Pós-graduação no Brasil tem que estar conectada às realidades locais, defendem especialistas

Em mesa-redonda realizada durante a 76ª Reunião Anual da SBPC, pesquisadores afirmaram que a aproximação da academia com o entorno tem impacto direto na empregabilidade e no desenvolvimento do País
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Foto: Jardel Rodrigues/SBPC

Evasão de estudantes, valores de bolsas abaixo da inflação, programas que não acompanham as novas dinâmicas da sociedade e a ausência de empregabilidade são alguns dos problemas que atingem os pós-graduandos no Brasil. Para especialistas, a estruturação de um novo Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) enfrenta diversos desafios, que podem ser respondidos com um incentivo político: a regionalização.

“Quando a gente fala de pós-graduação, nós temos a ideia de que a universidade se fecha em si mesma, ela faz um muro ao seu redor. As instituições acadêmicas não olham para o que está acontecendo do lado de fora, não mostram a realidade do País ao estudante. O pós-graduando vai passar pelo menos seis anos pensando em mestrado e doutorado, juntos, trancado no ambiente acadêmico, sem conhecer como é o ambiente empresarial da área que ele estuda e, principalmente, sem ser estimulado para isso”, afirmou o professor Esper Abrão Cavalheiro, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Cavalheiro integrou o debate “O novo Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG): avanços e desafios”, realizado durante a programação da 76ª Reunião Anual da SBPC, e que contou também com as participações de Dalila Andrade de Oliveira, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretora de Cooperação Institucional Internacional e de Inovação do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico); Antônio Gomes de Souza Filho, diretor de avaliações da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e Vinícius Soares, presidente da ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos). A mediação foi de Marimélia Porcionatto, integrante da Diretoria da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

A discussão girou em torno do novo Plano Nacional de Pós-Graduação, com vigência de 2024 a 2028. Após a realização de consulta pública no início do ano, o documento deve ser convertido em projeto de lei para votação nos próximos dias.

Cavalheiro, que presidiu a comissão de elaboração do novo PNPG, defendeu que a pós-graduação brasileira precisa ser capaz de estimular o conhecimento dos estudantes e a prontidão para responder a problemas – de sua área e de seu entorno. “A Ciência é feita nos bairros e é nos bairros, à volta, que muitos encontram suas perguntas de pesquisa. Isso também envolve o que é feito da Ciência, pois se ela vem de dinheiro público, ela precisa atender ao público.”

Diretor de avaliações da Capes, Antônio Gomes de Souza Filho concordou sobre a importância da regionalização como fator essencial na construção da pós-graduação, tanto nas bases curriculares como no impacto das universidades.

“A gente precisa avançar para ter um novo modelo de oferta e de abertura de programas de pós-graduação que considere de forma muito articulada o contexto e as necessidades de cada região. Se não evoluir nessa direção, a gente tem uma grande possibilidade de continuar ofertando uma pós-graduação com o perfil muito similar ao que a gente fez até agora e, portanto, com uma curva de empregabilidade que está diminuindo”, ponderou.

Para o especialista, o PNPG precisa responder a cinco perguntas essenciais. “A primeira: onde estão atuando os egressos da pós-graduação no Brasil? A segunda, qual a necessidade de se formar mestres e doutores? Terceira: como expandir a oferta de pós-graduação no Brasil? A quarta: qual é o perfil do egresso e da pós-graduação que esse país vai ofertar para desenvolver o próprio país? E, por fim, qual é o papel indutor da avaliação na pós-graduação?”

O presidente da ANPG, Vinícius Soares, afirmou que a centralização do ensino da pós-graduação, principalmente na região Sudeste, faz com que os universitários muitas vezes abandonem os polos onde se formaram para buscar mais oportunidades.

“Nós temos, sim, uma fuga de cérebros no Brasil para o exterior, mas também temos uma perda de talentos aqui dentro do país. Primeiramente, porque voltamos a concentrar os nossos recursos no Centro Sul, fazendo com que graduandos do Norte e do Nordeste vão para essa região em busca de melhores condições. Inclusive, eu sou um exemplo disso. Eu sou de Pernambuco, fiz a minha graduação e meu mestrado em Pernambuco, mas por falta de bolsas, precisei migrar para a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) para poder conseguir fazer o doutorado. Essa não é uma realidade apenas minha, é uma realidade da pós-graduação.”

Soares também destacou que o Brasil forma poucos mestres e doutores, principalmente no comparativo internacional. Enquanto a média global, segundo a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), é que 12,7% do total da população tenha título de mestrado, no recorte brasileiro, esse valor é 0,8%. No doutorado, a discrepância é maior: mundialmente, 1,1% são doutores e no Brasil este recorte equivale a 0,2% de sua população. “Para que nós consigamos atingir a média da OCDE, o Brasil precisaria titular pelo menos 1,5 milhões de doutores, e isso teria um impacto financeiro de cerca de R$ 112 bilhões por ano”, retificou.

Segundo o presidente da ANPG, o pós-graduando no Brasil está num limbo entre ser estudante e trabalhador, mas carece de direitos de ambas as categorias. “90% da ciência no Brasil é produzida pelas mãos dos pós-graduandos, mas, mesmo assim, temos um desnível dos direitos sociais para quem faz pós-graduação. Por exemplo, a licença maternidade foi aprovada na década de 1940 para os trabalhadores, mas só chegou aos pós-graduandos em 2017. Agora, estamos lutando pelos direitos previdenciários e pela inclusão, na prática, da pós-graduação na assistência estudantil.”

Soares elogiou os reajustes nas bolsas de pesquisa realizados em 2023 pelo atual governo, que quebraram um hiato de 10 anos, mas destacou que os aumentos não acompanharam a realidade inflacionária do País “Com esse reajuste que nós tivemos no ano passado, a bolsa de mestrado hoje é de R$ 2.100 e a bolsa de doutorado, R$ 3.100. Mas se fôssemos calcular apenas a correção inflacionária, a bolsa de mestrado deveria ser de R$ 2.800, e a de doutorado, quase R$ 5.000.”

O especialista concluiu sua fala listando alguns caminhos para o PNPG. O primeiro é a necessidade de um mecanismo que garanta reajuste anual nas bolsas de pesquisa, para que o pós-graduando não fique à mercê de decisões pontuais de governos. O segundo ponto defendido foi a concessão de bolsas a todos os pós-graduandos, ou seja, a universalização das bolsas de estudo.

O presidente da ANPG reforçou a necessidade dos direitos previdenciários à categoria e, por fim, argumentou sobre uma reestruturação no ensino. “Precisamos de inovação no currículo da pós-graduação, para aproximá-la das indústrias e do mercado de trabalho.”

Já a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e diretora de Cooperação Institucional Internacional e de Inovação do CNPq, Dalila Andrade de Oliveira, complementou que os debates sobre a pós-graduação não envolvem só o PNPG, como também o Plano Nacional de Educação (PNE).

Oliveira alertou que as discussões de ambos os planos nacionais precisam considerar melhor as agências de fomento, como CNPq e Capes, que atuam diretamente no financiamento de bolsas de formação e capacitação, nos programas de cooperação internacional e na agenda integrada entre universidades e empresas.

“Por exemplo, considerando o documento do PNPG colocado para consulta pública, a presença do CNPq na sua proposta é muito tímida, para não dizer ausente”, alertou. A especialista também cobrou uma participação da comunidade científica nestes debates. “Lutar por um Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação é, inevitavelmente, lutar pelo PNPG”.

A mesa “O novo Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG): avanços e desafios” está disponível na íntegra no canal da Universidade Federal do Pará (UFPA) no YouTube.

Rafael Revadam – Jornal da Ciência