Nos últimos anos, o Brasil conseguiu fortalecer sua política ambiental, inclusive graças ao apoio internacional e alemão, reduzindo significativamente o ritmo do desmatamento na floresta amazônica.
Desta maneira, entre 2004 e 2009, a taxa anual de desmatamento foi reduzida em 73%. O reconhecimento desses esforços pelos governos norueguês e alemão levou à criação do Fundo Amazônia em 2008. O princípio básico do fundo: quanto mais dióxido de carbono o Brasil economiza com a conservação da floresta, maiores seriam as quantias depositadas no longo prazo pelos doadores. O Brasil se comprometeu a realocar esses fundos para a proteção das florestas.
O Fundo Amazônia é uma conquista da sociedade brasileira, resultado dos esforços empreendidos a partir de 2004 com a criação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), criado para reduzir o desmatamento e promover o desenvolvimento sustentável da região. O fundamento do Plano foi integrar o combate ao desmatamento em diferentes políticas, reconhecendo que o combate às causas do desmatamento não poderia ser responsabilidade apenas dos órgãos ambientais, mas deveria envolver todo o governo e a sociedade.
Uma das primeiras ações do Plano foi convidar instituições de pesquisa e ONGs com experiência em sensoriamento remoto para analisar dados do Sistema de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal (PRODES) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e cruzar informações com conhecimento de campo. Com isso, ampliou-se a compreensão sobre as dinâmicas do desmatamento, e políticas e ações puderam ser melhor direcionadas. Medidas de restrição de crédito, responsabilidade solidária da cadeia produtiva e embargo de áreas ilegalmente desmatadas foram adotadas. Os resultados são inquestionáveis, de 2004 a 2009 a taxa de desmatamento caiu de 27,8 mil quilômetros quadrados para 7,5 mil quilômetros quadrados.
Ataques ao fundo
O Fundo Amazônia, administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), vem apoiando projetos dos governos estaduais da Amazônia Legal, de órgãos federais como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o INPE, e órgãos ambientais, de instituições de pesquisa e de organizações da sociedade civil. Atualmente, cerca de 60% dos recursos do Fundo estão financiando projetos de governos estaduais e do governo federal.
Nos últimos anos, o Fundo Amazônia sofreu alguns ataques de setores que se opõem à agenda da sustentabilidade. Em 2017 a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou a destinação de terras para Povos Indígenas e para Reforma Agrária determinou a realização de auditoria para verificar a conformidade na gestão dos recursos do Fundo. A auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União atestou a satisfatória execução do Fundo Amazônia.
Mesmo assim, como parte da estratégia de desmonte das políticas ambientais, o Ministério do Meio Ambiente anunciou que faria uma análise do portfólio de projetos do Fundo Amazônia, alegando haver indícios de irregularidades no uso dos recursos por parte das organizações não governamentais.
Oponentes do desmatamento estão sendo caluniados
O Ministro pediu acesso aos documentos dos projetos do Fundo, e mesmo sem a participação de órgãos de controle e sem apresentar justificativa ou metodologia, simulou uma auditoria e vazou informações sobre supostas irregularidades encontradas, citando levianamente e de forma caluniosa organizações da sociedade civil. Em entrevista coletiva recente, entretanto, o Ministro limitou-se a fazer ilações, reconhecendo que “Não é nossa função fazer auditoria, isso é função dos órgãos de controle. É um indicativo [de irregularidade] que precisa verificar. Mas o juízo de valor será feito pelo órgão responsável”.
Enquanto atendia as demandas do Ministro, a equipe do Fundo Amazônia paralisou os processos de aprovação de projetos, e com isso o novo governo já conseguiu seu intuito, que é limitar o alcance das iniciativas que enfrentam os desmatamentos. O Ministério do Meio Ambiente, que o Presidente Bolsonaro queria extinguir, não tem no momento nenhuma política ou estratégia para lidar com a questão, uma vez que o PPCDAm desapareceu na nova estrutura e os departamentos de Florestas e de Desenvolvimento Sustentável, da Secretaria de Florestas e Desenvolvimento Sustentável, estão acéfalos. No momento não há sequer clareza sobre que setor do governo tem a responsabilidade de zelar pelos compromissos de redução do desmatamento assumidos pelo Brasil no âmbito da Convenção do Clima.
Ou seja, o Ministro ataca as ONGs e o Fundo Amazônia alegando estar preocupado com a boa gestão dos recursos, mas a verdade é que não tem nenhum interesse no combate ao desmatamento.
Comitê Orientador do Fundo desagrada ao Governo
Outro alvo do Ministro foi a estrutura de governança do Fundo. Uma das condições estabelecidas pelos doadores na negociação com o governo brasileiro para a criação do Fundo foi que a diversidade de atores sociais participe dos esforços de redução de desmatamento estivesse contemplada em sua estrutura de governança, assegurando o devido espaço de discussão e definição dos critérios, prioridades e diretrizes para os investimentos. Para isso foi criado o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (COFA), presidido pelo Ministério do Meio Ambiente, composto por representantes do governo federal, dos governos estaduais da Amazônia e da sociedade civil, representados pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento.
Seguindo uma orientação geral do governo de reduzir a participação da sociedade nos diferentes conselhos que acompanham e definem as diretrizes de cada política setorial, o Ministério está atualmente tentando restringir a participação da sociedade civil no Comitê Orientador do Fundo Amazônia. O objetivo é redirecionar o Fundo para aquilo que considera que deva ter mais prioridade, sem precisar negociar com todos os stakeholders envolvidos.
Isso inclui o pagamento de indenizações por desapropriação de terra aos proprietários rurais cujas terras estão localizadas em áreas protegidas, financiamento não permitido pelas regras atuais do Fundo. Atualmente, o governo pretende aprovar um decreto que alterará tanto as regras de financiamento quanto a composição do Comitê Orientador do Fundo.
Assim, torna-se cada vez mais evidente que o ministro, incapaz de apresentar uma política de combate ao desmatamento, quer mesmo assim definir, de forma unilateral, como serão aplicados os recursos deste instrumento financeiro internacional que deveria servir justamente para fortalecer essa política inexistente.