O Congresso Nacional aprovou, na noite dessa terça-feira, o Projeto da Lei Orçamentária para 2020 (PLOA 2020), arrematando o primeiro orçamento elaborado no governo Jair Bolsonaro. Na área científica, o relator geral do PLOA 2020, deputado Domingos Neto (PSD/CE) recuperou parte dos recursos destinados ao fomento à pesquisa, reduzidos drasticamente na proposta original enviada pelo governo, em atendimento às demandas da comunidade científica. Também foi feito acréscimo para o pagamento de bolsas da Capes, embora o valor final para a cobertura dos compromissos com os bolsistas siga abaixo do necessário.
A recomposição parcial dos recursos foi fruto da ampla articulação feita pelas entidades científicas ao longo dos meses de análise da nova Lei Orçamentária, unidas em torno da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br). O contato estreito da ICTP.br tanto com o relator geral do PLOA, quanto com o presidente da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO), senador Marcelo Castro (MDB/PI), permitiu um maior entendimento das prioridades do setor para 2020 e a realização de correções. Essa atuação mais próxima da comunidade científica também assegurou um alinhamento maior do relatório setorial para CT&I, do deputado André Figueiredo (PDT/CE), que mediou as negociações para a recuperação do orçamento.
“A Iniciativa se firmou e atuamos de forma mais eficiente e articulada”, avalia o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira. Além da SBPC, a ICTP.br congrega a ABC, Consecti, Confies, Confap, Conif, Andifes e o Fórum de Secretários Municipais de CT&I, sob a coordenação executiva do ex-ministro de Ciência e Tecnologia Celso Pansera.
A ICTP.br também tem tido estreita articulação com a Frente Parlamentar Mista de Ciência, Tecnologia e Inovação, presidida pelo senador Izalci Lucas (PSDB/DF) e pelo deputado Vitor Lippi (PSDB/SP), a qual exerceu importante papel na defesa da Ciência e da Educação ao longo das negociações da Lei Orçamentária. A Iniciativa também foi peça-chave para a instalação da nova Frente Parlamentar Mista em Defesa da Finep, do Desenvolvimento da Ciência, da Pesquisa e da Inovação, presidida pelo deputado Paulo Ramos (PDT/RJ), inaugurada nessa terça-feira, 17.
Acréscimos
O relatório final promoveu um acréscimo de R$ 47,8 milhões para o fomento à pesquisa realizado pelo CNPq, o que elevará os recursos para esta função em 2020 para R$ 61,2 milhões. Também foi reforçado o fomento financiado diretamente pelo próprio Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) em R$ 8,6 milhões, totalizando R$ 15,2 milhões na LOA final. Os recursos de fomento são fundamentais para a realização das pesquisas científicas, uma vez que financiam a compra de equipamentos, insumos e custos gerais dos pesquisadores.
Existem ainda mais R$ 7,5 milhões – R$ 3,7 milhões para o MCTIC e R$ 3,8 milhões para o CNPq – destinados ao fomento pendentes de aprovação futura de crédito suplementar rompendo a Regra de Ouro, que impede o Estado de se endividar acima das receitas correntes com despesas não consideradas como “investimento”. Os acréscimos suavizam os cortes promovidos no texto original da LOA, mas ainda assim os recursos para essas atividades em 2020 serão metade do disponibilizado para o setor em 2019.
O relator geral também fez um acréscimo de R$ 16 milhões no financiamento da “Política Produtiva e de Inovação Tecnológica”, custeada pelo Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel), praticamente dobrando os recursos para este programa, que serão agora de R$ 32,5 milhões.
A Capes recebeu reforço nas bolsas de Ensino Superior e na capacitação para a Educação Básica. Os recursos para cobertura das bolsas foram acrescidos em R$ 47,8 milhões, elevando o total final disponível para R$ 1,9 bilhão. Outros R$ 155,8 milhões estão pendentes da quebra da Regra de Ouro para serem liberados em 2020.
Na capacitação e formação continuada para a Educação Básica, a Capes recebeu um acréscimo de R$ 54,9 milhões e R$ 39 milhões foram retirados da dependência de crédito suplementar e transferidos para o orçamento ativo já aprovado pelo Congresso Nacional para 2020. Com isso, a entidade terá R$ 153 milhões para a cobertura desse programa, restando pendente da quebra da Regra de Ouro apenas R$ 1,4 milhão.
Sem contingenciamento
Para além dos ajustes finais promovidos na LOA 2020 citados acima, a articulação dos parlamentares e da comunidade científica assegurou uma importante vitória para o setor: o impedimento de contingenciamento dos recursos voltados para a Ciência no próximo ano. A regra de proíbe o governo federal de limitar a liberação dos recursos aprovados na função “Ciência” no MCTIC foi inserida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) por meio de emenda do deputado João H. Campos (PSB/PE).
Este impedimento dará maior segurança para o setor com relação ao fluxo de recursos ao longo do ano, o que deve elevar a eficiência na aplicação. Estão resguardados do contingenciamento um total de R$ 4,1 bilhões no MCTIC. Em 2019, quando não houve tal proteção, o ministério conseguiu pagar R$ 3,9 bilhões de um orçamento aprovado de R$ 4,8 bilhões. Com a proteção dada pela LDO, espera-se que essa “perda” entre os valores autorizados e os pagos seja reduzida.
Em parceria com a ICTP.br, Campos e a liderança do PSB também conseguiram reinserir na LDO proteção contra o contingenciamento dos recursos voltados à ciência e à divulgação científica em órgãos estratégicos fora do MCTIC. Atendendo a esses requisitos, R$ 776,1 milhões foram protegidos de cortes futuros distribuídos entre Embrapa (R$ 144 milhões), Fiocruz (R$ 624,8 milhões), IBGE (R$ 2,2 milhões) e Ipea (R$ 5,1 milhões). Novamente, deverá haver um ganho importante na eficiência do pagamento das atividades científicas desses órgãos que, somados, só conseguiram concluir o pagamento de R$ 549 milhões de um orçamento aprovado de R$ 916 milhões em 2019.
Equilíbrio e pendências
Outro avanço importante, fruto da mobilização dos cientistas ao longo do ano, é que o orçamento para o pagamento de bolsas do CNPq adentrará 2020 equilibrado. Ainda que não haja espaço, tecnicamente, para ampliações das bolsas, os recursos aprovados afastam o risco de que a situação dramática vivida em 2019 – com a quase suspensão do pagamento das bolsas ativas a partir de setembro – volte a se repetir em 2020.
A situação crítica de falta de recursos para expandir as atividades da ciência brasileira poderia ser neutralizada não fosse a contínua captura de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) pelo governo federal. Em 2020, 87,7% do total arrecadado pelo FNDCT jamais chegará a financiar projetos tecnológicos no País, tendo sido desviados para a Reserva de Contingência do governo federal. Na prática, a Finep, responsável pela gestão do fundo, terá apenas R$ 600 milhões para custear projetos, mesmo tendo sido arrecadados nada menos do que R$ 4,9 bilhões para o FNDCT.
Além de uma mobilização contínua da comunidade científica junto aos parlamentares pelo fim dessa captura de recursos para a Reserva de Contingência – que não é revertida com a blindagem anticontingenciamento já citada –, o setor tem se articulado para impedir retrocessos que vão além da redução crítica de recursos. Movimentos para extinguir a Finep e o próprio FNDCT, fusão da Capes com o CNPq e “privatização” do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), com sua transferência para o Sistema S, tem ameaçado a manutenção do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) como conhecemos hoje e arriscado o País a um retrocesso com impactos incalculáveis para a economia e qualidade de vida do Brasil.
O trabalho da comunidade científica para conquistar maior espaço de diálogo no Congresso Nacional tem impedido que esses projetos de desmonte do setor sigam adiante e conquistado importantes defensores da Ciência no Legislativo. Um deles é o próprio presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), que, junto com 18 líderes partidários, assinou artigo em defesa da ciência e tecnologia em novembro deste ano.
Mariana Mazza, especial para o Jornal da Ciência