A ciência brasileira sofre com o acesso a recursos cada vez mais escassos, por conta dos cortes de orçamento promovido pelo Governo Federal. Em março, foi anunciado o contingenciamento de 44% do orçamento inicialmente previsto para o Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) em 2017, o que deixou a Pasta com o pior orçamento dos últimos dez anos. Diante do cenário, foi lançado, na última quinta-feira (22), a campanha “Conhecimento Sem Cortes”, cujo objetivo é denunciar estes cortes e buscar o apoio da população para pressionar o governo federal a garantir condições plenas de funcionamento das instituições de ensino e pesquisa. Os cientistas, estudantes, professores, pesquisadores e técnicos que participaram do evento, realizado na Casa da Ciência, no Rio de Janeiro, ressaltaram que a sociedade precisa entender que estes cortes vão impactar a vida de todos e que seu apoio é fundamental para reverter essa situação.
A campanha é realizada pela Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (AdUFRJ), o Sindicato dos Institutos Federais do Rio de Janeiro (Sintifrj), a Associação dos Professores da Universidade Federal de Minas Gerais (Apubh) e a Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB) em parceria com várias organizações, dentre elas a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que representam pesquisadores, técnicos e estudantes.
“É muito triste estarmos aqui para protestar por este motivo. A sociedade não foi consultada sobre os cortes. Queria estar aqui comemorando as vitórias do Brasil e não participando de um movimento para acordar aqueles que foram eleitos e que estão virando as costas para a sociedade”, disse a presidente da SBPC, Helena Nader.
Nader ressaltou ainda que é necessário reverter essa situação e, para isso, o diálogo com a sociedade é fundamental para que ela entenda o que está acontecendo. “A ciência é global. Quando o Brasil interrompe a sua ciência, os outros países continuam. Ficaremos para trás. Não é como interromper a construção de uma estrada, que podemos retomar do mesmo ponto. A interrupção da ciência é irreversível. E temos de deixar isso bem claro para a sociedade que estes cortes vão impactar o dia-a-dia dela”.
Segundo Nader, um dos exemplos são as pesquisas com doenças negligenciadas, como a hanseníase. “O Brasil é o segundo país com essa doença, só perdendo para a Índia. E não são os Estados Unidos ou qualquer outro país da Europa que irá pesquisar soluções para ela, porque não é problema deles”, disse. A presidente da SBPC afirmou também que a falta de recursos para pesquisas podem impactar na produção de alimentos do País, o que afetará diretamente a balança comercial.
A presidente da SBPC lamentou a falta de visão do País em relação à educação e à ciência. “Educação e ciência não são gasto, mas, sim, investimento. E, por isso, eles não deveriam estar na PEC do teto dos gastos. São áreas, juntamente com a saúde, que não podem sofrer cortes”, frisou.
O vice-presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, explicou que o lançamento da campanha foi importante porque dá sequência à luta iniciada com a Marcha pela Ciência no Brasil, no dia 22 de abril, quando foi criado o lema “Conhecimento sem Cortes”. “Vamos fazer várias atividades para denunciar esses cortes drásticos, inclusive os ocorridos nas universidades públicas. Precisamos mostrar para a sociedade a importância da ciência e o quanto esses cortes são prejudiciais para o País e para toda a população. Esses cortes estão ameaçando diversos programas e isso tira a expectativa de futuro dos jovens”, disse.
Moreira ressalta que, apesar de a população confiar nos pesquisadores, conforme demonstraram estudos recentes, infelizmente, neste momento, os problemas de ordens emergenciais como o desemprego, a economia ruim, as ameaças das reformas trabalhista e previdenciária, a redemocratização do País, que permeiam o dia-a-dia das pessoas, acabam se sobrepondo às consequências negativas do desmantelamento da CT&I para o desenvolvimento do País. “A população como um todo está passando por um momento muito difícil, inclusive perdendo a esperança de melhora. Então a questão de ciência e da tecnologia não é questionada no cotidiano das pessoas”, lamenta. E completa, “sabemos que todos estão passando por um período muito difícil, mas a ciência e a tecnologia não podem ser desconsideradas, porque o país que não tiver essas áreas independentes e desenvolvidas terá de seguir as regras dos desenvolvidos”. O vice-presidente da SBPC também disse que os países que têm investido em CT&I crescem, geram emprego e conseguem reverter os momentos de crise, mas o Brasil tem feito o contrário. “Estamos andando para trás”, lamenta.
O reitor da UFRJ, Roberto Leher, disse que todas essas medidas tomadas pelo governo, como as reformas da Previdência, trabalhista e os cortes têm precarizado o sonho de seguir uma carreira universitária. “Hoje ao estudarmos, teríamos uma vida modesta, uma aposentadoria digna. E isso não será possível no futuro”, lamenta. “Nosso jovens estão ficando sem opção”.
Jerson Lima da Silva, professor da UFRJ e presidente a Faperj, ressaltou que a ciência que o Brasil tem hoje é forte por causa dos mestres e doutores, que tem ampliado o conhecimento do País. “A resposta ao surto de microcefalia em bebês, provocado pelo zika, colocou a ciência brasileira na liderança mundial das pesquisas sobre o vírus. Mas, diante do cenário, como atrasos das bolsas, menos oportunidades, nossos jovens estão perdendo o entusiasmo”, lamenta.
Mário Moreira, vice-presidente da Fiocruz, que representou a presidente da Fiocruz, Nísia de Andrade, também concorda que é preciso do apoio da sociedade para reverter o quadro. “Concordo com a Helena que ciência, educação e saúde não são gastos. Mas estamos sofrendo com isso, inclusive a saúde. No caso da Fiocruz, por exemplo, há um desmonte já estamos apreensivos, porque a PEC dos gastos entrará em vigor ano que vem e a Fiocruz entrará 2018 com um déficit”, disse.
Virgilio Arraes, presidente da ADUnB, ressaltou que a ciência e a educação não são problemas econômicos e sim uma solução política para o País.
Tesourômetro
No dia 22, na parte da manhã, cientistas e professores da UFRJ lançaram, no campus da instituição, na Praia Vermelha, zona sul do Rio, um contador digital inédito no País denominado Tesourômetro com o objetivo de revelar ao público, minuto a minuto, as perdas do financiamento federal voltado para as áreas de ciência e tecnologia, nos anos de 2016 e 2017, em relação a 2015. A inauguração do painel marcou o lançamento da campanha de mobilização pública ‘Conhecimento Sem Cortes’.
Segundo a presidente AdUFRJ, Tatiana Roque, o setor de ciência e tecnologia do País vem perdendo cerca de R$ 500 mil por hora em investimentos federais desde 2015.
Ela alertou que “está sendo perdida toda uma geração de pesquisadores, na qual o governo investiu nos últimos anos, seja na universidade, nos cursos de mestrado e doutorado, bastante dinheiro, e que hoje estão com dificuldade de continuar a suas pesquisas”.
Para Roque, “se estamos passando por uma crise no modelo econômico e de desenvolvimento, o que nós precisamos é justamente que se faça o contrário, que se invista em pesquisa, em formação de quadros, em pensadores que nos levem a sair dela [da crise]”.
Ações
O vice-presidente da SBPC ressaltou a importância das mobilizações para chamar a atenção da população, uma vez que a mídia é centralizada e conta com objetivos próprios. “Como não temos espaço na mídia, precisamos trabalhar com outras ferramentas, inclusive as redes sociais para chamar atenção para nossas mobilizações”, explica já ressaltando que haverá atividades durante a 69ª RA da SBPC, que será realizada de 16 a 22 de julho na UFMG, em Belo Horizonte (MG).
Moreira disse ainda que durante essa semana a AdUFRJ, que está puxando o movimento no RJ, juntamente como outras instituições, realizará uma assembleia para decidir novas ações para o dia 30 de junho. Além do Rio de Janeiro, já estão previstas mobilizações da campanha “Conhecimento Sem Cortes” em Minas Gerais e Brasília e a expectativa é que outros estados sejam envolvidos.
Uma das ferramentas de participação é uma petição digital e impressa direcionada ao governo federal, cujo texto exige o pleno funcionamento das universidades, entre outras demandas; a petição será entregue às autoridades, em audiência pública, no mês de setembro, em Brasília. “Isoladas, essas ações não chamam a atenção. Por isso estamos lutando e criando diversas atividades para sensibilizar a população”, conta.
Vivian Costa – Jornal da Ciência