O presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Anderson Ribeiro Correia, afirmou que o Brasil precisa formar mais mestres e doutores e aumentar os investimentos em ciência e tecnologia. Empossado em janeiro, o ex-reitor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) realizou sua primeira palestra em uma instituição de ciência e tecnologia durante a Semana de Abertura do Ano Acadêmico do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), em sessão do Núcleo de Estudos Avançados, na última quarta-feira (13/3). Correia destacou os avanços da pós-graduação brasileira nos últimos anos e apontou desafios, em especial, a necessidade de mudança do modelo de avaliação dos cursos de mestrado e doutorado no país. Ele afirmou ainda que pode rever a portaria publicada em dezembro que regulamenta a oferta de cursos de pós-graduação Stricto sensu na modalidade a distância. Em mensagem a todos os estudantes, o presidente da Capes assegurou que, neste momento, não há perspectiva de cortes de bolsas de estudo.
Na mesa de abertura do evento, a presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade Lima, apontou questões que preocupam a comunidade científica, com ênfase para a carência de oportunidades para os egressos dos programas de pós-graduação. “Discute-se a fuga de cérebros e precisamos lidar com o desafio de reter esses jovens. Gostaria que essa aula fosse o primeiro momento de um diálogo necessário, que tenha como orientação pensar a Capes e a pós-graduação no projeto do país”, afirmou Nísia, que entregou uma carta ao presidente da Capes, apontando temas importantes de interlocução entre as instituições. Lembrando que o Curso de Aplicação, criado por Oswaldo Cruz, em 1908, foi a primeira escola de pós-graduação do Brasil, o diretor do IOC, José Paulo Galiardi Leite, ressaltou a tradição e a relevância do ensino no Instituto. “De 1980 a 2018, formamos 1.732 mestres e 1.094 doutores. O IOC apoiará a Capes em todas as suas iniciativas para formar recursos humanos qualificados e minimizar a diáspora de cientistas brasileiros. Uma política nacional será fundamental para enfrentar esse desafio”, declarou José Paulo.
O coordenador do Núcleo de Estudos Avançados, Renato Cordeiro, ressaltou a importância do debate entre a Capes e as instituições científicas. “Esta é a primeira palestra do presidente da Capes em uma instituição científica e temos a presença de representantes de diversas universidade e centros de pesquisa do Rio de Janeiro no auditório. A Capes está de parabéns pelos avanços da pós-graduação no Brasil, mas existem diversas questões que preocupam a comunidade científica e precisam ser discutidas”, disse. O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, citou dados do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações que indicam que aproximadamente 25% dos novos mestres e doutores brasileiros estão desempregados ou em funções laterais. “As políticas públicas são fundamentais para que o Brasil avance em números que ainda estão muito abaixo de outros países na ciência, tecnologia e inovação. Nós, das sociedades científicas, queremos propor construtivamente e encontrar as soluções mais adequadas”, acrescentou Ildeu.
Avanços e desafios
Na palestra ‘A Capes e o futuro da pós-graduação no Brasil’, Correia mostrou que, entre 2006 e 2017, a pós-graduação brasileira praticamente dobrou em número de programas, alunos matriculados e profissionais titulados. Em todo o país, o total de programas passou de 2.265 para 4.296. O aumento foi ainda mais expressivo nas regiões com maior carência de ofertas de formação, com avanço de 154% no Norte e de 125% no Nordeste e no Centro-Oeste. No entanto, para competir no cenário internacional o Brasil precisa expandir seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento e melhorar a proporção de mestres e doutores na população. “A Capes não está errada em formar cada vez mais mestres e doutores. Para chegar ao padrão da Itália, que está muito abaixo de Israel, Coreia do Sul, Japão e Estados Unidos, seria necessário dobrar novamente nossa pós-graduação. Nós precisamos formar mais profissionais e o Brasil precisa de mais investimento em ciência e tecnologia, para abrir mais concursos públicos e desenvolver novos projetos relevantes de pesquisa em parceria com a indústria, de forma a absorver a mão de obra qualificada”, avaliou Correia.
O presidente da Capes ressaltou que a produção científica brasileira é significativa, porém é importante aumentar o impacto da pesquisa nacional e a colaboração com a indústria. Entre 2011 e 2019, o Brasil teve 535 mil artigos indexados na base de dados Web of Science, alcançando o 13º lugar no ranking internacional. Calculado com base nas citações de publicações científicas, o índice de impacto dos trabalhos ficou em 0,77. Além disso, 1,1% dos artigos foram produzidos em parceria com o setor industrial. Para comparação, a Coreia do Sul, que ocupa o 12º lugar no ranking, publicou 610 mil estudos, com índice de impacto de 0,92 e 3,8% de publicações em colaboração com a indústria. O palestrante destacou a relevância da pesquisa desenvolvida na Fiocruz. Em 10º lugar no ranking de instituições brasileiras em volume de publicações, a Fundação teve 13 mil artigos divulgados no período, que alcançaram um índice de impacto de 1,03 – o maior da lista.
Entre os desafios para a pós-graduação, o presidente da Capes abordou as restrições do orçamento para ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Segundo Correia, desconsiderando os investimentos no programa Ciência Sem fronteiras, encerrado em 2017, o montante destinado à Capes permanece relativamente estável desde 2015, oscilando próximo de R$ 4 milhões e R$ 4,5 milhões. “Temos um orçamento que não vence as perdas da inflação e as bolsas dos estudantes estão congeladas há seis anos. Minha primeira ideia para a Capes é aumentar o orçamento, porque, sem isso, todas as outras ideias não vão sair do papel”, afirmou. Ele lembrou que atualmente a Coordenação mantém cerca de cem mil bolsas para pós-graduação e cem mil bolsas para formação de professores da educação básica. “É comum ouvir que o Brasil deve parar de investir na educação superior e priorizar a educação básica. Mas é a universidade que dá suporte e capacitação para os profissionais do ensino básico. A Capes também é essencial para a educação básica brasileira”, ponderou.
A necessidade de mudança no processo de avaliação dos programas de pós-graduação foi um dos temas em destaque na apresentação. Realizada de forma quadrienal, a avaliação classifica os cursos com notas de 1 a 7, sendo que os índices 1 e 2 levam ao fechamento dos programas. Os quesitos considerados são corpo docente, corpo discente, teses e dissertações, produção intelectual, e inserção e impacto social e regional. O presidente da Capes chamou atenção para a dimensão do processo. Segundo ele, em 2017, foram avaliados 4.175 programas, em 49 áreas, com participação de 1.350 consultores na primeira fase e de 400 na análise de pedidos de reconsideração. “A avaliação da Capes é uma referência. Não é fácil mudar um modelo que funcionou bem por décadas, mas é preciso”, disse Correia, apontando, entre outras questões, as distorções causadas pelo número excessivo de áreas temáticas, que poderiam ser reformuladas a partir de agregações de áreas afins.
Propostas em debate
No debate realizado após a palestra, o representante discente do IOC, João Paulo Correia, doutorando do Programa de Pós-graduação em Biodiversidade e Saúde, destacou a preocupação dos estudantes com a possibilidade de cortes de bolsas e a falta de reajuste dos subsídios. Em resposta, o presidente da Capes afirmou que não haverá cortes neste momento e que, como o orçamento foi mantido pelo governo, não há recursos para reajuste. Disse, ainda, que a entidade mantém interlocução com parlamentares que trabalham para aprovar um projeto de lei para garantir o reajuste anual das bolsas.
A autorização da Capes para oferta de cursos de pós-graduação Stricto sensu na modalidade a distância, regulamentada por uma portaria publicada em dezembro, foi alvo de questionamento do coordenador do Núcleo de Estudos Avançados, Renato Cordeiro. “Queria revogar ou, pelo menos, revisar essa portaria”, respondeu Correia. Ele criticou o fato de o texto permitir que instituições de ensino superior com nota 3 no Índice Geral de Cursos submetam propostas para oferta de programas de pós-graduação na modalidade. Também afirmou que deseja deixar que as coordenações de área decidam sobre a pertinência do ensino a distância. “Não podemos fechar os olhos para a educação a distância porque é uma tendência mundial. Mas devemos ter cuidado porque temos péssimos exemplos na graduação”, completou.
O coordenador da atividade também sugeriu que consultores internacionais participassem da avaliação dos programas de pós-graduação. “Quando fui vice-presidente de Pesquisa e Ensino da Fiocruz [entre 1997 e 2001], a Capes enviou avaliadores estrangeiros para nossos programas classificados com notas 6 e 7. Esse olhar externo é fundamental para uma avaliação de excelência”, apontou. Correia concordou com a proposta. Ele afirmou que atualmente as notas 6 e 7 são atribuídas aos programas que apresentam desempenho equivalente ao alto padrão internacional considerando critérios da própria Capes, mas a presença de avaliadores estrangeiros é um passo necessário para aprimorar o processo.
O vice-diretor de Ensino, Informação e Comunicação do IOC, Marcelo Alves Pinto, abordou a dificuldade de atrair a indústria para colaborações, especialmente no campo biomédico. Em relação à colocação, o presidente da Capes afirmou que a entidade pode aumentar os incentivos para que os programas de pós-graduação estabeleçam parcerias. “Por exemplo, podemos valorizar a pós-graduação que traz recursos da indústria, que tem patentes em colaboração e que coloca egressos no setor produtivo. Sei que é difícil estabelecer essa cooperação e, muitas vezes, não há o entendimento adequado do marco legal [da ciência, tecnologia e inovação]. Mas se a Capes incentivar, o esforço vai valer à pena. O país precisa de cooperação industrial”, ressaltou Correia.
Após questão levantada pelo pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Alexandre Fortes, o presidente da Capes sinalizou a perspectiva de incentivar a fusão de programas de pós-graduação com o objetivo de racionalizar o sistema. “Gostaríamos de evitar a excessiva pulverização dos programas. Para isso, avaliamos medidas como estimular a fusão de cursos, mantendo o fomento e as bolsas, assim como a maior nota na avaliação, desde que os programas não apresentem notas muito díspares”, comentou.
Assim como Fortes, vários dirigentes de instituições de pesquisa e ensino do Rio de Janeiro participaram do encontro, incluindo o diretor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF/UFRJ), Bruno Lourenço Diaz; o diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da UFRJ (Coppe/UFRJ), Edson Watanabe; o diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), Augusto Gadelha; o vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Reinaldo Guimarães, e a pró-Reitora de Pós-Graduação, Pesquisa e Inovação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Evelyn Dill Orrico, entre outros.
Agenda
Marcada para 4 de abril, a próxima edição do Núcleo de Estudos Avançados receberá a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, membro titular da Academia de Ciências e professora titular aposentada da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. Como parte do ciclo de palestras Fraturas ambientais, o evento terá como tema A questão indígena no Brasil: impasses e perspectivas de futuro. Integrada ao 6º Encontro do IOC, a atividade será realizada às 14h, no Auditório Emmanuel Dias, do Pavilhão Arthur Neiva, no campus da Fiocruz em Manguinhos (Av. Brasil 4.365), no Rio de Janeiro.