“Precisamos planejar um futuro que integre e respeite os conhecimentos e as práticas tradicionais”

Especialistas alerta para necessidade de integrar a Amazônia considerando sua riqueza diversa em mesa-redonda da 76a Reunião Anual da SBPC

A integração amazônica é um tema de vital importância, não apenas para o Brasil, mas para toda a comunidade global. Segundo especialistas que participaram da mesa-redonda “Integração amazônica: desafios e perspectivas”, à medida que governos, organizações e comunidades buscam soluções integradas, surge a necessidade de equilibrar a conservação da biodiversidade com as demandas de crescimento econômico e inclusão social. O debate foi realizado nesta quinta-feira (11/07) durante a 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que acontece de 7 a 13 de julho na Universidade Federal do Pará (UFPA).

A mesa-redonda foi coordenada por Emmanuel Zagury Tourinho, reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), e contou com a participação de Vanessa Grazziotin, diretora-executiva da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), Leandro Juen, professor do Instituto de Ciências Biológicas da (UFPA), Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e Priscila Duarte, Diretora de Ciência, Tecnologia e Inovação da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).

A Amazônia, além de ser a maior floresta, a maior bacia e a maior reserva hídrica de água doce do planeta, desempenha um papel fundamental no equilíbrio climático global. Sua vastidão tropical, biodiversidade, regime hídrico e sistema de evapotranspiração são cruciais para manter esse equilíbrio. “Um desequilíbrio em um bioma tão importante como este altera todo o equilíbrio do planeta”, alerta Vanessa Grazziotin. “Quando falamos desse bioma, estamos nos referindo a vários países. Quando mencionamos a maior bacia hidrográfica do planeta, falamos de uma bacia que atravessa diversas nações. Portanto, precisamos dialogar e integrar”, pontua.

Segundo a pesquisadora, a integração da Amazônia deve considerar não apenas a porção brasileira, mas a Amazônia global, considerando toda a rica diversidade social e cultural da região. “É uma região com uma população significativa. Quando falamos da Amazônia, devemos falar também das pessoas, pois, historicamente, as comunidades que vivem nas áreas mais remotas são as verdadeiras guardiãs dessa floresta”.

Ela ainda enfatiza a importância da ciência para compreender essa nova realidade e encontrar soluções, destacando a necessidade de um diálogo ativo com as populações locais. “Precisamos planejar um futuro que respeite os conhecimentos e práticas tradicionais, construindo um amanhã em equilíbrio com a natureza e promovendo sustentabilidade com justiça social”.

Para Paulo Artaxo, é crucial perceber que a Amazônia não pertence apenas ao Brasil. A Amazônia engloba nove países, cada um com sua diversidade cultural e ambiental, mas todos compartilham a necessidade de preservação e reconhecem sua relevância para o planeta, o que a torna objeto de estudo de pesquisadores globais.

“O dinamismo da ciência amazônica e a riqueza das descobertas são fundamentais, mas o ecossistema amazônico é extremamente complexo”, explica, destacando que os modelos climáticos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) ainda não conseguem incorporar a relevância dos processos que controlam o ciclo de carbono em florestas tropicais, uma questão central nas mudanças climáticas atuais. “Portanto, parcerias internacionais são essenciais. Hoje, a ciência de alta qualidade só se faz com redes de cooperação”, defende.

Ele enfatizou a necessidade de integração científica para conhecer e preservar a Amazônia, valorizando especialmente o conhecimento regional e os saberes tradicionais. “É muito mais difícil fazer ciência interdisciplinar, mas é o caminho para descobertas relevantes para políticas públicas e para a sobrevivência não apenas do ecossistema amazônico, mas do planeta como um todo”.

A Amazônia se destaca como uma dimensão continental, crucial para o clima, regime de chuvas, sequestro de carbono e conservação da biodiversidade, conforme observado por Leandro Juen. Com 10% da biodiversidade global e 20% da água doce do planeta, a região também abriga uma rica diversidade sociocultural, com aproximadamente 40 milhões de pessoas pertencentes a mais de 300 etnias e línguas diferentes. “Essas comunidades, povos originários, quilombolas, extrativistas, tem uma relação única com o ambiente, desenvolvendo uma função muito grande sobre sua existência, mantendo a floresta em pé e os rios saudáveis”.

Para Leandro Juen, essa riqueza torna a região tanto desafiadora quanto promissora. Ele destacou a diversidade de condições e desafios enfrentados pelas várias Amazônias existentes. Um dos principais desafios identificados é a lacuna no conhecimento, com cerca de 40% das áreas amazônicas ainda não documentadas em termos de biodiversidade.

Essa falta é agravada pela desigualdade no acesso ao financiamento, resultando não apenas em perdas para a Amazônia, mas também para o Brasil como um todo, devido à diminuição do conhecimento gerado. “Não é só a Amazônia que perde, é o Brasil que perde, porque vai gerar menos conhecimento”, alerta. Para ele, são necessárias ações e políticas públicas para a região protagonizadas por amazônidas e pessoas que vivem na região. “Redes multi-institucionais e multidisciplinares possibilitam o desenvolvimento da Amazônia de forma culturalmente diversa, ecologicamente correta, economicamente viável e sustentavelmente justa”.

Priscila Duarte ressaltou não apenas o papel crucial da Amazônia para o Brasil, mas também sua importância global na manutenção do equilíbrio ambiental. Isso demanda um novo modelo de desenvolvimento para a região, onde a ciência deve orientar esse processo.

Ela criticou o histórico de falhas no desenvolvimento amazônico, sublinhando a necessidade urgente de uma comunicação mais eficaz entre os estados da região e uma maior integração com a ciência e a educação. “Precisamos olhar para o desenvolvimento da Amazônia e pensar que falhar até aqui, que precisamos repensar isso tendo a ciência e a educação como ponto principal”.

Duarte destacou que a pós-graduação, ou seja, mestres e doutores, representam cerca de 90% da produção científica no Brasil. “E daí a importância de podermos falar da necessidade do fortalecimento do sistema de pesquisa e de pós-graduação aqui na região Norte, que ainda é a região com menor programas de pós-graduação”. Para ela, é preciso consolidar as instituições da Amazônia, ampliando a quantidade de recursos para as instituições da região Norte. “A nossa região ainda recebe poucos recursos para investir na ampliação de seus cursos, para investir na formação desses jovens”.

Emmanuel Tourinho enfatizou que a educação superior pública desempenha um papel vital no desenvolvimento de projetos para a região, destacando sua diversidade e potencial como ponte para a integração não apenas nacional, mas também internacional, visando a metas comuns de desenvolvimento sustentável. “Ela produz essa ciência e pode servir de ponte para integração não apenas com outros institutos, mas também com outros países, para alcançar esse objetivo comum”.

Assista à mesa-redonda na íntegra:

https://www.youtube.com/watch?v=2yTz85UMi8o

Chris Bueno, Jornal da Ciência