Movidos por compaixão, declaramos nossa proximidade com todas as famílias enlutadas no país, reverentes que somos aos 100 mil mortos vitimados pela atual pandemia e suas consequências.
Não se trata de uma fatalidade, mas de uma tragédia humana que poderia ter sido evitada.
Em 7 de abril deste ano, Dia Mundial da Saúde, as entidades que hoje assinam este artigo juntaram suas vozes para lançar o “Pacto pela Vida e Pelo Brasil”, um alerta à sociedade brasileira sobre a crise que avançava no país —crise não apenas sanitária, mas social, econômica e política. O Brasil contabilizava, então, 14.049 pessoas infectadas e 688 mortos pelo novo coronavírus.
Passados quatro meses, essa crise humanitária ganhou patamar bem mais elevado: com cerca de 3 milhões de infectados, hoje o país se curva diante da triste marca de mais de 100 mil mortos pela Covid-19, sem ações articuladas e alinhadas à altura de mudar este cenário preocupante.
Sabia-se que a pandemia poderia assumir proporções importantes no Brasil, um país com imensa desigualdade regional e social, concentração de renda, altas taxas de desemprego, economia em decadência, atendimento público à saúde fragilizado e um vergonhoso índice de saneamento básico.
Sabia-se, também, que o enfrentamento daquele vírus até então pouco conhecido, de contágio fácil e efeitos devastadores, oferecia um importante rumo a seguir: o isolamento social, para quebrar a cadeia de transmissão e dar tempo para a organização do sistema de saúde diante do esperado aumento de casos. Foi exatamente isso o que preconizou a Organização Mundial da Saúde (OMS) em consonância com os melhores centros de pesquisa em saúde do mundo.
No entanto, o Brasil trilhou o caminho da insensatez. Ao mesmo tempo em que o Ministério da Saúde defendia que o país seguisse as normas da OMS —inclusive com base no que ocorrera em outros países—, autoridades faziam, publicamente, afirmações que negavam a evidência científica, como a de comparar a Covid-19 a uma “gripezinha” e a de propagandear um medicamento não certificado por diferentes fontes científicas, além de estimular aglomerações e o contato físico com pessoas desprotegidas.
Desde a divulgação do “Pacto pela Vida e pelo Brasil”, foram 120 dias de turbulências políticas e de ausência de um plano nacional coerente para combate à pandemia.
As medidas de enfrentamento dos efeitos da Covid-19, especialmente no que diz respeito às populações mais vulneráveis, deixam muito a desejar. A renda emergencial colocada à disposição dos mais pobres, embora seja uma resposta imediata, está longe de sanar as necessidades básicas de cerca de 50 milhões de brasileiros. A transferência de recursos a estados e municípios para o enfrentamento da pandemia, aprovada pelo Congresso, ainda não chegou ao patamar de 35%.
A lei 14.021/20, estabelecendo ações emergenciais de saúde em comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais, foi sancionada com vetos a serem urgentemente derrubados – entre eles, vetos à obrigatoriedade de acesso à água potável, a serviços de saúde de média e alta complexidade, à oferta emergencial de leitos hospitalares e UTIs e à disponibilização de ventiladores e outros equipamentos médicos.
A responsabilização por esta tragédia humana não pode deixar de ser feita. É evidente que o Brasil tem sido abalado pela força da própria pandemia, mas também tem sido duramente castigado pela incapacidade do governo federal em unir o país numa hora tão difícil, atuar de forma republicana em articulação com governadores, prefeitos e Poder Legislativo, e levar em consideração as orientações da ciência, das organizações de saúde, das entidades médicas e de saúde pública.
Deixamos registrada nossa solidariedade aos profissionais da saúde e aos trabalhadores de serviços essenciais que têm estado na linha de frente da batalha contra o novo coronavírus, muitas vezes em condições precárias e de alto risco.
Em memória das vítimas da Covid-19, exortamos a todos, brasileiras e brasileiros, mulheres e homens de boa vontade, a se juntarem neste momento de luto e reflexão. Certamente, a melhor forma de homenagear os que partiram será a nossa união para exigir respeito à vida e responsabilidade com o destino de 210 milhões de brasileiros, no exercício de práticas cidadãs que construam um novo tempo para o Brasil.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Felipe Santa Cruz
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
José Carlos Dias
Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns
Luiz Davidovich
Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC)
Paulo Jeronimo de Sousa
Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
Ildeu de Castro Moreira
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)