Uma semana após a Capes divulgar uma nota à presidência da República alertando para o risco de 200 mil pesquisadores perderem suas bolsas por conta dos cortes previstos na proposta orçamentária inicial do governo para 2019, o CNPq e a Finep também lançam alertas sobre os cortes profundos previstos em seus orçamentos para o ano que vem. O CNPq está ameaçado de perder 1/3 da verba relativa a 2018, enquanto que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), executado pela Finep, sofrerá um congelamento de 63% de seus recursos.
O orçamento previsto na proposta repassada pelo MCTIC à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) é que de uma arrecadação prevista para o FNDCT de R$ 5,6 bilhões, apenas R$ 746 milhões serão destinados para atividades não-reembolsáveis. Para empréstimos destinados a atividades reembolsáveis – créditos a empresas -, a previsão é de R$ 1,4 bilhões. “Isso significa dizer que ficarão retidos o equivalente a R$ 3,5 bilhões da arrecadação do FNDCT”, alerta o presidente da Financiadora, Marcos Cintra.
A verba mínima que a Finep necessita para cumprir os compromissos já assumidos para atividades não reembolsáveis, que incluem manutenção, compra de equipamentos, financiamento de projetos de CT&I, apoio às universidades e a todos os institutos de pesquisa, para o próximo ano é R$ 1,6 bilhões. Mas o orçamento de 2019 proposto pelo governo para a Finep prevê menos da metade disso. “Com isso, a previsão da Finep é, em 2019, fazer apenas um desembolso dos compromissos já assumidos (tradicionalmente a Finep faz 2 desembolsos para projetos aprovados). Isso significa que atenderemos menos da metade do necessário, e o espaço para novas atividades será zero”, afirma Cintra.
A Finep é a secretária executiva do FNDCT. Esse fundo apoia a compra de equipamentos, prédios, infraestruturas para todos os institutos de ciência e tecnologia do país (ICTs) – centros de pesquisa e universidades públicas e privadas, federais e estaduais, e projetos de pesquisa. Tudo isso será seriamente afetado pelo corte previsto na proposta orçamentária do governo.
“Não teremos condições de lançar novos editais. Esse ano, por exemplo, tivemos editais de compra de equipamentos para laboratórios multiusuários, financiamento a projetos de pesquisa dos ICTs, para o projeto Sirius do CNPEM, o reator Multipropósito, laboratórios para as universidades. Foi lançada também nesse ano a chamada SOS Equipamentos, para a manutenção de aparelhos, projetos de biotérios. Tudo isso é feito com recursos não reembolsáveis, mediante chamadas públicas. Essas chamadas estão 100% inviabilizadas em 2019”. O resultado é o sucateamento de laboratórios.
Além das novas chamadas, Cintra reitera que a Financiadora não terá condições de pagar todos os projetos que já foram aprovados – centenas de projetos em andamento. “Vamos ter que selecionar o que vamos pagar e o que não vamos poder pagar. Metade dos compromissos já assumidos para 2019 não poderão ser pagos. Isso é uma absoluta falta de discernimento do que é estratégico para o País”, desabafou.
Paralisação de pesquisas
O CNPq divulgou nesta quinta-feira, 9 de agosto, uma carta aberta anunciando que a proposta orçamentária inicial para 2019, que reduz os recursos destinados à agência em R$ 400 milhões – de R$ 1,2 bilhões em 2019, para R$ 800 milhões, em 2019 -, ameaça pesquisas e pesquisadores. A queda de 33% do orçamento afetará cerca de 7 mil projetos de mais de 500 instituições de ensino e pesquisa em todas as áreas do conhecimento. Afetará também o pagamento de bolsas. Atualmente o orçamento do CNPq para bolsas atende cerca de 80 mil pesquisadores. “Se isso acontecer, vamos ter que cortar pesquisa integralmente e mesmo assim faltarão recursos para o pagamento das bolsas”, afirmou o presidente do CNPq, Mário Neto Borges, em entrevista ao Jornal da Ciência.
Segundo contou, será impossível o pagamento dos 5 mil projetos aprovados no Edital Universal 2018 (cerca de R$ 150 milhões previstos para o ano que vem) e o pagamento da parcela de 2019 dos 102 Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), que reúnem hoje mais de 3 mil pesquisadores. “Se esse corte se concretizar, ele derrubará todos esses projetos no ano que vem”, afirmou.
Com isso, pesquisas importantes na área de saúde, na área de alimentos, em áreas cruciais para a população, serão paralisadas. “Estamos já na fase final de estudos para desenvolvimentos de vacina para a dengue, para a zika, por exemplo. Isso tudo está comprometido”, disse Borges.
Outras ações que serão impactadas incluem projetos de pesquisa em educação, ciências sociais aplicadas, popularização da Ciência, o Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD), o Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), Programa de Capacitação em Taxonomia (PROTAX) e o Programa Arquipélago e Ilhas Oceânicas.
“Isso compromete a ciência brasileira e, por consequência, o desenvolvimento do País. Cortes em ciência não param o País, eles fazem pior, nos fazem andar para trás. A comunidade tem que nos ajudar a reverter isso”, ressaltou.
Não podemos nos render
“É um absurdo que as três agências fundamentais de financiamento à ciência e tecnologia no País tenham passado, nos últimos dois anos, por cortes drásticos de recursos. E a previsão para o ano que vem é pior ainda. Esse orçamento proposto será votado no Congresso Nacional. Por isso precisamos fazer uma pressão muito grande para evitar o colapso desse sistema estratégico para o desenvolvimento do Brasil”, declarou o presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira.
Moreira ressalta que a mobilização pela Capes mostrou que quando a comunidade científica se une, ela tem força para mudar essas decisões. “A SBPC convoca toda a comunidade científica brasileira para, mais uma vez, e com mais força, se manifestar junto ao Congresso e ao governo nesse momento de definição do orçamento, na tentativa de diminuir o desmonte que se desenha. Não podemos nos render. Se não houver uma mobilização massiva agora, poderá ser tarde demais.”
Daniela Klebis – Jornal da Ciência