Um recorte da atuação dos povos tradicionais demonstra que a conservação da biodiversidade depende do respeito à diversidade cultural, práticas e representações destas comunidades. Essa foi a mensagem que ficou do webinário “A Contribuição dos Povos Tradicionais para a Biodiversidade no Brasil”, promovido sexta-feira (18/3) pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
O evento online reuniu autores da seção 16 da obra “Povos tradicionais e biodiversidade no Brasil – Contribuições dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para a biodiversidade, políticas e ameaças”.
Mediado pela antropóloga e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Sônia Barbosa Magalhães, o webinário contou com a participação de Adriana de Souza de Lima, presidente da União dos Moradores da Jureia (UMJ); Fabricio Bianchini, da Embrapa Semiárido; Carlos Alberto Dayrell, do Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental (NIISA) e Noemi Miyasaka Porro, do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares, da UFPA.
Membro da comunidade caiçara da Juréia (litoral sul de São Paulo), Adriana de Souza de Lima falou sobre o processo de expulsão de moradores com a criação da área de proteção ambiental e como a comunidade reagiu, organizando-se para defender seus interesses. A partir de 2005, uma série de instituições foram criadas, culminando no Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira.
“Essa construção que fizemos aqui a várias mãos traz um pouco dessa metodologia de produzir conhecimento a partir das nossas narrativas, do nosso processo de mobilização, de articulação e de busca de parcerias”, contou Lima.
Engenheiro agrônomo e analista de inovação na Embrapa Semiárido, Fabricio Bianchini apresentou sobre a pesquisa realizada junto às comunidades de Fundo de Pasto que vivem na caatinga baiana, área que tem sido castigada pelas mudanças climáticas. O objetivo do trabalho é descrever o agroecossistema manejado pelas comunidades e como seu modo de vida influencia na conservação do umbuzeiro, espécie-chave da região.
“Essas comunidades que se situam no Oeste da Bahia estão resistindo desde os anos 1970 quando começam a sofrer problemas relacionados à questão agrária, o cercamento das terras de uso comum com incentivo do governo”, afirmou Bianchini. Segundo ele, com a criação de cooperativa (Coopercuc) que hoje reúne 273 associados (sendo 18 comunidades Fundo de Pasto), 13 pequenas unidades de processamento e uma fábrica central, a comunidade conseguiu se fortalecer economicamente.
Carlos Alberto Dayrell, doutor em desenvolvimento territorial, fez um relato sobre a pesquisa junto aos vazanteiros e geraizeiros, populações que vivem da bacia média do rio São Francisco, no Norte de Minas Gerais. Detentores do que Dayrell chamou de “memória biocultural de mais de mil anos”, esses povos sofreram com as políticas de desenvolvimento aplicadas pela ditadura civil-militar (1964-1985), que avançaram sobre suas terras em benefício dos grandes empresários.
Eles resistiram organizados em grupos articulados, inicialmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), depois em fóruns e comissões próprias. “São gentes que têm uma história de convivência e conhecimento profundo sobre os ecossistemas, plantas e animais, mas principalmente possuem outra racionalidade, outra visão, outra antologia acerca do mundo que nos rodeia e são as questões que estamos demandando hoje para pensar nossa vida acercado do futuro”, definiu Dayrell.
Noemi Miyasaka Porro falou sobre as quebradeiras de coco babaçu e sua contribuição através do acompanhamento da Lei da Biodiversidade (13.123/2015). “Em relação ao acesso ao patrimônio genético associado ao conhecimento tradicional, as quebradeiras foram o primeiro grupo a recusar a privatização de benefícios oferecidos por empresas. Elas tinham consciência que, o que quer que o governo chamou de patrimônio genético, eram bens de uso comum e não passíveis de privatização”, relatou Miyasaka Porro.
Ao final das apresentações, Sônia Barbosa Magalhães comentou: “A sociedade brasileira tem uma dívida com esses povos, não apenas os cinco mencionados, mas a grande variedade de comunidades que temos, dívida essa que se torna tanto mais séria quando colocamos em evidência a resistência desses povos”.
A coleção “Povos tradicionais e biodiversidade no Brasil — Contribuições dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para a biodiversidade, políticas e ameaças” é composta por 17 seções, das quais 8 já foram publicadas. A seção 16 que integra uma parte específica da coleção, é resultado de pesquisas interculturais com participação direta dos povos pesquisados.
Jornal da Ciência