não sendo ainda estabelecida como elemento da estratégia terapêutica a ser utilizada na rotina de pacientes com formas moderadas ou graves de covid-19 que necessitam internação.
Qual a chance de um paciente se contaminar ao receber o sangue de outros pacientes que foram expostos ao vírus?
Manoel Girão – Vários protocolos nacionais estão iniciando neste momento e, por isso a experiência nacional é ainda restrita, estamos iniciando os primeiros casos neste momento e em breve teremos dados do nosso País. Os relatos até aqui apontam para uma modalidade promissora com resultados razoáveis. Consideramos também as informações de uso do plasma em outras epidemias com sucesso, como a da SARS 1, MERS e Ebola. Os riscos estão relacionados aos riscos transfusionais muito baixos e conhecidos.
Não se descreveu até o momento transmissão do coronavírus por transfusão de sangue, tanto que não faz parte de nenhuma rotina de banco de sangue o teste da covid no sangue a ser transfundido. A triagem é epidemiológica dos doadores. Por medida de segurança deixamos o sangue doado como que numa quarentena pós-doação e seguimos os doadores quanto a sintomas de infecção nos dias subsequentes da doação.
As pesquisas com cloroquina não mostraram que ela é mais prejudicial que benéfica? Por que ainda estão insistindo nela?
Nísia Trindade – No caso da Fiocruz, nossa prioridade é contribuir com o grande estudo clínico Solidariedade, coordenado pela OMS e pela Fiocruz no Brasil. Trata-se de investigar a eficácia e a segurança de um conjunto de medicamentos, cloroquina, hidroxicloroquina, antivirais e Interferon, avaliando terapias para a covid-19. Só o estudo clínico sério pode contribuir para a identificação de medicamentos e a definição de protocolos clínicos que salvem vidas.
Qual é a importância da ciência no enfrentamento do coronavírus?
Cesar Victora – A pesquisa científica é a base para o enfrentamento da pandemia, desde a pesquisa básica visando desenvolver testes e vacinas, a pesquisa clínica testando alternativas terapêuticas, e a pesquisa epidemiológica monitorando a cura epidêmica e avaliando a efetividade de medidas como diferentes alternativas de distanciamento social. A pesquisa qualitativa também é essencial, para entender as percepções da comunidade sobre distintos tipos de intervenção e aprimorar programas e políticas com base nestas percepções.
Confira a cobertura do painel no Jornal da Ciência:
Especialistas apresentam avanços no combate à covid-19
Cientistas alertam: não é hora de sair do isolamento
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