“Estamos passando por um momento de crise profunda porque estamos com um governo que se dispõe a destruir tudo o que foi construído nos últimos 80 anos. Temos que ter um projeto de desenvolvimento, senão haverá uma explosão da sociedade, como já ocorre na Nigéria.” A análise sombria do futuro brasileiro é de Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia, que fez uma conferência nessa terça-feira, 24, sobre “A ciência, a tecnologia e a engenharia nacional” na 70ª Reunião Anual da SBPC, realizada na Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
A ausência de viés desenvolvimentista nas políticas públicas atuais tem afetado particularmente o mercado de engenharia, sacrificando as perspectivas de uma retomada rápida do avanço nacional em áreas estratégicas. Celestino explicou que, ainda que continuem se formando engenheiros, isto não é suficiente na dinâmica desta profissão, que requer atividade prática contínua para que o conhecimento não se perca. “Esta é uma área em que, se não houver continuidade, você não vai ter qualificação dos engenheiros. Estamos perdendo a qualidade”, afirmou.
Após fazer um relato histórico contando os momentos políticos que colocaram o Brasil na rota do desenvolvimento, o presidente do Clube de Engenharia lembrou que não é de agora a prática de desmontar estatais em áreas estratégicas e, consequentemente, o Brasil enfraquecer sua própria engenharia. As privatizações do setor de telecomunicações e de distribuição de energia elétrica foram rememoradas como exemplos dessa dinâmica, que ao invés do prometido pelas esferas políticas, destruiu a capacidade tecnológica brasileira.
“Vejamos Campinas. Quando a Embratel era estatal, tínhamos um centro de pesquisa de primeira linha. Hoje não há mais nada. Perdemos completamente a pesquisa em telecomunicações no Brasil”, exemplificou, preocupado com os movimentos de desnacionalização da Embraer e de venda de ativos da Petrobras e Eletrobras, conduzidas pelo atual governo. “O que vai acontecer é que todos vão ficar desempregados. Nós temos esses exemplos históricos porque foi o que aconteceu em telecomunicações, foi o que aconteceu no setor elétrico”, lamentou. “É preciso defender o que é nosso, e isso não é defender por motivos ideológicos. É por motivos práticos, para gerar empregos.”
“Se eu tenho uma empresa estatal forte em áreas estratégicas, eu gero emprego também nas empresas privadas. E aí ninguém precisa ficar discutindo se é público ou privado”, analisou. Além da desmontagem das estatais estratégicas, Celestino também apontou os problemas da falta de planejamento em larga escala que afetou o desenvolvimento geral do País nas últimas décadas. Segundo ele, essa falta de visão mais ampla sobre o progresso brasileiro gerou uma ocupação desordenada em larga escala das cidades, desafio à parte para os engenheiros. “A reforma que se impõe atualmente é a reforma urbana. Não podemos mais conviver com a miséria urbana que nos choca em todos os estados.”
No processo urbano, as dificuldades apresentam-se em três eixos: habitação, saneamento e mobilidade urbana. Ocorre que, sem a base de valorização da engenharia brasileira, com a redução de perspectivas gerada pelo desmanche das áreas estratégicas e sem o desejado planejamento global de desenvolvimento, mesmo estes setores de ordem simples são afetados. Outro ponto problemático se apresenta na própria formação educacional dos engenheiros, segundo Celestino.
Ele criticou o modelo que tem sido adotado de transformação de escolas técnicas em cursos superiores e a falta de cursos de engenharia compatíveis com as necessidades do País. “Está se gastando muito dinheiro e está se gastando mal”, reclamou. “Há um exagero que nos leva a jogar dinheiro fora.” Ele citou como exemplo o estado de Roraima, que possui 22 cursos de graduação, e comparou com o modelo chinês. “A China tornou-se a maior potencia econômica do mundo com um programa de 2015 a 2025 focando-se em transformar o ‘made in China’ em ‘created in China’. E esse modelo concentra-se em três centros acadêmicos, com mais de 600 mil pesquisadores.”
Também alvo de críticas do engenheiro é a disseminação de cursos à distância. “Como ensinar engenharia à distância? A pessoa sai sem saber nada, aí vira motorista de Uber”, lamentou Celestino, apontando que hoje já existem mais de 4 mil cursos nessa modalidade no campo das engenharias. No rol das críticas ao cenário atual, o presidente do Clube de Engenharia também atacou a Operação Lava Jato que, a seu ver, “teve como objetivo estratégico destruir o setor” das empreiteiras, sendo responsável por boa parte da degradação que a engenharia se encontra nos dias de hoje. “Eram empreiteiras e viraram empreendedoras; por isso foram destruídos”, concluiu.
Mariana Mazza – Jornal da Ciência