Em que escala estamos perdendo biodiversidade? O que isso significa para o bem-estar das pessoas? Quais os principais vetores dessa mudança? Quais as alternativas para lidar com isso? Um grupo de pesquisadores que participa da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, na sigla em inglês) esteve na 70º Reunião da SBPC para apresentar os resultados do “Sumário para Tomadores de Decisão” referente ao Diagnóstico Regional das Américas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, estudo com duração de três anos, que busca responder a essas questões.
Sim, estamos perdendo biodiversidade. No Brasil, 88% da Mata Atlântica já foi consumida, seja em processos de urbanização, seja para agricultura. “O impacto disso para nossa qualidade de vida é grande”, afirmou Cristiana Seixas, bióloga da Unicamp e uma das coordenadoras do estudo. Por outro lado, nossa biodiversidade é responsável por prover 40% dos serviços ecossistêmicos mundiais. Serviços ecossistêmicos são os benefícios obtidos pelas pessoas a partir dos sistemas naturais. Alimentos, matérias-primas para construção, água potável e a regulação das chuvas pelas florestas são alguns exemplos desses serviços. “O valor econômico da natureza nas Américas é estimado em ao menos US$ 24,3 trilhões por ano, sem considerar o ambiente marinho. Isto equivale ao PIB total do continente”, afirmou Seixas. De acordo com ela, estabelecer um valor para a natureza pode ajudar a dar uma dimensão dos custos econômicos e sociais que decorrem da perda da biodiversidade.
Polinização
Um exemplo de serviço ecossistêmico ameaçado e, ao mesmo tempo, fundamental para produção de alimentos é a polinização. A bióloga Marina Wolowski, da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), apresentou dados desse cenário baseado no “Relatório Temático de Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos”, produzido pela Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador (Rebipp). Segundo contou, 76% das plantas utilizadas para produção de alimentos no Brasil dependem da polinização realizada por animais. As abelhas são responsáveis por cerca de 66% do serviço de polinização, mas outros animais como algumas aves, besouros, borboletas, mariposas, morcegos, moscas e vespas também são agentes polinizadores. “Esse serviço é ameaçado tanto por fatores ambientais, como perda de habitat e as mudanças climáticas, quanto por biológicos, por espécies exóticas invasoras”, explicou Wolowski.
As perdas na biodiversidade nas Américas se intensificaram especialmente a partir dos anos 1960. “Hoje temos 30% a menos de abundância de espécies por área nas Américas”, apontou da pesquisadora da Unicamp. O estudo revelou que as mudanças climáticas representam um vetor cada vez mais importante nesse contexto. Interromper o processo que reduz a biodiversidade depende de políticas públicas que induzam novos padrões de comportamento e de consumo, além do incentivo de tecnologias que propiciem o uso mais sustentável dos recursos naturais. Os dados levantados no diagnóstico podem ser um instrumento para tomada de decisão informada para estabelecer novos modelos de desenvolvimento. “Uma das estratégias que o estudo sugere é transformar as áreas já transformadas pelos homens em ambientes mais sustentáveis”, disse Seixas. Com 13% da população mundial, a pegada ecológica das Américas é de 22%, quase 1/4 da pegada ecológica global. Conforme explicou Seixas, nosso padrão de consumo, que demanda uso intensivo dos recursos naturais é o principal responsável por isso. “É preciso comunicar melhor nossa ciência, não somente para nossos pares, mas para a sociedade como um todo, para ampliar a compreensão sobre a importância desses serviços da natureza”, afirmou Seixas. “E também mostrar para os formadores de decisão o quanto nossa qualidade de vida depende da natureza”, completou.
Risco e oportunidade
A ciência tem um papel fundamental em auxiliar a compreender o mundo em suas dinâmicas e a planejar ações. Ao mesmo tempo em que os dados levantados pelo Diagnóstico acedem um sinal de alerta, eles podem representar uma oportunidade de mudança. “O Brasil está em situação privilegiada porque tem capital natural que pode gerar caminhos para lidar com essa crise”, afirmou Mercedes Bustamante, do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB). “O futuro é construído no presente. Precisamos compreender o valor da biodiversidade para reduzir a desigualdade social. Temos urgência na escolha por um futuro sustentável”, finalizou.
SBPC apoia pesquisas ligadas a políticas públicas
Os Grupos de Trabalho da SBPC têm como objetivo principal intercambiar, interagir e trocar informações e conhecimentos, como também sensibilizar, mobilizar e debater sobre temas e aspectos específicos de interesse e importância do Grupo e de seus participantes que subsidiem a proposição e a elaboração de políticas públicas. A BPBES é composta por cerca de 50 pesquisadores de todas as regiões do Brasil e de diferentes áreas do conhecimento e foi inspirada na Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) que reúne pesquisadores de 129 países. A rede brasileira busca engajar cientistas, indígenas, comunidades locais, tomadores de decisão, indústria e agronegócio sob a mesma abordagem conceitual da IPBES. Carlos A. Joly, coordenador deste grupo de trabalho na SBPC, é também coordenador da BPBES junto com o Fabio Scarano (FDS & UFRJ).
Patricia Mariuzzo – Jornal da Ciência