A SBPC não concorda com o texto aprovado ontem (11/2) na Câmara dos Deputados. Defende que toda pessoa jurídica estrangeira que quiser acessar componente do patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado, deve se associar a uma ICT nacional e assinar o Acordo de Repartição de Benefícios como condição para obter uma autorização de acesso ao patrimônio genético brasileiro.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vem a público manifestar sua posição quanto ao Projeto de Lei 7735/2014, do Poder Executivo, que tramita em regime de urgência, e foi aprovado ontem (11/2) na Câmara dos Deputados.
A SBPC representa cerca de 130 sociedades científicas das áreas biológicas, exatas, humanas e tecnológicas. Desde sua fundação, em 1948, exerce um papel importante na expansão e no aperfeiçoamento do sistema nacional de ciência e tecnologia, na difusão e popularização da ciência, bem como na promoção da qualidade da educação no País. Sua missão é de contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico do País, que atenda sobretudo às necessidades e aos interesses maiores da sociedade brasileira. Tem como valor o respeito aos direitos humanos, à ética, à diversidade cultural e à pluralidade da Ciência, representada pelas diferentes sociedades científicas.
Com base nisto, é que a SBPC reconhece que o Projeto de Lei trouxe avanços em relação à pesquisa científica e ao desenvolvimento tecnológico, retirando a necessidade de autorização prévia, desburocratizando a realização de P&D no país. Outro ponto positivo do PL 7735 foi a inserção da representação da sociedade civil no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) de forma plena.
No entanto, o PL 7735 trouxe também alguns dispositivos que precisam ser aperfeiçoados para que o Brasil tenha uma Lei que incentive a geração de conhecimento e o desenvolvimento de capacidades no País, estimule o uso de componentes do patrimônio genético em produtos e processos, proteja e respeite os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais em relação a seus conhecimentos tradicionais associados aos recursos genéticos.
Desde o início da discussão sobre a regulamentação do acesso a recursos genéticos, aos conhecimentos tradicionais associados e a repartição de benefícios, a SBPC participa ativamente, apresentando sugestões, com intuito de contribuir para a elaboração do marco legal nacional sobre o tema.
Na segunda-feira (9/02), o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o Substitutivo do relator, deputado Alceu Moreira e, deixou para ontem (11/02) a votação dos destaques (propostas de alterações do texto apresentadas pelos deputados). Somente um destaque foi aprovado, o que trata da suspensão de sanções administrativas e redução da multa devida até 90%, no caso de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado em desacordo com as regras atuais.
Um dos destaques rejeitado foi o da deputada Luciana Santos, que exigia que toda pessoa jurídica estrangeira se associasse à instituição científica e tecnológica (ICT) nacional, pública ou privada.
Atualmente, qualquer instituição/empresa estrangeira que queira acessar componente do patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado tem que ser associada a uma ICT nacional. Com a rejeição do destaque da deputada, e manutenção do texto do Substitutivo, esta exigência deixa de existir, colocando em risco a soberania nacional, e o patrimônio de todo povo brasileiro.
A SBPC não concorda com o texto da forma que ficou. Defende que toda pessoa jurídica estrangeira que quiser acessar componente do patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado, deve se associar a uma ICT nacional e assinar o Acordo de Repartição de Benefícios como condição para obter uma autorização de acesso ao patrimônio genético brasileiro.
É importante salientar que outros países, incluindo países megadiversos da América Latina, exigem que instituições estrangeiras tenham vínculo com instituição de pesquisa nacional, de modo a proteger interesses do país provedor de recursos genéticos.
A SBPC também não concorda com diversos dispositivos relacionados aos conhecimentos tradicionais associados e aos direitos dos povos indígenas e conhecimentos tradicionais, detentores de tais conhecimentos, pois ferem direitos assegurados pela Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), convenções essas ratificadas pelo Brasil, e reconhecidos pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
O PL aprovado, em várias situações nas quais o conhecimento tradicional associado é acessado, isenta da repartição de benefícios sem consultar o povo/comunidade, contrariando os dispositivos das referidas convenções e do próprio PL, que garante a participação dos mesmos na tomada de decisão quanto ao uso sustentável de seus conhecimentos tradicionais associados e quanto à repartição de benefícios oriundos do acesso ao conhecimento tradicional associado (art. 8o § 1o e no art. 10 incisos III e IV ).
O texto aprovado segue agora para o Senado Federal, também em regime de urgência, o que quer dizer que o Senado terá 45 dias para analisar o projeto, antes que ele tranque a pauta do Plenário.
Temos a esperança que os senadores corrijam as distorções aprovadas pela Câmara, e aperfeiçoe o projeto de lei, fazendo justiça aos povos/comunidades, garantindo seus direitos, e protegendo os interesses nacionais em relação ao desenvolvimento científico e tecnológico, sem abrir mão, no entanto, dos avanços alcançados até o momento.
(SBPC)