Políticas de saúde devem ser de Estado, não de governos, diz Pedro Hallal

Ex-reitor da Universidade de Pelotas e coordenador da Epicovid afirma que Brasil tem infraestrutura para enfrentar outra pandemia, mas é preciso planejamento político

O Brasil tem capacidade e inteligência epidemiológica para enfrentar uma pandemia, e poderia ter lidado melhor com a covid-19, mas não o fez por razões políticas. Essa foi a avaliação do epidemiologista Pedro Rodrigues Curi Hallal em conferência proferida nesta quarta-feira durante a 74ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Professor universitário, ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) de 2017 a 2020, Pedro Hallal se destacou como crítico da política de saúde do governo federal no enfrentamento da pandemia de covid-19. Alvo de ameaças devido ao seu posicionamento e resistência, ele anunciou durante a conferência que vai deixar o Brasil em outubro por temor aos ataques.

Durante sua conferência, apresentada pela diretora da SBPC Ana Tereza de Vasconcelos, Hallal relembrou a realização e os resultados da Epicovid, uma das maiores pesquisas epidemiológicas mundiais realizadas durante a pandemia, que foi censurada pelo governo federal quando revelou que a incidência do vírus era maior entre os indígenas comparado com o restante da população.

Sobre a questão colocada, se o Brasil tem preparo suficiente para encarar uma nova pandemia, Hallal afirmou que, na opinião dele, sim, o País tem capacidade para enfrentar um desafio desse porte graças à infraestrutura construída durante décadas.

“O Brasil tem o SUS, maior sistema de saúde público do mundo e é referência mundial em vacinas”, disse o epidemiologista, ressaltando que essas são vantagens em comparação com outros países – como Itália e EUA, por exemplo -, que ajudaram a atenuar a tragédia que foi a gestão da pandemia por parte do governo federal.

Ele disse que não acredita que haverá uma nova pandemia nos moldes da covid-19 tão cedo, mas certamente haverá novos desafios em termos de saúde pública. Um deles é o enfrentamento de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), como câncer e diabetes, resultado do aumento da inatividade física, da obesidade, piora da alimentação, quebra da tendência de melhora no tabagismo, quebra de tendência de melhora no consumo de álcool e acirramento das desigualdades socioeconômicas.

Nesse sentido, Hallal reivindicou que as políticas públicas de saúde devem ser do Estado e não ficar subordinados a governos que podem ter visões diferentes das necessidades da população.

Ele também disse que o país precisa investir mais em ciência e tecnologia para enfrentar as próximas ondas epidêmicas, valorizando a rede de universidades públicas que realizam mais de 90% da pesquisa científica no país e estancando a “fuga de cérebros”. “O Brasil está vivenciando uma debandada geral de pessoas chave para lidar com uma próxima pandemia”, afirmou.

No encerramento da conferência, Hallal disse que não é a primeira vez que um governo autoritário ataca a ciência, mas o que tem em comum em todos os momentos e lugares em que isso aconteceu é que a ciência triunfará. “Eu tenho certeza de que a ciência vai estar de pé.”

Assista à conferência “O Brasil está preparado para outra pandemia? ” pelo canal da SBPC no Youtube.

Jornal da Ciência