Quando assumiu a presidência dos EUA, Donald Trump e seu assessor especial para gestão pública, o bilionário Elon Musk, fecharam as torneiras do orçamento federal para pesquisas na área de saúde conduzidas pelos institutos de saúde, os NIH na sigla em inglês. O corte atingiu programas em cooperação com diversos países em pesquisas sobre doenças negligenciadas.
Um destes programas foi o SaMI-Trop, liderado pela cientista Ester Sabino, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP). Desde 2013, o SaMI-Trop pesquisa a Doença de Chagas com o esforço de cientistas e pesquisadores de quatro universidades públicas brasileiras dos estados de São Paulo e Minas Gerais (Universidades de São Paulo, Federal de Minas Gerais, Federal de São João del Rey e Estadual de Montes Claros).
O programa é bancado exclusivamente com recursos do NIH, por meio de um financiamento (“grant”) no valor de US$ 1,4 milhão por cinco anos, uma média de US$ 300-400 mil anuais. Os valores são depositados mensalmente, mediante prestação de contas do mês anterior. Em janeiro, o valor não foi pago, o que causou apreensão na equipe.
“Em geral, no final do mês, por volta do dia 24, eu já faço a cobrança do que eu preciso pagar no mês seguinte, eles depositam em quatro ou cinco dias, é assim que funciona”, contou Ester Sabino, uma respeitada cientista, primeira a sequenciar o genoma do vírus da covid-19, o Sars-CoV-2, e em tempo recorde, dois dias após a confirmação do primeiro caso no Brasil em fevereiro de 2020.
“Dessa vez, chegou janeiro, a gente apresentou o ‘invoice’, mas em fevereiro não veio. Eles não avisaram nada, apenas falaram que era uma regra nova e sem dar muita informação”, relatou ao Jornal da Ciência. Sabino disse que a sensação foi de angústia diante das contas a pagar, com as bolsas de estudos dos pesquisadores e manutenção do laboratório. Em meados de fevereiro, quando leu na imprensa que um juiz havia derrubado o bloqueio de verbas do NIH nos EUA, ela voltou a apresentar a fatura e, dessa vez, o pagamento foi feito.
Porém ela segue sem informação oficial do porquê teria sido suspenso, porque voltaram a pagar, o que causa insegurança sobre o destino do projeto cujo contrato anual vence agora em março e ela não teve notícia se seria ou não renovado.
O desenho do projeto prevê que ele deveria durar mais dois anos, mas questionada sobre qual o risco do SaMI-Trop ser paralisado caso o NIH não retome o financiamento, ela respondeu: “Se não conseguir outras fontes, o risco é grande”. O NIH sempre foi o único financiador, mas agora a líder do programa está buscando alternativas com outras instituições públicas e privadas e indústrias farmacêuticas.
O SaMI-Trop envolve 50 pessoas entre professores, pesquisadores, enfermeiros e alunos. Segundo Sabino, o projeto tem três grandes objetivos, primeiro, entender melhor como fazer o diagnóstico mais rápido dos pacientes com doença de Chagas e orientar os médicos, já que a maioria dos pacientes acometidos não sabem que são portadores da doença.
Segundo, encontrar bio-marcadores de tratamento e cura e, em terceiro lugar, acompanhar pacientes tratados. Parte da equipe envolvida no projeto se dedica a desenvolver ferramentas de inteligência artificial para detectar pessoas com risco de Chagas entre aqueles que fazem eletrocardiograma.
Recursos próprios
Sobre os cortes de verbas nos EUA, a cientista Walderez Dutra comentou: “Espero que essa seja uma chamada para salientar a importância de a gente poder contar com o financiamento nosso, do nosso país para resolver problemas que são importantes para nós, isso é fundamental.”
Professora do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Dutra trabalhou com financiamento do NIH em dois projetos. O primeiro, encerrado em 2018, durou 20 anos em uma pesquisa de Leishmaniose em parceria com a Fiocruz Bahia, agraciado com recursos da chamada Tropical Medicine Research Centers (TMRC), unidade do NIH para estudos sobre doenças tropicais.
O segundo durou dez anos, pesquisava doença de Chagas e terminou ano passado. Atualmente, ela conduz um laboratório de pesquisa sobre febre reumática, iniciado um ano e meio atrás, com recursos de uma instituição privada chamada Leducq Foundation.
A cientista garante que nunca teve problema para receber os recursos dos projetos financiados pelo NIH e lamentou as medidas contra a ciência impostas pelo governo Donald Trump. “Os Estados Unidos têm um importante papel de financiamento de pesquisas, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, inclusive programas de controle de malária e ebola na África, em países que, de fato, não têm a menor condição de manter essas pesquisas”, acrescentou.
O bloqueio de verbas não afeta somente os pesquisadores diretamente envolvidos com o projeto, mas toda uma economia no entorno, já que os recursos compram itens como reagentes, equipamentos e transferência de tecnologia. “Tudo isso fica comprometido a partir do momento em que você perde condições de comprar, de trazer novas tecnologias e de executar a pesquisa”, acrescentou.
Ter obtido recursos de uma instituição privada norte-americana para sua pesquisa atual não significa tranquilidade. Dutra teme que, com a escassez de financiamento público nos EUA, a demanda por recursos privados vai aumentar muito e os pesquisadores brasileiros podem perder na concorrência com os pares estadunidenses.
Questionada sobre algum “plano B” caso perca essa fonte no exterior, a cientista disse que sua alternativa é contar com as linhas de financiamento disponíveis no Brasil, com agências governamentais e fundações de amparo à pesquisa. “Mas a gente sabe que, infelizmente, são insuficientes para atender a comunidade inteira”.
Janes Rocha – Jornal da Ciência