A situação atual do País, com a pandemia causada pelo coronavírus, e a falta de recursos para a área de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) foram temas abordados durante a sessão de abertura da Mini Reunião Anual Virtual da SBPC, neste domingo, 12 de julho. A sessão, transmitida ao vivo pelo canal da SBPC no YouTube, contou com a participação do ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, de José Daniel Diniz Melo, reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e do presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira. Em seguida, o renomado pesquisador Sérgio Mascarenhas apresentou a conferência “A ciência, a inovação e os jovens” (leia mais aqui).
A “Mini Reunião Anual Virtual da SBPC”, que vai até o dia 24 de julho, contará com uma série de atividades virtuais, como conferências e painéis, além dos WEBMinicursos. O evento é uma versão online e reduzida de sua 72ª Reunião Anual, que aconteceria de 12 a 18 de julho, na UFRN, em Natal. Realizado ininterruptamente desde 1949, o maior evento científico da América Latina precisou ser adiado por conta da pandemia de coronavírus, ainda com nova data a definir.
O reitor da UFRN ressaltou que ciência e tecnologia deram a possibilidade da realização da Mini Reunião Anual Virtual da SBPC e também para que a universidade continue atuante durante o período da pandemia e isolamento social, adequando suas atividades letivas e administrativas. “Tenho certeza que podemos esperar dessa edição virtual uma nova e forte contribuição da SBPC para estes tempos de crise”, acrescentou.
Em 72 anos, a Reunião Anual da SBPC nunca foi adiada e nem foi suspensa. Mesmo em 1977, quando houve a proibição pelo governo militar, ela foi realizada na PUC, em São Paulo (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), conforme ressaltou o presidente da SBPC. “Nós vamos realizá-la, mas não sabemos ainda exatamente quando. Realizaremos em Natal, num momento adequado. Nós optamos por realizar essa edição virtual para marcar esse período tão emblemático de julho, em que sempre realizamos a Reunião Anual da SBPC. E mantivemos o mesmo tema da Reunião que será em Natal, ‘Ciência, Educação e Desenvolvimento Sustentável para o Século XXI’”, disse.
Todos os anos, a SBPC presta homenagens a cientistas em suas Reuniões Anuais. Ao destacar isso, Moreira fez questão de destacar alguns importantes cientistas brasileiros cujos centenários são celebrados em 2020, dentre eles, o sociólogo Florestan Fernandes, o economista Celso Furtado, o químico Otto Richard Gottlieb e a engenheira agrônoma Ana Primavesi. Ele homenageou também cientistas que faleceram neste ano, como o físico Ricardo Rodrigues, em fevereiro, o biólogo Angelo Machado, em abril, e, mais recentemente, em junho, Roberto Salmeron, “que estava radicado na França desde o exílio na ditadura, mas que nunca deixou de apoiar os brasileiros”, observou.
Área de CT&I
O ministro Marcos Pontes participou da sessão de abertura da Mini Reunião Anual Virtual da SBPC e defendeu o aumento de investimentos em ciência e tecnologia. Pontes ressaltou a importância de instituições de pesquisa e dos cientistas como molas propulsoras da melhora da qualidade de vida da população e do desenvolvimento do País, inclusive no momento atual para o enfrentamento da pandemia.
Ao afirmar que a Pasta tem trabalhado para o enfrentamento da pandemia, Pontes contou que o governo federal realizou um investimento de R$ 452,8 milhões em ciência, tecnologia e inovação para o enfrentamento da pandemia. Ele ainda listou algumas ações como a criação, ainda em fevereiro, da RedeVírus MCTI, um comitê de especialistas para alinhar iniciativas; a participação do Brasil em comitês internacionais e no projeto Acelerador de Vacinas; a aprovação da CTNBio de testes no Brasil com a ‘vacina de Oxford’; investimento de recursos reembolsáveis da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para o desenvolvimento de um novo ventilador pulmonar, equipamento essencial no tratamento de pacientes com a covid 19; e os testes com a nitazoxanida.
Pontes afirmou ainda que irá trabalhar com as entidades e instituições pela liberação dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fonte de recursos para pesquisa no País. “A gente precisa trabalhar juntos, porque esse contingenciamento prejudica toda a área de CT&I, incluindo, as universidades onde as pesquisas são realizadas. Esse Fundo foi feito para isso e não tem porque ele ficar em reserva de contingência”, finalizou.
Moreira iniciou a sua fala manifestando o pesar pelos mais de 70 mil mortos e 1,8 milhões de infectados pelo novo coronavírus e a solidariedade aos médicos, profissionais de saúde e trabalhadores que estão na linha de frente de combate à pandemia. Em seu discurso, fez um balanço da situação da área de CT&I no Brasil e ressaltou que a SBPC, juntamente com outras entidades, tem se manifestado intensamente em defesa da ciência, da educação, do meio ambiente e da democracia no País. E reforçou ao ministro que a luta pela liberação total dos recursos do FNDCT é certamente muito importante ainda para este ano.
O presidente da SBPC enfatizou a importância da liberação dos recursos do FNDCT, não apenas para enfrentar os efeitos da pandemia, mas também para o período seguinte no qual a ciência e tecnologia possam avançar mais e contribuir para a recuperação econômica do País, que passa por grave crise, para um desenvolvimento sustentável e com redução das desigualdades. O FNDCT está com quase 90% de seus recursos congelado em uma Reserva de Contingência. “A nosso ver, impedir que esses recursos cheguem à CT&I, significa descumprir a Constituição brasileira, cujo Artigo 218 diz, em seu 1º parágrafo, que pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação e também as legislações que criaram os Fundos Setoriais que alimentam o FNDCT”, disse Moreira, ao destacar que no Dia Nacional da Ciência, comemorado em 08 de julho, entidades científicas e tecnológicas lançaram um manifesto em defesa pela liberação integral dos recursos do FNDCT. “A gente ainda quer conseguir essa liberação para este ano, mas queremos, sim, a aprovação do Projeto de Lei Complementar n. 135, do senador Izalci Lucas (PSDB/DF), que transforma o FNDCT em fundo financeiro”, disse.
Moreira ressaltou que as agências de fomento à CT&I, como Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Finep e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), estão sofrendo com a redução significativa de recursos. “Temos capacidade, gente qualificada e projetos de qualidade, mas o investimento não vem. Tenho certeza que os recursos do FNDCT poderiam sanar essa lacuna, além de contribuir para a retomada da economia.” Segundo ele, com a contenção dos recursos do FNDCT, o governo deixou de investir cerca de R$ 4,5 bilhões este ano no setor.
“Países como os Estados Unidos, a Alemanha e a Inglaterra têm investido muito mais para enfrentar a crise provocada pela covid-19. O governo brasileiro está investindo em pesquisas sobre o coronavirus em torno de R$ 800 milhões. Os EUA estão investindo R$ 50 milhões quase dez vezes mais que o Brasil se comparamos com os PIBs. Ou seja, estamos com uma deficiência muito grande de recursos”, disse. Moreira exemplificou que o recente edital do CNPq destinou apenas R$ 50 milhões para pesquisas sobre a covid-19 com mais de 2000 projetos submetidos e uma demanda altamente qualificada de cerca de R$ 600 milhões. Ou seja, a liberação do FNCDT é uma necessidade imperiosa”.
Quanto à grande crise sanitária e econômica provocada pela pandemia, ele ressaltou que o País carece de um planejamento nacional adequado para o enfrentamento da pandemia e lamentou que o Ministério da Saúde não esteja cumprindo seu papel diante da gravidade da situação. Moreira alertou que é preciso que a comunidade esteja atenta à definição do orçamento para a área de CT&I em 2021 e, também, da Capes. “Temo que ele possa ser pior que o orçamento do que deste ano. E com a crise econômica, os argumentos para isso serão muitos”, disse.
O presidente da SBPC fez ainda severas críticas ao comportamento de autoridades políticas do governo atual em vários temas, dentre eles, a orientação de medicamentos sem comprovação científica. “As orientações médicas e científicas devem ser utilizadas cuidadosamente na questão de novos remédios e vacinas, e que sejam de fato difundidas e informadas quando todos os testes sejam finalizados”, defendeu.
Quanto à educação, Moreira disse que a expectativa é que o Ministério da Educação (MEC) mude o rumo catastrófico que tomou sob a direção do antigo ministro. Mencionou também a política destrutiva em relação ao Meio Ambiente, que faz com que o País esteja hoje como pária internacional e em uma trajetória de destruição acelerada de florestas. A SBPC apoiou hoje um documento da Coalizão Ciência e Sociedade – Proteger a Amazônia sem ciência: quais são as chances de sucesso? – e mencionou ao ministro Marcos Pontes a importância de que o MCTI desenvolva um plano de utilização intensa de suas unidades de pesquisa na Região Amazônica, bem com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), porque sem a ciência a resposta à pergunta é “não há chance”.
O presidente da SBPC lembrou da celebração dos 69 anos da Capes, no sábado, 11 de julho, destacando que seu primeiro presidente, Anísio Teixeira, foi também presidente da SBPC. E lembrou que a SBPC publicou ontem um manifesto sobre o aniversário da agência, em que destaca a grande importância ada agência, mas expressa grande “preocupação” com as reduções acentuadas nos recursos orçamentários e com o diálogo ainda reduzido sobre as mudanças que estão sendo feitas na agência. “A Capes este ano está com mais de 20% de seus recursos reduzidos e isso, com certeza, prejudica a pós-graduação, a Educação Básica, programas tipo Pibid (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) e a Universidade Aberta do Brasil (UAB), que tem um potencial grande para ajudar a construir uma educação a distância de qualidade”, disse.
Para Moreira, o País precisa de um projeto nacional que englobe o Brasil como um todo e que se preocupe com as enormes desigualdades existentes, com a inovação tecnológica e social, com o uso inteligente e sustentável de seus recursos e tendo a educação e ciência e tecnologia como instrumentos fundamentais. “Temos capacidade de fazê-lo, mas, para isso, existem valores caros que estamos preocupados que é o da democracia, ao respeito à Constituição brasileira, a legislação, ao Congresso Nacional. Por isso, a SBPC se juntou a organizações da sociedade civil em movimentos em defesa da democracia e da vida, como as Marchas Virtuais pela Ciência, realizada em maio, e pela Vida, que aconteceu em junho, e a campanha #BrasilpelaDemocracia #BrasilpelaVida, lançada em 29 de junho”, disse.
O evento foi encerrado com o coral infantil da UFRN e Filarmônica da UFRN que tocou Dai-nos a paz.
Assista aqui à sessão de abertura.
Vivian Costa – Jornal da Ciência