Polos de inovação podem contribuir mais, dizem especialistas

Mesa-redonda na 77ª Reunião Anual da SBPC discutiu os desafios para ampliação de centros tecnológicos, a concentração regional e a relação com desigualdades
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Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

Em um cenário de queda da produção científica brasileira, em que o investimento público em inovação ganha ainda mais relevância, o país conta com centros de excelência neste campo. Porém eles são concentrados nas regiões mais ricas e não têm um monitoramento adequado de sua contribuição ao país.

Este foi, em síntese, o teor do debate na mesa-redonda “Polos de inovação tecnológica: qual a contribuição para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil?”, parte da programação da 77ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

Realizada na Biblioteca Setorial da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), no Recife, a mesa foi mediada pela cientista da computação Francilene Procópio Garcia, presidente da SBPC. Contou com a participação de Elias Ramos de Souza, diretor da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep); Odir Dellagostin, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs); Caroline Alves da Costa, presidente da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e Pierre Lucena, presidente do Porto Digital do Recife.

Odir Dellagostin incluiu em sua apresentação uma análise dos 50 países de maior produção científica no mundo, apontando um avanço médio 8,2% entre 2021 e 2024. Neste ranking, o Brasil destoou, registrando uma queda de 10% no mesmo período. Só a Rússia caiu mais, 20%, ainda assim, tem uma produção muito superior à do Brasil.

Segundo ele, os dados são do SCImago Institutions Rankings (SIR), uma classificação de instituições acadêmicas e de pesquisa por um indicador composto que combina desempenho da pesquisa, resultados de inovação e impacto social medido por sua visibilidade na web.

Neste contexto, o país apresentou um crescimento expressivo no número de parques tecnológicos contidos em polos, com um saltou de nove para 64 no primeiro quarto do século 21. Além destes, há 29 em fase de implementação e oito em planejamento, segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), porém com uma forte concentração nos estados do Sul e Sudeste do país. Só o Rio Grande do Sul abriga 14 deles.

“Polos (tecnológicos) são vetores fundamentais para o Brasil avançar rumo a uma economia baseada em conhecimento sustentável e inclusiva”, afirmou o presidente da Fapergs, destacando, porém que o insumo destes polos são recursos humanos geradores de ideias. “É fundamental, por isso, termos também a pesquisa científica e a formação de recursos humanos nos nossos programas de pós-graduação bastante fortalecidas”, analisou.

Ao fazer um balanço das ações e programas da Finep, Elias Ramos de Souza também mencionou as desigualdades regionais como um dos principais desafios enfrentados pela agência, bem como a articulação com a pesquisa e o desenvolvimento acadêmico. Ele acrescentou ainda a limitada interação entre os atores (públicos e privados), o acesso a recursos e a descontinuidade de políticas públicas como obstáculos ao ambiente de inovação no país.

“Uma ‘startup’, uma empresa inovadora que começa a sua atividade, se ela tem uma interrupção no apoio, um dos problemas principais que ela vai enfrentar é não conseguir reter os seus talentos para a continuidade do trabalho”, explicou, mencionando a gestão da agência no governo anterior.

Falta de maior interação entre os institutos de ciências e empresas foi também mencionada por Caroline Alves da Costa, presidente da Faperj, como um dos grandes desafios para o desenvolvimento da inovação científica, ainda que o estado do Rio de Janeiro abrigue alguns dos maiores e mais importantes polos de desenvolvimento tecnológico do Brasil. “Em algum momento vamos ter que sentar e conversar sobre as prioridades, ampliar os investimentos e fomentar nos parques as bases de vocações locais”, disse Costa, após fazer um balanço dos programas de fomento da agência fluminense.

Pierre Lucena, presidente do Porto Digital de Pernambuco, ressaltou o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) como a primeira grande tentativa nos últimos 20 ou 30 anos para atualizar a pesquisa científica brasileira, alçando o país à condição de disputa em um mercado globalizado. “É lógico que o Brasil não vai ficar no primeiro time da Inteligência Artificial, porque esse está reservado para a China e para mais ninguém, porque é muito investimento de décadas que foi feito ali, mas o Brasil tem um papel primordial nisso”, opinou.

Lucena disse acreditar que o PBIA pode colocar o país em um patamar mais elevado, com a ressalva de que haja uma estratégia na alocação de recursos públicos. “Portanto, que a gente aproveite, que a gente faça corretamente os investimentos e não caia na medida fácil de ficar espalhando os recursos por aí, achando que isso vai resolver o problema, porque o jogo da pesquisa hoje é muito diferente do que era um tempo atrás”, alertou.

Encerrando a mesa, Francilene Procópio Garcia chamou a atenção para a necessidade de aceleração de mudanças no âmbito de gestão e governança das instituições ligadas à pesquisa científica brasileira em um momento de transições fundamentais no mundo – digital, ambiental e demográfica.

Como gestão e governança, Garcia se referia ao amplo espectro da ciência que começa na educação, mas principalmente na universidade para a qual defendeu uma reformulação de métodos e currículos. “Precisamos ter a capacidade de enxugar grades curriculares que não são do século XXI”, ressaltou, completando: “A burocracia nos ambientes institucionais da universidade impede que a gente faça isso com celeridade, arrastando alguns anos nesse processo”.

Outro ponto destacado por Garcia foi a deficiência de avaliação dos polos tecnológicos, com monitoramento e conexão deles aos problemas da sociedade. “A gente tem um pouco mais de uma centena de parques tecnológicos no Brasil e não temos uma avaliação clara”. Na visão da presidente da SBPC, entretanto, o mais importante, ainda em falta no Brasil, é um projeto de longo prazo que promova a inclusão da diversidade humana e da riqueza ecológica.

“Polo de inovação dialoga com essa capacidade de usarmos a lente do conhecimento, de forma empreendedora e sustentável, para a riqueza que nós temos e para os problemas que esses ativos podem ser fortemente empoderadores, sem exclusão, com diversidade”, concluiu.

Janes Rocha – Jornal da Ciência